Conversa de Médico
Um diálogo (quase) real entre um clínico e um cirurgião. Para entender mais detalhes, comece lendo aqui. Encontram-se nos corredores de um grande hospital. Um chama o outro para tomar um café necessário àquela altura da tarde, quando o cansaço começa a atravessar a noção de risco …
Clínico (gaiato): – A cirurgia vai acabar, hehe – e toma um gole de café esfumaçante.
Cirurgião (sem mudar o semblante): – Magina. Isso é o que vocês, clínicos, querem.
Clínico: – Veja o que aconteceu com a cirurgia cardíaca. Hoje, cirurgião cardíaco só opera os casos muito complicados. Com a chegada da cardiologia intervencionista houve uma redução drástica do número de procedimentos cardíacos abertos. Hoje é tudo minimamente invasivo. Tudo por cateter.
Cirurgião (sorrindo): – É verdade. Mas não tem como não operar. Estamos ainda no século dos cirurgiões!
Clínico: – Pra você ver como a medicina está atrasada… Mas já melhoramos. Antes, vocês operavam úlcera péptica. Aí, os “clínicos” inventaram uma medicação que, tomada pela boca, na forma de um comprimidinho inofensivo, cura a úlcera e vocês ficaram a ver navios.
Cirurgião: – Nada. Aí, nós “inventamos” a cirurgia para obesidade, hehe.
Clínico: – Verdade. Mas, vamos inventar um remédio que faça emagrecer definitivamente, pode ter certeza.
Cirurgião: – Não duvido. Até lá, estarei aposentado. Prefiro assim que ficar enrolando os pacientes como vocês clínicos fazem.
Clínico: – Enrolar ?! Nós não enrolamos ninguém!
Cirurgião: – Ah, não enrola? Tá bom. Então me diz quando foi a última vez que você escreveu num resumo de alta hospitalar que o paciente estava curado? Vocês só marcam o melhorado e o óbito.
Clínico: Buscando pela memória. Volta-se com olhar frustrado. Quando ia balbuciar algo é interrompido pelo interlocutor que cresce à medida que toma o controle do debate.
Cirurgião: – Não é possível curar alguém sem tirar alguma coisa, emendar alguma coisa ou desentupir alguma coisa no organismo da pessoa. Conscientize-se disso.
Clínico: – Pode ser. O problema é que a cirurgia deve ser encarada como uma forma de tratamento como outras que existem. Há o tratamento endoscópico, o medicamentoso e o cirúrgico, por exemplo. O grande problema da cirurgia, pensando dessa forma, é o conflito de interesse entre quem prescreve o tratamento e quem o realiza. São a mesma pessoa!
Cirurgião: (um pouco surpreso com o contragolpe) – É por essa razão que temos que indicar bem as cirurgias.
Clínico: – Claro. Mas o problema é irredutível. O julgamento clínico estará para sempre comprometido pelo fato de que quem decide é quem faz. Algumas especialidades e alguns grupos passaram a decisão de operar ou não para equipes multiespecialidades, com clínicos e profissionais não-médicos inclusive. Alguns grupos de transplantes, por exemplo, são assim.
Segue-se um momento de pequeno silêncio. Ambos com as xícaras coladas aos lábios e com olhar perdido em pensamentos.
Clínico: – Se eu tiver uma apendicite, VOCÊ me opera, Ok? Laparoscopia. Sem pedir tomografia, hehe.
Cirurgião: – Ok. Mais três cafés e a conta!
Clínico: – Epa! Você vai ter arritmia de novo, hein? hahaha
Cirurgião (pagando a conta): – Tenho um bom clínico… – e piscou o olho para o ortopedista que acabara de chegar.
Discussão - 7 comentários
Karl eu tinhamu!
A do ortopedista foi pra matar.
Na verdade, quem inventa formulações químicas e medicamentos são os farmacêuticos, os clínicos prescrevem...
Parabéns pelo blog ^ ^
É verdade, Vilênia. Mas há vários cientistas médicos, farmacêuticos, biólogos e outros tantos, que trabalham para descobrir novas drogas. E depois, outra. Na cabeça de um cirurgião, todos esses profissionais são *clínicos*, hehe. Seja bem-vinda ao Ecce Medicus.
[...] contei sobre o diálogo do clínico com o cirurgião. Nele, está envolvido um dos conceitos de cura na medicina contemporânea. Há outros tantos. Este [...]
Olá eu foi sentindo alguma coisa tipo barriga inchada , vontade de vomitar , dificuldade pra arrotar e um bolo na garganta o que pode ser
Seria interessante passar num médico..