O Sexto Sentido?
Há muitos anos atrás, nos primórdios da civilização humana, o homem só tinha seus cinco sentidos para entender o mundo e tentar fazer previsões sobre ele. Ele tinha certeza de que seus sentidos o guiariam de forma confiável o que quer que ele se propusesse a fazer. Com os anos, vieram alguns refinamentos e o homem viu que existiam coisas que ele não conseguia “sentir” com seus sentidos. Ele aprimorou ferramentas, pôde ver mais longe e mais perto. Pôde entrar em ambientes que jamais imaginou e testar, sentir, ouvir coisas que nunca pensou pudessem ser experimentadas antes. Ampliou seus horizontes e seu controle sobre as coisas.
Mas existiam coisas que o homem não podia sentir ou captar mesmo através de seus sentidos “aprimorados”. Um indício disso, era a ciência de contar e de pensar espaços: a matemática. A matemática era uma ciência que, ao mesmo tempo, incomodava e fascinava o homem. Seus “objetos” eram virtuais. Só existiam na cabeça dos homens. Foi considerada filosofia, seita, quase-religião. Até que se descobriu algumas utilidades interessantes para ela.
Uma das muitas utilidades da matemática que nos importará aqui, é o fato de que ela é a única ferramenta capaz de nos habilitar a lidar com os tais objetos virtuais. Quando quisemos saber se a população de uma tribo era mais alta que a de outra, tivemos que medir alturas. Dada a impossibilidade de parear membro a membro de cada tribo em embates 1:1 e contar os vencedores (experiência já realizada, muitas vezes com resultados catastróficos), era melhor medir todos e depois compará-los. Aí é que está! O homem sabia comparar pesos de cargas, tamanhos de tecido, números de cabeças de gado, mas como comparar a altura de uma tribo com outra. O resultado são fileiras de números. Nenhum dos sentidos do homem servia para validar esse tipo de comparação. Só a matemática forneceria uma ferramenta capaz de viabilizar essa experiência. Surgiu então, a Estatística.
A estatística tem várias definições, mas a que eu achei mais elucidativa é: “é o estudo da distribuição de dados”. O dado, no nosso exemplo, é a altura de um membro da tribo. Por meio de ferramentas estatísticas, posso comparar a distribuição da altura de cada tribo e dizer qual tribo é a mais alta. Fantástico, não! A estatística é uma ciência bem nova. Alguns dirão, “não, já existiam ferramentas matemáticas utilizadas pelos estatísticos no século XVII”. Ferramentas, eu diria. Não, uma filosofia de trabalho. A estatística surgiu na virada do século XIX para o século XX, com os trabalhos Karl Pearson (desenho ao lado) e Ronald Fisher. O primeiro em especial, deu o grande salto. Foi Karl Pearson quem entendeu que o objeto dessas medidas era “virtual”. O segundo, fundou a estatística de fato.
A estatística é hoje, o grande mecanismo gerador de certeza de um médico.Muitos de nossos objetos são totalmente impalpáveis: tamanhos de tumores, sobrevidas, efeitos de medicações em populações e por aí vamos. Entretanto, essa virtualização do objeto a ser apreendido causa um grande mal-estar no médico. Médicos em geral, e cirurgiões em particular, gostam de tocar, ver e sentir, a doença. Dizer que a distribuição da pressão arterial é assim ou assado, é algo difícil de interiorizar. Acreditamos com nosso lado cientista, desconfiamos com nosso lado curandeiro. Por isso, há um embate eterno entre o que um médico viu e o que esse mesmo médico leu ou ouviu. Estatística vs cinco sentidos! Seria ela, um sexto sentido?
Enquanto os médicos estiverem ainda presos à natureza humana, esse embate perdurará. Aos pacientes, resta torcer para que o médico consiga com seus meros cinco sentidos, coletar seus dados, traduzí-los em formato digital virtualizando seu “objeto”, de modo a poder compará-lo com distribuições de outros médicos ou com a sua própria, sem forçar um encaixe em qualquer uma delas, e chegar a uma conclusão estatisticamente válida que deverá ser retraduzida aos pacientes, na forma de diagnóstico e explicações, com atenção, simpatia e, desejavelmente, carinho. O raciocínio para o tratamento segue na mesma linha. Grande torcida. Esperamos não desapontá-los.
Discussão - 4 comentários
Eu chamo a isso de 'o jogo das estatísticas'. Embora nunca se saiba de qual lado estaremos, o jeito é viver a vida esperando que estamos do lado maior (ou então o que nos dê mais vantagem!).
Mas ganhar na megassena ainda parece legal, ok?
Tive um professor de estatística que tentou explicar porque os alunos têm tanta dificuldade em aprender essa matéria:
-O homem foi feito para caçar mamute, fugir de tigre de dentes de sabre e pegar a mulher do vizinho. Qualquer coisa muito diferente disso é muito difícil para o nosso cérebro.
Outro comentário no sentido do post:
http://imgs.xkcd.com/comics/the_search.png
Karl, sua maneira de apresentar a utilidade da estatística foi bem literária! 🙂
Apesar de parecer "coisa de outro mundo", quanto mais estudo estatística mais amigável ela me parece. Quando você faz um trabalho e está cheio de dados (números), aí, sim, sente o quanto a estatística é útil.
o problema da estatística é que ela não vale para cada uma das pessoas. pouco me importam probabilidades se eu for a uma em um milhão que tem uma doença ou não responde a um medicamento. aí, só os cinco sentidos do médico podem ajudar.