Pondé x Dawkins
Luiz Felipe de Cerqueira e Silva Pondé não é, propriamente, o que poderíamos chamar de agnóstico ou mesmo ateu. Que dizer de um homem que é coordenador geral de um Seminário e de um núcleo de estudos chamado NEMES – Núcleo de Estudos em Mística e Santidade – na PUC? Além disso, tem linhas de pesquisa em pensamento conservador, mística medieval e ciências da religião. Também por isso, não se pode dizer que não é um estudioso de um assunto que, para dizer o menos, “move montanhas”.
Pois, o que diria esse homem sobre o best-seller de Dawkins “Deus, Um Delírio” ? Foi exatamente esse o teor de uma entrevista dada a uma instituição de ensino ligada à igreja católica. Resolvi postar sobre a entrevista porque Pondé repete com os jargões do “lado de lá”, algumas das ideias que temos avançado no Ecce Medicus. Apesar de não concordar com tudo, principalmente algumas generalizações rasas – que considerei “licenças”, pois ele se sentia “em casa” – vamos ao que se pode aproveitar.
Em primeiro lugar, para Pondé, a dicotomia Deus x Ciência ou Esclarecimento x Escuridão só tem lugar dentro de uma utopia racionalista moderna na qual, razão é definida como “relação de causa-efeito empiricamente perceptível e suas funções instrumentais”. Não considerar outros tipos de racionalidade, seja metafísica ou não, é empobrecer o conceito lato de razão, a ponto de ele necessitar uma teoria de libertação (“saída do armário”) e, consequente busca de felicidade pela via científica, causa abraçada por Dawkins. Para Pondé: “Esse livro de Dawkins é uma auto-ajuda para ateus inseguros”. Outra dicotomia abordada é “fé x razão”. Ele diz: “Não há oposição entre fé e razão. Há uma relação de trabalho entre elas, ainda mais porque são centros de atividade do mesmo animal, o ser humano.”
Ao fazer uma análise política do livro de Dawkins – quando diz que Dawkins tenta convencer uma neo-esquerda que mistura iluminismo anti-clerical com foucaultismo de minorias oprimidas -, Pondé revive a discussão pós-metafísica e pós-moderna de como buscar o bem-estar e a felicidade e, também, da transmutação do desejo. Citando Chesterton ele diz: “não há problema em não acreditar em Deus; o problema é que se acaba sempre acreditando em alguma besteira, como por exemplo, no bem-estar da humanidade”. Pensamento utilitário que ele mesmo critica na entrevista.
Como teísta que é, não resiste à tentação de, ao contrapor a crença em Deus a uma atitude antropocêntrica, em afirmar que “filosoficamente, o antropocentrismo é simples empobrecimento epistêmico, Deus é o melhor de todos os conceitos, e o contato com Ele nos torna mais inteligentes”. Reduz então, o antropocentrismo a “mania de políticas públicas + publicidade auto-ajuda”.
Eu diria que sim, o antropocentrismo é mesmo empobrecimento epistêmico. Trocar Deus pelo Homem, como fez Feuerbach, não resolve o problema. Daí, seu elogio às filosofias trágicas de Nietzsche e Rosset: únicas a combater o deus disfarçado em ciência, natureza e no próprio homem. Sim, é preciso matar Deus. Apenas autopsiá-lo enquanto ainda “vivo”, não será suficiente. É isso que Pondé combate, que Dawkins não vê e que pode ser chamado trágico.
Discussão - 9 comentários
Como eu comento vc, Karl?
Um dia vou ter essa maturidade.
Mas chega de tapa na cara deste pobre pré-cientista que ainda acredita no Deus-Ciência!
Abraço
"razão é definida como 'relação de causa-efeito empiricamente perceptível e suas funções instrumentais'." - quem define razão desse modo????
[]s,
Roberto Takata
Caro Roberto,
Esta definição me parece a definição da razão instrumental e não da razão senso lato. É uma ótima forma de definir a razão para quem é crítico da razão, pois facilita em muito suas críticas. Esta razão, a meu ver, deve ser combatida mesmo, é a razão do positivismo e a que tomou conta da verdadeira razão do século XIX pra cá!
Abs
Rodrigo
matar deus significa nos reduzirmos à razão pura e simples? não vamos virar androides? não cultivo teísmos, mas acho triste.
Takata: A pergunta talvez não seja "quem define a razão desse modo" mas "quem a usa desse modo".
Rodrigo: Qual seria a "verdadeira" razão?
maria: Segundo Nietzsche, Deus já está morto! Mas muitos ateus ainda não sabem. Isso é muito mais que triste: É trágico. Não nos transformaremos em andróides (ou zumbis). Nossa maquinaria desejante não vai parar de funcionar (único jeito de nos tornarmos zumbis). Talvez, fiquemos apenas um pouco mais livres para pensar. Pondé acha que não. Para ele, o conceito de Deus nos torna mais sublimes - ou inteligentes, como diz no texto.
Obrigado pelos comentários.
Caro Karl,
Seria a anti-razão instrumental talvez! Mas não sei te dizer exatamente. Talvez uma razão libertadora e revolucionária, uma razão crítica ou talvez a razão comunicativa do Habermas.
Abraços
Rodrigo
eu também desconfiei do Luis. O mais interessante não é perceber que ele tem sua crença, o que, para mim, não tem nada de mais. O mais engraçado é ver que seus textos (e de tabela, ele) ora são elogiados, ora criticados pelas mesmas pessoas, incluindo o Jorge Ferraz [acena].
Olá, achei o seu texto muito interessante, principalmente porque fala de Razão Instrumental, conceito que dá muito pano pra manga. Recentemente postei um texto num blog coletivo (www.criticaparnasiana.blogspot.com) em que critico o viés conservador pelo qual Pondé aborda o assunto ao comentar o filme Avatar. Os primeiros teóricos da modernidade - falo aqui em Bacon e Descartes - não viam contradição entre o desenvolvimento da razão e a realização da felicidade humana. Há um texto de Franklin Leopoldo (orientador de Pondé na USP) sobre o assunto. Postei o link no blog. Essas duas propostas historicamente se tornam contraditórias, o que não significa que possamos jogar a modernidade no lixo como propõe o filme de James Cameron nem nos resignarmos com uma "condição humana instrínseca" como faz Pondé.
Bem lembrado, Cronópio. Dei uma passadinha pelo CP e gostei. Seja bem-vindo ao Ecce Medicus. Obrigado pelo comentário.