USP em Tudo, USP então?

Têm sido divulgados na mídia, dados interessantes sobre a Universidade de São Paulo. Primeiro, a questão do número de doutores: a USP é a que mais forma doutores no mundo. Carlos Orsi no Twitter observou que Oxford estava apenas em 28o lugar nesse quesito e a pergunta que ficou no ar é: o que isso quer exatamente dizer? A USP é seguida pela Universidade da Jordânia e pela Universidade de Tóquio na formação de acadêmicos.

Recentemente, no dia 14 de março de 2012, foram publicados os novos dados da Times Higher Education parabenizando os new entrants no top 100, a saber “Hebrew University of Jerusalem, University of São Paulo, in Brazil, and the Middle East Technical University, in Turkey”, que ultrapassaram universidades do velho mundo. (Veja aqui, reportagem d’O Estado)

Em que pesem as críticas metodológicas sobre os tais “rankeamentos” em geral e de universidades, em especial (veja, por exemplo, a eterna briga dos rankings de clubes de futebol), há mais de 40 rankings de universidades publicados no mundo, inclusive alguns no Brasil e que sempre fazem muito barulho. A discussão é válida enquanto for um instrumento para mudanças. (Veja excelente post do Quipronat sobre o assunto, no ano passado).

Lado Ruim

Eu, particularmente, acho que esse tipo de propaganda acaba não agregando muito à universidade. A USP não cobra mensalidade. Tal exposição, positiva de fato, acaba por servir à acirrada política paulista – lembrar que estamos em ano de eleição -, servindo também à inércia, tão cara a alguns administradores públicos, de manter as coisas como estão. Pior, no caso do número de doutores, há em curso um projeto que talvez acelere sua formação, coisa que já vem acontecendo há alguns anos, como se o número de acadêmicos formados fosse um fim em si.

Lado Bom

Mas há um aspecto positivo. A Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê uma destinação fixa de verbas para as universidades estaduais paulistas: os tais 9,57% da Quota Parte do Estado do ICMS (QPE). O Brasil tem várias universidades estaduais mas acho que só as paulistas gozam desse tipo de estatuto (quem tiver dados contrários, por favor me avise, eu procurei mas não achei isso). Justamente, USP, UNICAMP e UNESP que têm aparecido em posições bastante destacadas nos rankings de universidades latinas. Os governos de outros estados poderiam se “animar” com esse tipo de propaganda (que não é ponte, nem estrada!) e destinar mais verbas as suas próprias universidades e para a educação em geral.

Lado Pior

Mas, no melhor estilo “tirar doce da boca de criança”, segundo a ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior ),  “os dados mostram que as universidades não receberam o percentual sobre cerca de R$ 1.422,2 milhão, valor correspondente a impostos recebidos em atrasos e suas respectivas multas e juros de mora, e sobre aproximadamente R$ 741,1 milhões, referentes ao repasse para Habitação, sistematicamente subtraído antes do cálculo dos 9,57%. Ou seja, as universidades públicas paulistas deixaram de receber, no ano passado, um total de R$ 207 milhões (R$ 108,8 mi da USP, R$ 50,7 mi da Unesp e R$ 47,5 mi da Unicamp), montante que deveria ser repassado à educação superior pública paulista, por força de lei, e que o governo Alckmin destinou outro fim.” (itálicos meus).

A ADUSP afirma que a sangria orçamentária foi feita com a anuência dos reitores (CRUESP). Aqui vale aquele ditado que diz que “nego só vê as pinga que a gente bebe, não vê os tombo que a gente leva”…. Por tudo isso, vejo esses números com uma alegria contida e uma atenção redobrada para avaliar como eles serão, ou estão sendo, utilizados. E por quem.

PS. Lamentável a morte do professor César Ades, sob todos os aspectos. Veja homenagens de quem o conheceu de perto aqui, aqui e aqui.

Discussão - 11 comentários

  1. Além dos problemas que você levantou, fico sempre me perguntando: onde vai parar esse tanto de doutor que a UPS forma??? A Nature tem um volume especial só sobre esse assunto (http://www.nature.com/news/specials/phdfuture/index.html) e, veja lá, que o Brasil enfrenta um problema muito parecido com a Alemanha: é doutor que não acaba mais... Mas onde enfiar esse tanto de doutor??? Well... no need to respond that! :/

    • Karl disse:

      Eu acho que existe no Brasil, diferentemente da Alemanha, uma demanda para doutores, talvez criada quando a CAPES começou a dar peso para a presença deles nos cursos de pós-graduação. Mas sua pergunta de fato, não tem resposta ainda. Acho sempre que a quantidade de alguma forma, prejudica a qualidade. Sensacional a referência da Nature, não conhecia. Linkei no texto. Obrigado.

    • Otto Heringer disse:

      É engraçado, apesar de "ter doutor que não acaba mais", muitos setores do mercado de trabalho sempre reclamam da falta de pessoas capacitadas. Já vi algumas reportagens em alguns jornais (inclusive em um interno da USP) atentando para esse fato em relação às engenharias por exemplo. Porque temos essa carência e super-produção acadêmica ao mesmo tempo? Será que é porque tudo está concentrado aqui em SP e as paulistas são um extremo longe da média da demanda/produção de cérebros do país? As informações do ranking estariam apontando para um sucateamento da educação (+ produção, - qualidade) ou para uma melhoria gradual após a universalização do ensino superior? Concordo com o Karl: é aquele tipo de informação que não faz você saber ao certo o que esperar.

  2. Aninha Arantes disse:

    Além de querer saber onde vai parar tanto doutor - mais: onde vou parar EU quando tiver meu título na mão - eu tenho sérias dúvidas quanto à qualidade acadêmica da maioria esmagadora desses doutores que são formados a toque de caixa, em escala industrial.

