Estação Elegância

Acabei de ler o livro “A Elegância do Ouriço” de Muriel Barbery. O livro é um tratado sobre “elegância” mesmo. Aliás, ô palavrinha difícil de definir! Tem a mesma raiz de “eleição” e significa “escolher com cuidado”. Encontrei algumas tentativas e muitas frases sobre ela, o que quer dizer que não tem nenhuma que dê realmente conta do recado. Talvez seja preciso muitas frases, um post, ou mesmo um livro, para dar uma ideia do que seja essa ocasião chamada elegância. Me explico:

O livro é um romance filosófico com duas narradoras bastante improváveis. Uma é Reneé, a zeladora filósofa de um condomínio parisiense luxuoso onde moram famílias estereotípicas da alta sociedade francesa contemporânea. A outra é Paloma (irmã de Colombe, vai gostar de pomba assim…) uma menina de 12,5 anos, superdotada, ela mesma moradora do condomínio. Narrando em primeira pessoa, com divagações profundíssimas, elas vão definindo o que a autora acha que é a elegância. Talvez, pelo fato de que as duas protagonistas sejam do sexo feminino, e também a autora, o livro trata do universo pela lente das mulheres e pode ser difícil para um leitor masculino navegar sobre descrições de enfeites de casa, tipos de lingerie, receitas de doces, tecidos, rendas etc, mas, não pensem que isso tudo é chato. Pelo contrário, as mulheres têm um olhar para a elegância e a valorizam. (O livro, nesse ponto, é bastante didático, viu, rapaziada).

No final, após avaliar receitas elegantes, homens e mulheres elegantes, músicas, arte, moda, linguagem, esportes, atitudes elegantes, o que ficou? Se me perguntarem, ainda não sei definir elegância, mas digo que ela é uma propriedade do humano. Não se diz que uma cachoeira ou uma praia são elegantes. São bonitas ou lindas ou feias. Um vestido ou terno não são elegantes, ficam (ou não) quando os vestimos. Mas, um móvel pode ser elegante, mesmo que não tenha ninguém perto. Há um movimento caracteristicamente humano implícito na elegância. Já me é, então, possível separar elegância de beleza. Sim, porque a beleza causa um prazer estético imediato, vale dizer, não-mediado, direto, na veia. A elegância, não. Ela depende de um aprendizado, de um tipo de leitura de signos patognomônicos da humanidade; depende de uma decifração. Por isso, o prazer estético que proporciona é maior do que o da beleza em si. Aliás, coisas muito belas, por afetar diretamente nossos sentidos, muitas vezes nos impedem de degustar momentos ou pessoas elegantes.

A elegância é uma ocasião e está no cruzamento do Humano com o Belo. É parte integrante da cultura humana e por isso varia entre as várias culturas. Está fora de moda porque depende de um aprendizado e ninguém quer perder um segundo, tudo tem que ser ao mesmo tempo e agora e isso é um dos contrários de elegante, ou seja, brega ou kitsch. Então é que a elegância parece também ter a ver com Tempo, outra de nossas dimensões, daí o movimento humano implícito em seu interior. E o ciclo se fecha. “Porque o que é bonito é o que captamos enquanto passa. É a configuração efêmera das coisas no momento em que vemos ao mesmo tempo a beleza e a morte“, nas palavras de Paloma (grifos meus). Nada mais humano que a morte (agora entendi, cachoeiras e praias não são elegantes exatamente porque são eternas!).

A eternidade do tempo é o trem onde o efêmero da vida humana sofre da consciência de sua finitude. Uns viajam de cabeça baixa. Outros esperam à janela, ansiosos pela ocasião da dádiva de um cruzamento no qual vislumbrem a humanidade estética e trágica da vida. Mesmo que isso perdure apenas até uma próxima estação qualquer.

Discussão - 12 comentários

  1. É possível decadência com elegância? (Alencar?)
    []s,
    Roberto Takata

  2. Karl disse:

    Lobão já respondeu essa. Mas eu acho que sim. É possível a morte com elegância. Garanto pra você que tem muita gente que morre assim. Outros, talvez a maioria, nem tanto.

