Balanço da Gripe Suína
Aproveitando um puxão de orelha de um leitor, a declaração de emergência de Obama de hoje e um sábado meio mortão, resolvi publicar as coisas que tenho acumulado sobre a gripe H1N1. Então, mãos a obra.
Tentarei agrupar o texto de acordo com as perguntas de importância (aprendi com o Átila Rainha Vermelha):
1) Nossos kits de diagnóstico são os mesmos que os do resto do mundo?
Resposta de quem é do ramo: “Só a título de informação, o Kit que temos aqui que é o mesmo que está sendo usado mundo a fora, foi distribuído pela OPAS e foi desenvolvido pelo CDC. Ele é um Primer específico para amplificação deste novo H1N1, chamado H1N1 Sw, tem especificidade de 100% para diferenciar do H1N1 sazonal.”
2) Nunca antes tivemos tantos casos de gripe, sazonal ou suína, internados em unidades de terapia intensiva. Verdadeiro ou Falso?
Verdadeiro. Entretanto, algumas considerações têm que ser feitas. Um estudo da UTI Respiratória do Hospital das Clínicas (comunicação pessoal do prof. Carlos Carvalho) de uns 4 ou 5 anos atrás, avaliando os casos de insuficiência respiratória grave – aqueles que necessitaram de ventilação mecânica – fez uma estimativa do número de casos decorrentes de infecções pelo vírus da gripe sazonal. Conclusão: Zero! Desta vez, tivemos inúmeros casos de gripe sazonal com insuficiência respiratória, o que não é comum! Isso levanta algumas questões. Primeira, é possível pensar em falsos negativos de gripe suína? Parece que, pelos nossos kits, não. Então como explicar o número maior de casos? Eu não tenho essa resposta. Segunda, não raramente, internamos pacientes jovens com insuficiência respiratória grave nos quais todas as sorologias disponíveis são negativas. Antes dessa epidemia, não pedíamos sorologia para H1N1, nem entrávamos com oseltamivir empiricamente como fazemos com vários outros antimicrobianos. Pode ser então, que a epidemia tenha nos despertado para a gravidade da gripe, seja sazonal ou não.
A Tabela acima mostra a casuística do HCFMUSP.
3) Por que a gripe suína acometeu mais pessoas jovens e sem comorbidades?
Há um certo consenso de que uma mistura de imunidade antiga (33% dos pacientes com mais de 60a têm imunidade natural ao H1N1); vacinação para influenza sazonal (há no pool da vacina, vírus H1N1, mas que são diferentes desse que está causando a epidemia, entretanto, o papel que a vacinação contínua tem na imunidade ao novo vírus não foi estabelecido e não sabemos se é desprezível) e finalmente, a maior infectividade do vírus novo. Explico. Um vírus com maior infectividade acometerá mais e primeiro a população exposta ou seja, pessoas que se aglomeram em ônibus, bares, baladas, escolas, etc, que são as pessoas com maior mobilidade e portanto, jovens. Há um outro pico entre 0 – 9 anos como mostra a figura abaixo, talvez explicado pela imunidade deficiente dos pequenos.
4) Essa gripe é mais grave?
Comparando os dados de 3 estudos, Canadá (JAMA), EUA (NEJM) e o da Clínica Mayo (JCV), vemos mortalidades entre os internados na UTI de 17,3%, 28,3% e 18,9% respectivamente. Sendo que os dois primeiros são de H1N1 e o último de Sazonal. A mortalidade dos pacientes que necessitam UTI é de aproximadamente 20%, mortalidade semelhante aos casos de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), doença pulmonar gravíssima que pode ser desencadeada por várias causas como politraumatismos, grandes cirurgias, transfusões sanguíneas e infecções.
