Cor, Um Delírio

Recomenda-se a leitura deste excelente post do 100nexos a título de introdução. Esse será um longo post e a tentarei fazê-lo menos árido, mas que isso não diminua sua importância para o que queremos entender.

Fig. 1. O que você vê na figura acima?

Essa é uma ilusão de óptica bastante conhecida e tomei-a emprestada do Bad Astronomy. Parece haver 3 cores de espirais entretecidas: uma verde, outra rosa (ou magenta) e ainda uma outra azul, correto? Por incrível que pareça, a verde e a azul são exatamente a mesma cor que é a dos quadrados abaixo.

Fig. 2.

Para os geeks, no sistema RGB de cores elas são representadas pelos códigos hexadecimais de 0, 255 (o máximo) e 150. O que quer dizer, nada de vermelho, 255 de verde e 150 de azul. É um verde mesmo com matizes azuis, que na tela de computador com uma resolução boa, pode ser percebida sutilmente nas bordas dos quadrados. Faça o teste em qualquer programa que tenha uma paleta de cores com os códigos acima. O truque para nos enganar consiste em pequenas faixas que cortam as espirais como mostra a figura 3 abaixo, em aumento da figura 1.

Fig. 3.

Como pode ser visto, as faixas laranjas não cruzam algumas espirais verdes e as faixas rosas, não cruzam outras. Intercalando esse efeito, temos a figura 1 acima com suas “três” cores de espirais. A explicação desse fenômeno começa no fato de que o olho humano percebe o espectro de cores usando uma combinação de informações vinda de células da retina chamadas de cones e bastonetes. Os bastonetes são mais adaptados a baixa luminosidade e especializados em detectar a intensidade da luz. Os cones, por sua vez, ao detectarem intensidades maiores de luz, são capazes de disparar impulsos de acordo com comprimentos de ondas diferentes, em outras palavras, podem discernir cores. Veja na figura 4 abaixo, os três tipos de cones retinianos, cada um especializado em comprimentos de luz diferentes correspondendo aos espectros de azul, verde e vermelho. Repare como o espectro de captação, aqui normalizado para intensidade, do vermelho e do verde se sobrepõem.

Fig. 4. (tirado de Handprint)

Pensando assim, é de se perguntar como conseguimos diferenciar a cor dos semáforos. Como diz o Kentaro, no post recomendado acima, “As cores que percebemos não são determinadas apenas por sua frequência no espectro eletromagnético, e sim em como estimulam nossa retina, sensível a três cores primárias. Não temos um sensor ótico capaz de medir a frequência exata da luz que entra em nossos globos oculares, e sim três tipos de células sensíveis a cor (luz) que reagem apenas a três pequenas fatias desse espectro, localizadas aproximadamente em sua metade e dois extremos. Nós literalmente interpolamos a medida de um amplo espectro contínuo a partir de três sensores de sensibilidade bem limitada.” (parêntese meu)

Essa interpolação (quase um “delírio”) é extremamente dependente da intensidade de luz que atinge a retina. A ilusão das figuras acima é possível porque nosso sistema visual, constituído pelo olho, nervo óptico (II par), o trato óptico, núcleos no tálamo e o córtex visual, avalia cores sempre levando em consideração as cores circunjacentes (sobreposição). Mas há mais um truque na manga que faz com que a figura 1 seja ainda mais vibrante. Vale a pena parar a leitura do post e fazer este experimento (não se esqueça de trocar as cores de acordo com as instruções do site). Nele, há uma combinação de 2 fenômenos: a complementaridade de cores que criamos e o que é chamado de afterimage. Ambos estão presentes também no experimento abaixo, bem mais simples.

Fig. 5. Olhe fixamente por 20 seg o ponto branco no centro do quadrado colorido. Depois, rapidamente, fixe o ponto preto. (tirado de Handprint)

Há uma vasta e complicada fisiologia por trás desse fenômeno. Mas, se você fez tudo direitinho, deverá ter visto em torno do ponto preto, um quadro colorido também. Só que com as cores trocadas! Agora que você está craque, só para treinar, tome os quadrados verdes da figura 2 novamente e fixe-se na “barra branca” que os separa por 20 segundos. Ao deslocar o olhar para a direita, contra o fundo branco, deverá ver exatos dois quadrados e de que cor? Exatamente da cor da outra espiral: magenta.

“Falar” Cores é Complicado

Pergunta. Você já viu um vermelho-alaranjado ou um laranja-avermelhado? Acho que sim, e não é difícil imaginar essas cores. O mesmo se dá com um verde-azulado ou azul-esverdeado e com os amarelo-esverdeados, azul-arroxeados, verde-amarelados etc, etc, correto? Mas o que dizer de um rosa-esverdeado ou de um verde-rosáceo? Ou mesmo um azul-amarelado e seu par o amarelo-azulado? Hehe. Não dá, né? Por quê?

Isaac Newton estudou as cores e como em tudo que ele pensava, deu um jeito de geometrizar o espectro de luz. Inventou esse círculo de cores ao lado como forma geométrica de “construir” ou misturar cores. Funciona como uma bandeja redonda que tentamos equilibrar na ponta do dedo colocando pesos (no caso, cores) na sua borda, ou seja procurando seu “centro de gravidade”. Ele desenvolveu um método matemático para fazer isso, e descobriu que o branco era composto pelas outras cores; mas não é isso que quero ressaltar agora. (Quem se interessar em aprofundar-se sobre esse método e ver os créditos da figura, clique aqui).