  3. Senorina Lorca disse:

    "quiero mi libertad, mi amor humano"
    lorca.
    (pausa)
    (parágrafo)
    (respira)
    À rua vejo, trespassam carros, construções: pessoas, gente.
    Vestem-se, falam-se: gentes, tecidos - gestos, vontades.
    Aos poucos, entre ou para si: compreendem, divergem.
    Foda-se o elegante, elegância.
    Foda-se significar-se; o homem.
    E não por ferir-te, moço repleto de gente, moço humano do mundo.
    Mas por lembrar, pedir: sejamos antes gente.
    principalmente
    De uns anos pra cá demos pra esse gostar dos signos, palavra-verbo-expressão. Demos a fazer das coisas gestos imprecisos e impensados, prensando a semântica. Curiosos, aflitos, carentes .[deus nos acuda(?)] Infantes ansiando amor saímos ao mundo gritando: eu sei, juro que sei, vem por aqui!
    (por favor cântico negro - zé régio em prelúdio - que não, não vá por aí)
    E sem mais, sem porquës explicados (cagando pro ortográfico), antes mesmo de saber-se homem, querer-se grande, elegante - coisa mais besta- e sem qualquer matemática... antes, enfim, de vir com a suposta e vã (baixinho: v e r d a d e), que antes enxergue no esqueleto o corpo - e neste a carne - repleta e plena.
    (pausa)
    (parágrafo)
    a conlcuir...
    depois. que agora me chama ele: o mar, oceano.

  4. Gabriel, um dançador disse:

    Considerações para Senorina Lorca
    Se é besta o elegante por que tanto esforço e tanto cortejo às palavras?
    Se é pouco o elegante, por que esse forjar de uma dancinha?
    Sugiro esquecer o mar e encher um rio de água
    Se possível, puxe uma cortina de bolinhas e espere chegar um Saci. Charute e chafurde.
    E não se esqueça: sim, a carne é repleta e plena.
    Portanto, não vá por ali. (hehehe - um gole de ironia à vossa humanidade - que fato, não é pouca mas, mas, mas, não é a única.
    A todos, saudações de Gabriel - porque minha mãe assim quis.

  5. Sibele disse:

    E posts podem ser elegantes? 🙂

  6. Karl disse:

    Caro Gabriel, obrigado, mas acho que posso responder a Senorina by myself, hehe
    Caríssima Senorina Lorca,
    Não faz parte de tuas habilidades ferir-me, devo adiantar. Ah, para isso seria necessário muito, mas muito mais que meia dúzia de palavrões.
    Voltando ao tema. A elegância, explicito-te quase pornograficamente, é uma propriedade da carne, caso não tenhas drenado isso do texto. A carne, repleta e plena, é quem tem a propriedade de se fazer elegante aos olhos (que afinal são de carne, ora) de outra. Só ela, nua ou vestida, com fundo musical ou não, desenhada em um quadro ou fotografada, tendo projetada para si uma cadeira ou uma mesa, só ela, dizia, pode emprestar elegância à coisas, pessoas, momentos. E a única e particularmente especial razão disso é que ela, carne, morre. O resto, cara Senorina, é plastinação.
    Obrigado pelo elegante comentário.
    Cara Sibele, responda-me você, por favor.

  7. Deus disse:

    A elegância tem o tempo de uma flor

  8. Fabiana disse:

    Posts podem ser elegantes, sim, Sibele!
    Mas tomei pito do Karl e agora só posso "descer a lenha", não posso elogiar - então fico quietinha 🙂
    Êta santo mais desconfiado, não? Já viu isso? 😉

  9. maria disse:

    karl, obrigada pela reflexão. chamada de atenção.
    li o livro, saboreei, já faz um tempinho. e não parei para pensar sobre o que é a elegância!
    desperdício...

  10. Senorina Lorca disse:

    elegantes desejos os seus.
    plastinações mitológicas ocorreram por desejos semelhantes
    o livrinho do ouriço, entretanto, menos
    ao gabriel, a polka. a deus, camélias e carambolas - amarelas e maduras.

  11. Chloe disse:

    Oi Karl, : )
    engraçado que mesmo não conseguindo definir elegância, basta ler a palavra e automaticamente já me lembro de pessoas que considero 'elegantes'.
    E na verdade não é a imagem fisica que marca, não é o que se usa, mas sim como se vive.
    O comportamento 'impecável'.
    Como se diz entre as mulheres: 'nunca descer do salto'.
    Abç. ; )
    C.

  12. [...] das coisas no momento em que vemos ao mesmo tempo a beleza e a morte“, Paloma (menina). A Elegância do Ouriço. Muriel Barbery. (Foto do filme “O Ouriço“, baseado no [...]

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