DEK – F: A Relação Entre a Mente e o Diafragma

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Frênico. phren(o)- φρ-ήν/-ενός gr. ‘mente’, (diafragma), segundo o Diccionario médico-biologico, de quem tomei muitas das explicações abaixo. Há o nervo frênico que é quem veicula os estímulos ao diafragma. Há o esquizofrênico que não tem nada a ver com isso (nem com nada). Qual seria a relação entre um e outro? Esse é o “F”. Bem-vindo ao dicionário etimológico do Karl. Outras letras/verbetes aqui.

Existe certa discussão sobre o significado anatômico do termo phrḗn φρήν. Entretanto, tanto Hipócrates como Aristóteles o utilizavam com o significado de diafragma διάφραγμα, a tenda muscular que separa o tórax do abdome, e quase sempre no plural phrénes φρένες. Como que, vindo dessa origem, o termo passa também a designar a mente?

É um caso de metonímia. Por exemplo, é frequente utilizarmos “coração” ao invés de “amor” ou “compaixão”. Para os gregos, o diafragma era a sede do medo e da angústia. Talvez, traduzindo o já conhecido “frio na barriga” que todos sentem e que é muito difícil de definir. Daí, passamos aos sentimentos e finalmente, à mente. (Em grego, existem duas palavras para mente que originaram termos utilizados hoje. O primeiro freno– e, quando usado em sufixo, –frenia, como vimos. A outra é noûs νοῦς que forma palavras acabadas em –noia, como em “paranoia”). Parece que os médicos gregos usavam phrḗn ou phrénes com o sentido de diafragma mesmo e os escritores, em especial Homero, com o sentido de mente. O autor de Sobre a Enfermidade Sagrada (a epilepsia) – que pode ser o próprio Hipócrates, ou não – escreve:

«Afirmo que o cérebro é quem articula a intelecção. As phrénes (o diafragma) têm essa denominação (ou seja, um termo associado ao pensamento) por azar ou convenção mas não pelo que é sua natureza, porque não sei que faculdade têm para pensar (phronéein φρονέειν) ou refletir (noéein νοέειν).» (De morbo sacro 16).

Termos como phronésis e frenesi provém dessa linha grega de pensamento.

A terminologia médica atual deriva dos anatomistas renascentistas que eram bons leitores de Hipócrates e Galeno. Quando foram denominar os vasos e nervos relacionados ao diafragma utilizaram o adjetivo “frênico” (phrenicus em latim), como derivado de phrḗn “diafragma”, na melhor tradição hipocrática. Por outro lado, desde Erasístrato se interpretou que phrenītis ou frenitis era uma doença do cérebro que afetava as capacidades intelectuais e não uma simples pneumonia. Essa linha, predominou nas enfermidades psiquiátricas, em especial na escola francesa, e gerou termos como phrénopathie (frenopatia) como termo genérico das enfermidades mentais em 1833; paraphrénie, hebefrenia (criada por K.L. Kahlbaum e E. Hecker em 1871), oligofrenia (1899), esquizofrenia (1910) por Eugen Bleuler. Gerou também a frenologia. “Ciência” que muito influenciou o pensamento fisiológico segundo a qual cada função cognitiva tem sua sede anatômica no cérebro. Temo dizer que há um “viés frenológico” não desprezível em alguns neurocientistas; ainda hoje.

1. Oxford Textbook of Psychopathology de T. Millon, P.H. Blaney y R.D. Davis, 1999.
2. Dicciomed.es. Diccionario médico-biológico, histórico y etimológico. (Sensacional dica da Tati Nahas).

Discussão - 6 comentários

  1. Rudolf disse:

    Muito interessante! 🙂

  2. Sibele disse:

    Interessante, de fato! Como um termo é adotado com diferentes acepções dependendo da especialidade.
    Sei que você não é muito de considerar sugestões para o DEK, Karl, mas... já que chegamos na letra F, e o Fígado? O prefixo Espleno parece ser bem interessante, também... 🙂

  3. Karl disse:

    Sibele, já falei do fígado e baço. E aceito sugestões, sim!

  4. Aleph, o terrível disse:

    Karl,
    já que você aceita sugestões, poderia abordar o tal "viés frenológico" em futuro post.
    Não devemos confundir a estúpida frenologia de Gall com o conceito amplamente conhecido de especialização das funções cerebrais.
    Desafio: será qua você sabe o que é viés frenológico?
    Ass: Aleph, o terrível.

  5. Karl disse:

    Caríssimo Aleph, que bom vê-lo de volta com a habitual impertinência. Bom saber também que está em plena forma dela. Estaria a querer de volta o livro que não leu? Hehe. Bom, de qualquer maneira, se mais alguns leitores acharem interessante poderemos comentar algumas coisas sobre isso. Grande abraço.

  6. Sibele disse:

    Bom saber que vc aceita sugestões. 🙂

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