As Certezas Médicas

Outro dia, conversávamos, eu e meu amigo Kretinas, sobre os mecanismos geradores de certeza. Recomendo a leitura dos dois posts e também dos comentários para que se acompanhe o raciocínio desenvolvido neste.

Qual é o principal mecanismo gerador de certeza de um médico? Melhor, o que faz um médico se convencer de que determinado procedimento deve ser realizado ou não? Dois elementos principais: o primeiro é sua própria experiência; o segundo, a experiência dos outros. O paradigma tradicional era baseado na experiência do médico, no número de casos acumulados durante a vida e na conduta do professor, que era quem trazia informações novas de outros serviços ou de congressos internacionais. O paradigma atual é a literatura médica e a metodologia desenvolvida para avaliá-la criticamente: a medicina baseada em evidências. Ensaios clínicos randomizados (ou aleatorizados) com grande número de pacientes são o modelo para demonstração do efeito de tratamentos experimentais. As metanálises são, grosso modo, conjuntos de ensaios clínicos com tratamento estatístico, de modo a multiplicar o poder para responder perguntas relevantes. Metanálises e ensaios clínicos embasam normas que serão reunidas em diretrizes. Uma diretriz pretende ser um conjunto de normas para tratar uma doença ou situação clínica. Nem todas as normas de uma diretriz têm embasamento suficiente de acordo com o modelo atual, baseado em metanálises e ensaios clínicos, por isso foram atribuídas notas aos graus de “evidência” que embasam determinada norma e as maiores notas são para os dois tipos de estudos descritos acima. A experiência individual dos médicos tem nivel bastante inferior de acordo com esse sistema de classificação.

Voltemos à conversa do início. Um dos pontos defendidos no meu post é de que uma “certeza” é um estado psíquico e, sendo assim, só pode ser avaliada criticamente por quem a possui. Dizia que esse talvez fosse o paradoxo do ceticismo: se os céticos não tem as certezas para que possam criticá-las, os crédulos que as possuem, não querem fazê-lo. Em seu post, Kretinas critica minha postura racionalista, mas rebato com o que os médicos têm de mais peculiar em relação aos filósofos: a prática. Um médico tem, deve, precisa tomar decisões a todo momento. Mesmo que se tome decisões sem a certeza absoluta de que é isso o melhor a ser feito no momento — e essa situação ocorre muito mais frequentemente do que seria desejável –, o mero fato de que a decisão tenha sido tomada, indica um viés de certeza sobre determinado assunto ou situação, viés que deve, no médico honesto, estar amalgamado com intuição e com grandes doses de literatura médica, sob a pena de virar um exercício de palpites, no caso inverso.

Críticas há, sobre esse tipo de metodologia. Um exemplo já foi sugerido. O de que algumas decisões não são tomadas “com certeza”, mas muito mais pela necessidade de agir. Outra crítica seria a de que nem toda certeza se manifestaria diretamente na forma de uma decisão ou ato externos. De qualquer forma, convenhamos que para um médico “abrir a barriga” de alguém ou prescrever uma medicação que tem efeitos colaterais, algum grau de certeza ele deve ter ou então, seria um irresponsável. Isto é suficiente para essa análise. Se a medicina é uma profissão fortemente baseada na ciência médica – mas não reduzida à ela, como canso de repetir – uma abordagem como a “medicina baseada em evidências” deveria ser suficiente para, se não “convencer”, pelo menos deixar bastante propenso qualquer médico a adotar (ou abandonar) determinada conduta.

Preciso então, de ao menos um exemplo no qual uma conduta médica vá contra as evidências científicas para mostrar que uma certeza — pelo menos as certezas médicas — não dependem de uma racionalidade imediata que liga diretamente o raciocínio lógico ao ato. Um exemplo para mostrar que entre a conclusão lógica e a “certeza” há um universo – provavelmente afetivo, na falta de um termo mais adequado – que adiciona um fator de imprevisibilidade à certeza e que, sendo esta necessária à decisão, gera, digamos, um “frio na barriga”. Só um exemplo para mostrar que a “certeza” talvez seja simplesmente um sentimento demasiado humano.

Foto by *c h r i s* at Flickr

Discussão - 4 comentários

  1. Peter disse:

    Are you a professional journalist? You write very well.

  2. maria disse:

    estou curiosa com a falta de comentários (eu mesma não tenho nenhum exemplo). aonde você chega com isso? a certeza médica necessariamente depende de evidências? House não existe?

  3. Karl disse:

    A certeza médica não depende APENAS de evidências, sejam científicas ou fruto da experiência individual. As certezas das pessoas não dependem apenas de evidências. Do que dependem, então?
    (House existe, maria. É o pai do Stuart Little. :P)

  4. maria disse:

    as certezas dependem de fé. no próprio instinto, nas evidências, numa força transcendental.
    (estou mortificada de decepção, karl.)

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