Termina a Campanha de Vacinação contra Gripe A H1N1

Em meio a centenas de protestos ao redor do mundo, terminou ontem, no Brasil, a campanha de vacinação contra a gripe A H1N1. Já foram registradas 70,5 milhões de doses aplicadas, na maior campanha de imunização realizada no país, superando a campanha de vacinação contra rubéola, que imunizou 67 milhões de pessoas em 2008. “No mundo, o Brasil é o país que, proporcionalmente, mais vacinou a sua população. Isso demonstra o grande trabalho desenvolvido pelos profissionais de saúde vacinadores e a confiança da população no programa de imunizações”, afirmou o ministro José Gomes Temporão.

Em 2010,  já foram registradas 540 internações e 64 mortes em decorrência da gripe H1N1, até 8 de maio. Desse total, 18% dos casos graves e 30% dos óbitos foram em gestantes. Por isso, o Ministério da Saúde reforça a importância de todas as grávidas, em qualquer período da gestação, procurarem um posto para tomar a dose da vacina. Dados do ministério dão conta de que no ano passado, foram registrados 2.051 óbitos em decorrência da gripe A H1N1. Desse total, 1.539 (75%) ocorreram em pessoas com doenças crônicas e 189 entre gestantes. Adultos de 20 a 29 anos concentraram 20% dos óbitos (416, no total) e os de 30 a 39 concentraram 22% das mortes (454, no total).

Aqui um resumo do New England de 6 de Maio de 2010 fazendo um balanço geral. Tem medaglia, vale a pena.


Sobre o vírus – O vírus pandêmico da influenza H1N1 tem 6 genes
diferentes do vírus da gripe suína americana e 2 da eurasiana. Suína
quer dizer de porco mesmo, pois eles também têm gripe. O vírus da
influenza pandêmica É portanto, um mutante, em que pese o falatório em
contrário.

Mortalidade – Faz mais sentido falar em case
fatality,
ou seja, dos que tiveram a doença confirmada, qual foi o
número de mortos. Parece que em média esse número foi de 0,5%, com um
intervalo entre as séries de 0,0004 a 1,47%, o que reflete uma grande
variação no número de casos relatados. O case fatality dos EUA
foi de 0,048% e no Reino Unido de 0,026%. Diferentemente da influenza
sazonal, os casos mais graves foram em crianças e adultos jovens sendo
que 90% das mortes ocorreram em pessoas com menos de 65 anos.

O
que acontece com as grávidas?
– Embora as grávidas representem
apenas 1 to 2% da população, elas responderam por 7 to 10% das
internações, 6 a 9% das internações em UTI e 6 a 10% dos óbitos. O risco
de doença grave e óbito é maior no 3o trimestre. Ninguém sabe
exatamente porque as mulheres grávidas são mais vulneráveis. Entretanto,
a melhor explicação que vi (aqui)
foi que durante a gravidez, o sistema imunológico da grávida sofre
mudanças para tolerar antígenos fetais derivados do pai. Há um balanço
alterado entre células chamadas T-helper tipo 1 e 2. Isso favorece a
imunidade chamada humoral (a que produz anticorpos, mediada pelos TH2) e
desfavorece a celular (que é mediada pelos TH1) que poderia ser danosa
ao feto. A queda da imunidade celular predispõe a mulher grávida a
certas infecções incluindo pneumonites virais, mesmo da gripe sazonal,
principalmente no 3o trimestre e se houver doenças associadas.
Entretanto, a mortalidade na gripe pandêmica foi maior o que se repetiu
nas pandemias anteriores (1918-19 e 1957-58).

Patologia
Nos casos fatais, o achado mais consistente foi a lesão alveolar com
membranas hialinas e edema septal, traqueite e bronquiolite
necrotizante. A figura abaixo mostra um pulmão visto ao microscópio.

http://www.path.cam.ac.uk/Normal/CR_Cardiorespiratory/LU_Lung/N_CR_LU_02.jpg

São grandes espaços aéreos
separados por septos finos e delicados. Os mais “grosseiros” de permeio,
são vasos e brônquios normais. Abaixo, o pulmão de um garoto de 13 anos
falecido de gripe A H1N1.

h1n1NEJM.jpg
 
Aqui,
os septos são bem mais espessados, há um grande número de células
inflamatórias infiltrando todo o tecido (bolinhas pretas) e muita
hemorragia. Os espaços aéreos ficam bastante comprometidos e fica
simples entender porque a oxigenação fica tão difícil. É o que chamamos
de hipoxemia refratária.