Brincando com as cores, Newton percebeu uma coisa bem estranha. Ao misturar em igual proporção cores opostas do seu círculo, produzia-se também a cor branca. (Um branco desbotado, ele mesmo notou, mas branco). Surgia, então, a ideia de cores complementares. Os desdobramentos desses estudos resultaram, com a ajuda de outros cientistas e do escritor e poeta alemão Göethe, em especial, na Teoria Romântica das Cores que enfatizava o conflito ou antagonismo entre as cores complementares, bem como o claro e o escuro.

Na Teoria Romântica das Cores do século XVIII, as cores complementares eram chamadas de opostas, criando relações entre as cores conhecidas como contraste ou antagonismo. “O contraste pode ser demonstrado observando cores lado a lado em padrões visuais simples onde uma cor aumenta ou altera aparência da outra (exatamente como nas figuras acima). Antagonismo resulta da mistura de comprimentos de onda complementares – o que produz um branco acromático (e por esta razão, desbotado) – cada cor, então anula sua oposta […] O antagonismo pode ser percebido também observando as afterimages negativas, onde a exposição prolongada a uma cor leva a uma imagem residual de sua cor complementar”. Exatamente como no quadrado colorido da figura 5.

O Tratado

Foi quando um químico e funcionário público de uma fábrica de tapetes em Paris, resolveu publicar o que havia descoberto desenvolvendo pigmentos para tingir os gobelins. Michel-Eugène Chevreul (foto ao lado) publicou em 1839  o tratado “De la loi du contraste simultané des couleurs et de l’assortiment des objets colorés.” – traduzido para o inglês por Charles Martel como “The principles of harmony and contrast of coloursem 1854. Chevreul descobriu que cores intensas provocavam o aparecimento de halos em áreas adjacentes a pretos, cinzas, brancos ou mesmo matizes desbotados. (Veja um exemplo disso, neste experimento). É esse efeito que realça a coloração azul da faixa verde na figura 1 e nos “engana”. Entre outras coisas, padronizou também, a questão da complementaridade das cores baseado no efeito da afterimage negativa, como vimos acima.

Eugene Delacroix parece ter sido o primeiro a perceber a possibilidade de criar uma representação mais intensa e convincente da luz externa com esse tipo de técnica. Por exemplo, a pele amarela tem sombras violeta. Ao introduzir cores nas sombras no intuito de aumentar a intensidade cromática de todo o quadro, abriu caminho para o impressionismo. Delacroix era um dos pintores favoritos de Paul Cézanne.

Leitura Complementar

1. Sensacional e premiadíssimo site do Handprint. Há explicações detalhadas sobre todos os fenômenos que envolvem o olho e a luz. Imperdível.

2. Colors on the Web. Site sobre teoria resumida das cores e sobre cores na internet.

3. Michael Bach. Interessantíssimo site com dezenas de experimentos visuais de onde tirei os do post.

Discussão - 8 comentários

  1. Isso me lembrou uma das melhores cadeiras que fiz na graduação, em que o professor usava um semestre inteiro para explicar estes mecanismos.

  2. Kentaro Mori disse:

    Todo conhecimento pode ser usado para o mal: filmes com tons azuis e pessoas cor de laranja tornaram-se a paleta de cores dos filmes em pós-produção digital:
    http://theabyssgazes.blogspot.com/2010/03/teal-and-orange-hollywood-please-stop.html

    A desconstrução de nossa percepção, de forma empírica, é uma das coisas mais embasbacantes.

    • Karl disse:

      @Guilherme. Considerei um elogio. Obrigado.

      É verdade, Kentaro. "Todo conhecimento pode ser usado para o mal". Por isso, a ciência é amoral e precisa que cada um de seus passos importantes sejam discutidos. Dessa discussão devem participar todos, cientistas ou não, e aqui entra nosso papel de divulgador científico, não acha?

      Interessante essa tendência de Hollywood: Pessoas laranja com fundo ou contrastes azuis. Já tinha percebido que o Transformers 2 tinha uma supersaturação de cores; fica tenso, hehe. Esses links, em especial este e o hamburguer do seu post me lembraram da memória de cores, que é outro fator fundamental nessa discussão. Vou no próximo e último post dessa série (que está me consumindo!) tentar relacionar a questão da percepção com a doença. Tudo isso converge para alguns indivíduos específicos e pretendo falar de um deles com mais profundidade.

      Obrigado por todos os comentários.

  3. Juliane Stein disse:

    Ótimo artigo, adoro o conceito que foi explorado.

  4. Rudolf disse:

    Ótimos artigos, Karl e 100nexos! Aprendi um monte!

  5. [...] ou em tons de cinza ou preto. Contrastes de luz e sombra deveriam ser obtidos de acordo com a lei das cores complementares. Quando colocamos uma rosa cor-de-rosa sobre uma cartolina cinza, o fundo adquire tons esverdeados. [...]

  6. Pet Vet disse:

    o artigo é antigo, mas aprendi muito. Valeu!

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