Esse filme foi feito a partir de tomografias de um paciente que tive oportunidade de assistir. Chama a atenção a heterogeneidade da doença. As partes mais brancas dentro do parênquima pulmonar são áreas “inflamadas”. Esse paciente, muito jovem, foi submetido até a circulação extracorpórea como tentativa de tratar sua hipoxemia gravíssima mas, não resistiu, vindo a falecer. Nos estudos internacionais não é fato que a maioria dos óbitos não tinha comorbidades. Comorbidades estavam presentes em 84,5%, 98,2% e 73% dos casos graves nos pacientes nos estudos mexicano, canadense e americano. Sobre a mortalidade no Brasil algumas considerações de um especialista “Obviamente deveriamos ter o maior número de óbitos do mundo, afinal somos o 5o país mais populoso do mundo e o único dos 5 no hemisfério sul, onde foi inverno. Nossos maiores ” concorrentes” no hemisfério tem 10-15 % da nossa população. Epidemiologicamente falando, o correto é mesmo falar em mortalidade ( número de óbitos/sobre a população geral ) e não em letalidade, pois os casos leves nunca procuram o serviço de saúde e este segundo cálculo seria enganosamente superestimado e não comparável com outros países”. Houve uma dificuldade no acesso ao exame diagnóstico e isso faz com que a mortalidade seja bastante diferente da letalidade ( número de óbitos/número de casos). Considerando a mortalidade que tivemos e as condições da saúde pública do país acho que nos saímos muito bem. Conclui o infectologista: “Mesmo com uso indiscriminado do Tamiflu a Australia teve mortalidade maior que a do Brasil de 0,80/100.000 contra 0,46/100.000 habitantes segundo últimos dados. O Chile, nosso vizinho, onde o protocolo do MS é Tamiflu pra toda síndrome gripal nas 1as 48 horas, teve 0,77/100.000”. O que nos leva a próxima pergunta.
4) Qual o papel do oseltamivir (Tamiflu)?
A maior eficácia do Tamiflu é nas 48 horas, mas há de se lembrar que grande parte dos óbitos recebeu Tamiflu nas 1as 48 horas. Casos com Tamiflu nas 1as 24 horas evoluiram a óbito nas séries do México. No estudo americano, 23% dos pacientes que evoluiram para UTI ou óbito receberam Tamiflu nas 1as 48h. A gripe H1N1 tem um ponto da gravidade tardia pois a síndrome respiratória aguda grave (SRAG) é muito rara nas 1as 48 horas e depois disso a eficácia do Tamiflu diminui. Isso é um problema ainda não resolvido, para mim um dos mais cruciais. Mas o fato é que a recomendação brasileira de só tratar precocemente que tem fatores de risco ou sinal de alerta é idêntica à recomendação da OMS. Não dá pra falar que é uma recomendação política por falta de remédio.
5) Sobre a segunda onda no ano que vem
No momento em que atingimos 5000 mortes em todo o mundo, a situação é de preocupação. Eu não sei se a doença é mais grave ou não que a gripe sazonal. Com certeza, é diferente. Há um maior tropismo pelo sistema respiratório. O quadro de insuficiência respiratória é realmente dramático, dura 2 semanas, e quando conseguimos ventilar o pulmão por esse período, o paciente se recupera. Os médicos se dividem em quem acha que estamos dentro do esperado e naqueles que acreditam em uma catástrofe no ano que vem, em função da falta de leitos de UTI. A vacina é a melhor forma de prevenção e combate à doença. Os dados são animadores. A maioria dos países desenvolvidos do hemisfério norte começou programas de vacinação. Aguardamos a vacina brasileira, com ansiedade. É isso.
Discussão - 6 comentários
O gráfico de mortalidade por idade mostra as mulheres entre 20 e 40 anos têm uma mortalidade entre 50 e 150% maior que os homens da mesma idade. Isso tem relação com alguma maior letalidade entre gestantes, cuja população está em geral entre esta faixa de idade?
Sim, Rudolf. Foi assim que interpretamos. Bem notado.
Dado a heterogeinedade entre os picos epidemicos ao longo do territorio (a epidemia apenas começa na regiao norte e nordeste), não parece fazer sentido calcular taxas de mortalidade uniformes.
Aqui em Ribeirão tivemos uns 200 caso com meia duzia de mortes mortes. Não se configurou uma epidemia (talvez a politica de fechar escolas tenha ajudado). Isso significa que a população está totalmente suscetivel para o ano que vem...Ou Não?
Uma análise do ultimo boletim do MS. Se tiver reparos, comente!
O link:
http://comciencias.blogspot.com/2009/10/temporada-de-mentiras-estatisticas.html
Karl, segundo os ultimos dados do MS, a mortalidade no Brasil é de 0,7 por 100 mil,e não 0,46 como vc menciona.
Usando projeções, acho que podemos concluir que no proximo boletim já teremos uma mortalidade maior que no Chile e Australia (pois a epidemia lá já passou, enquanto que no nosso pais, as microepidemias, especialmente no norte-nordeste, estão se iniciando...
Bom, Osame, heterogeneidade é o nome do Brasil. É preciso formatar os dados de alguma forma. Que a incidência é diferente no Paraná e em Sergipe, isso é mesmo. A Austrália, a China e os EUA vão sofrer do mesmo problema.
Por favor, manda prá mim a fonte dessa mortalidade de 0,7. Aliás, mesmo que seja 0,7, é ainda menor que Chile e Austrália, não é mesmo? Obrigado pelo comentário.
Quero saber se quem tem lúpus,pode tomar a vacina ou não?