Diálogo e Diapedese

As células brancas do sangue desempenham um importante papel na defesa do organismo contra invasores. Outro dia, um paciente travou comigo o seguinte diálogo:

“Mas essas células não estão dentro do vaso sanguíneo?”
Estão.
“Então elas enfrentam apenas os inimigos que vão para dentro do vaso?”
Não. Elas lutam nos tecidos, fora dos vasos principalmente.
“Mas como elas sabem onde têm que sair?”
(mas que cara chato!) Elas não sabem. São atraídas ao local por substâncias chamadas de quimiotáticas.
“Mas por que não provocam uma hemorragia quando furam o vaso?!”
Bem (pô, nunca tinha pensado nisso!). Porque elas não furam o vaso. Passam através da parede dos vasos num processo chamado de diapedese.
“As células brancas saem dos vasos sem provocar sangramento exatamente no local onde está ocorrendo uma invasão?”
(tá duvidando de mim?) Sim.
“Então tá. Qual a velocidade do sangue?”
… (onde esse feladamãe quer chegar?)
“Sim, por que como uma bolinha, que é a célula, consegue grudar na parede de um tubo liso com o sangue correndo lá dentro?”
(miserável!) Incrível, não? Mas gruda.
“Ah, tá…”(cara de quem não acredita nem a paulada!)

Bom. O próximo post é dedicado a ele e também a quem não acredita nessa história que afinal, é mesmo um pouco inverossímil.

Discussão - 7 comentários

  1. maria disse:

    paciente curioso é bicho chato, né? sei bem.
    mostra pra ele minha matéria sobre sepse: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3494&bd=1&pg=1&lg=
    mas não fala sobre diapedese, que eu realmente não tinha pensado nesses problemas que ele levantou. adorei, agora tou curiosa!!

  2. victor skrabe disse:

    Adorei o paciente! Muito divertido se aprofundar em um assunto com perguntas e respostas.
    Dois anos atras montei uma animação ilustrando alguns detalhes deste do processo:
    http://www.biosphera.com.br/neuroimunologia.asp

  3. Karl disse:

    É incrível! Mas meus leitores só me dão orgulho, hehe. #eutoseachando

  4. A dialética da diapedese. Ou seria a diapedese do amor?
    []s,
    Roberto Takata

  5. Rudolf disse:

    Se não me engano quando as células de defesa do sangue quando grudam na parede do endotélio, elas dão um sinal para o endotélio se abrir. As células do endotélio desfazem as proteínas que "costuram" umas nas outras, então frestas são abertas. No tecido conjuntivo as células de defesa se movem livremente entre a matriz extracelular. Algumas células de defesa também se movimentam pelo sistema linfático.
    O endotélio tem superfície antiaderente quando está saudável.
    Proteínas da membrana celular são responsáveis por isso. Grudar coisas nas paredes dos vasos não é nada bom... vide arterosclerose e estenose.
    Eu acho que as células de defesa só conseguem migrar para fora do sistema circulatório quando estão em vasos periféricos, onde a resistência à vazão é alta e consequentemente a velocidade é baixa.

  6. Clarissa disse:

    Os questionamentos são interessantes, mas me dão uma impressão de que o paciente não consegue pensar na dimensão real destas estruturas e das implicações físicas disso. O raciocínio dele faz todo sentido se pensar num vaso sanguíneo como uma mangueira, o sangue como água em vazão constante nesta mangueira e os glóbulos brancos como pequenas bolas de gude sendo carregadas pelo fluxo. O que está muito longe da realidade.
    De qualquer forma é sempre bom falar com pessoas curiosas e questionadoras, curiosidade é um ingrediente essencial (mas não suficiente) para a aquisição de conhecimento.

  7. Samir disse:

    Sabe, Karl... me identifiquei muito lendo esse seu post.
    Não sei se você sabe, mas eu dou aula de Ciências no Ensino Fundamental de Jovens e Adultos (EJA). Lá, nós trabalhamos muito com essa relação de, primeiramente, ver a visão que eles têm sobre o assunto(conhecimento do tipo senso comum, mas que a gente chama, em educação, de conhecimentos prévios e concepções alternativas. Depois, então, desconstruimos essa visão "errada" e damos um novo significado a ela (algo parecido com o que você fez).
    E isso, realmente, não é nada fácil. A gente tenta fazer linhas de raciocínio lógicas (para nós) e que para eles são muitas vezes inatingíveis.
    Um outro exemplo (porque você deu um excelente ali em cima): pra gente é muito fácil falar e entender: "célula". Mas imagina uma pessoa (de 40 anos, p. ex.) que mal sabe escrever... você fala para ela, olha a gente é feito de células. Que significado isso tem para essa pessoa? Qual é um tamanho de uma célula? (como fazer essa pessoa imagina em micrômetros?) E, o mais legal (no sentido de desafiador/intrigante) é que, muitas vezes, ele sabe disso, mesmo sem fazer a menor ideia do que seja... é aí que a gente entra - e eles sempre desconfiam das coisas que a gente fala (resistência ao novo? é tudo muito abstrato?).
    Um exemplo que vivenciei, foi uma atividade que comparamos calorias necessárias e ingeridas por 4 pessoas. Perguntei qual seria a pessoa que tinha a dieta mais balanceada (de acordo com as calorias). Mesmo com todos os dados ali, eles responderam que era o pedreiro, porque ele trabalha pesado sob o sol forte, faz muito exercício, transpira.
    Mas voltando ao post, e relacionando com o que eu acabei de falar, eu tenho concordar com a @CLARISSA. E, por outro lado, tenho que discordar do comentário da @MARIA - talvez, mais em relação à forma como ela se expressou: "paciente curioso é bicho chato", pq seja o paciente chato ou não, é um direito de qualquer pessoa pode entender o que está se passando nela e COM ela. E uma obrigação nossa procurar de alguma forma tentar ajudá-los nessa compreensão.
    Enfim, isso é tudo que eu queria falar, Karl! Abraço!

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