Diagnóstico – O
melhor método para identificar o vírus é o convencional ou real-time
reverse-transcriptase-polymerase-chain-reaction (RT-PCR). Os
aspirados nasofaríngeos e swabs (um cotonetão que se passa na garganta)
são bons, mas o melhor é colher material de dentro da árvore brônquica, o
que é possível com uma endoscopia respiratória ou por meio de um tubo
orotraqueal. Os testes rápidos feitos em PS têm baixa especificidade e
não diferenciam os tipos de influenza (sazonal ou pandêmica).

Tratamento
– A cepa pandêmica é suscetível aos inibidores da neuraminidase
oseltamivir (Tamiflu®) e o zanamivir (Relenza®). Há estudos que
demonstram o benefício do tratamento precoce com essas drogas. No caso
do oseltamivir doses de 150 mg, 2 vezes ao dia por 10 dias são
suficientes para tratar quadros graves. Há uma questão ainda não
respondida sobre o tratamento precoce que é o fato de que países onde a
droga teve seu uso liberado para sindromes gripais (Chile, Austrália),
não exibiram uma mortalidade menor.

O que falta? – Apesar
de sabermos bastante sobre o vírus e a doença, há muitas lacunas que
ainda necessitam ser preenchidas. Precisamos de um teste sensível,
específico, rápido e barato (só isso?!!). Precisamos entender melhor a
fisiopatologia da sindrome respiratória e principalmente como tratá-la.

Isso
faz da prevenção a melhor arma contra a doença. Além dos cuidados de
higiene comuns as várias sindromes virais, essa em particular, tem uma
vacina, talvez a maior conquista científica na batalha contra o vírus da
gripe A/H1N1. Acho que o ministério da saúde teve uma atuação muito boa
e a resposta da população brasileira foi carregada de responsabilidade e
disposição. O número gigantesco de acessos desse blog bem como as
perguntas (que infelizmente não pude responder na totalidade) mostram
isso. Obrigado a todos e vamos enfrentar o inverno.

ResearchBlogging.orgWriting
Committee of the WHO Consultation on Clinical Aspects of Pandemic
(H1N1) 2009 Influenza, Bautista E, Chotpitayasunondh T, Gao Z, Harper
SA, Shaw M, Uyeki TM, Zaki SR, Hayden FG, Hui DS, Kettner JD, Kumar A,
Lim M, Shindo N, Penn C, & Nicholson KG (2010). Clinical aspects of
pandemic 2009 influenza A (H1N1) virus infection. The New England journal of medicine, 362
(18), 1708-19 PMID: 20445182

Discussão - 4 comentários

  1. Rafael |RNAm| disse:

    Esta última frase parece a de um soldado indo para o front. É esse o peso do inverno para um médico? Ou não tem tempo ruim (ou bom, no caso)?

  2. maria disse:

    li no jornal que a taxa de sucesso da campanha de vacinação foi muito variável. as grávidas foram em massa, 70%. já as crianças de 2 a 5 anos, só 10%. como assim???
    as grávidas têm medo pra si, mas depois não protegerão os filhos com o mesmo cuidado?
    não entendi.

  3. Ministério da Saúde disse:

    Rafael,
    A vacinação é preventiva e tem o objetivo de impedir o avanço da doença principalmente no inverno época do ano em que as pessoas pegam gripe com mais facilidade.
    Mais informações:
    fernanda.scavacini@saude.gov.br
    Atenciosamente,
    Ministério da Saúde

  4. Ministério da Saúde disse:

    Maria,
    A mobilização nacional para vacinação contra a gripe H1N1 terminou no último dia (2) em todo o Brasil, com 73.205.076 pessoas imunizadas, segundo dados parciais informados pelos Estados e Municípios até as 15h. É a maior vacinação já realizada no país, superando os 67 milhões de imunizados contra a rubéola, em 2008. Os 73,2 milhões de vacinados representam 37% da população brasileira. Proporcionalmente, é a maior campanha realizada no mundo. Estados Unidos, por exemplo, vacinaram 24% de sua população. México, 20%; Suíça, 17%; França, 8%; e Alemanha, 6%.
    Esclarecemos que nos municípios onde a meta de 80% de vacinação para cada grupo de risco não foi alcançada, a vacinação continuará normalmente, até que a meta seja atingida.
    Mais informações:
    fernanda.scavacini@saude.gov.br
    Atenciosamente,
    Ministério da Saúde

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