  3. Yep!!!

    O que a Alemanha tem tentado fazer (e que os USA já fazem há um bom tempo) é buscar uma formação mais "profissional" de doutores (putz... essa nomenclatura ficou horrível... hahah). Enfim, quis dizer: a formação de doutores que possam atuar fora da academia -- em indústrias, empresas privadas (não necessariamente de pesquisa), etc.

    Isso costumava ser mais comum para algumas áreas do conhecimento (química, algumas engenharias...), mas atualmente (na Alemanha, principalmente) as outras áreas (tipo Linguistica, Psicologia e até Antropologia) estão começando a ver um valor "de mercado" antes inexistente. Daí os doutores têm algumas alternativas além de atuar na pesquisa acadêmica...

    A referência é bacana! Que legal que gostou! 🙂

    • Emanuel disse:

      Na Alemanha, independente da área de pesquisa (conheço o caso direto de física básica), o doutorado é, na imensa maioria dos casos, apenas mais um passo na carreira... No fim, a maioria deles olha pra a indústria como o long-term objective da carreira e a indústria olha pros doutores como mão de obra qualificada. Continuar na carreira acadêmica é excessão e não regra... talvez até por isso os que ficam, normalmente são tão bons... de fato, se for olhar só pro lado financeiro, ir pra indústria é infinitamente melhor...

  4. Rudolf disse:

    Na minha experiência de Alemanha,hoje em dia sem titulo de doutor dificilmente se consegue empregos de alta qualificação. Não é impossível, mas é improvável.

    Aqui na Irlanda, como o nível educacional é mais baixo, o titulo de mestre é suficiente (mas o de doutor ajuda mais).

    No Brasil o que escuto é que doutor tem "perfil de pesador" e não sabe por nada em prática (tornar coisas reais). Acho que em raras excessões um doutor trabalhando no Brasil teria um salário melhor numa empresa por causa de seu título. O Brasil não tem cultura de inovação, por isso não valorisa o conhecimento.
    http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,artigo-para-que-devem-ser-formados-os-novos-engenheiros,838027,0.htm

  5. Fabiana disse:

    Compartilho aqui nota a respeito de uma audiência aberta a professores e alunos que aconteceu na USP na última segunda-feira. O debate acalorado, que vem ocupando a Universidade pelo menos nos últimos três meses, em várias instâncias, diz respeito ao documento mencionado pelo Karl no texto do post (a proposta de alteração regimental da Pós-Graduação da USP, que tem oposição ferrenha, não apenas das Humanidades, áreas em que a reflexão de qualidade em geral demanda mais tempo de amadurecimento crítico, mas também de setores da Escola Politécnica e outros).

    http://uspemgreve.blogspot.com.br/2012/03/professores-e-estudantes-da-pos.html

  6. Sibele disse:

    E eu compartilho um ótimo artigo (traduzido para o português), muito esclarecedor sobre como os rankings mundiais estão pautando as IES:

    HAZELKORN, Ellen. Os rankings e a batalha por excelência de classe mundial: estratégias institucionais e escolhas de políticas. Rev. Ensino Superior UNICAMP, n. 1, p. 43-64, abr. 2010. Disponível em: http://www.gr.unicamp.br/ceav/revistaensinosuperior/ed01_maio2010/pdf/Ed01_marco2010_ranckings.pdf.

    Alguns trechos:

    “[...] a competição global exige mais investimento em educação superior, especialmente em ciência, tecnologia e inovação. [...] [a globalização age] injetando uma nova dinâmica competitiva no sistema e no debate sobre o papel e o propósito da educação superior de massa.” (Hazelkorn (2010, p. 54).

    “Obter sucesso, ou simplesmente sobreviver, requer mudanças significativas na forma pela qual as IES conduzem seus assuntos. A despeito das críticas à validade metodológica de determinados indicadores ou aos pesos atribuídos a eles, os rankings se tornaram um (conveniente e oportuno) instrumento de política e uma ferramenta de administração” (Hazelkorn, 2010, p. 45).

    “Existem crescentes evidências de que os rankings estão influenciando as prioridades, inclusive os currículos: crescimento de programas de mestrado de especialização/profissionalização (em língua inglesa) para atrair alunos estrangeiros, alinhamento ou harmonização de programas com modelos norte-americanos ou europeus, tais como Bolonha, ou interrupção de programas que não tenham efeito positivo nos índices de graduação. As maiores mudanças, no entanto, estão aparentes no reequilíbrio ensino/pesquisa e atividade de graduação/pós-graduação e no redirecionamento da alocação de recursos para as áreas com (controvertidamente) maior probabilidade de serem mais produtivas, terem melhor desempenho e com indicadores mais sensíveis às modificações. Independentemente do tipo de IES, a mensagem é clara: agora a pesquisa tem mais importância, não necessariamente mais que o ensino, mas tem mais importância neste momento” (Hazelkorn, 2010, p. 49, grifos meus).

    É frequente os rankings serem desconstruídos até o nível dos departamentos e utilizados para identificar quem tem melhor desempenho e aqueles cujo desempenho é insuficiente. Em toda parte, o desempenho do corpo docente está sendo associado aos tipos de estatística em que os rankings se baseiam [...]. A autonomia institucional permitiu a introdução de salários de mercado, de remuneração por mérito/desempenho e de pacotes atraentes usados para recompensar e atrair docentes de alto desempenho. A ênfase é no recrutamento de professores em meio de carreira, e há quem tema que isso possa vir a ter um impacto negativo em pós-doutorandos, professores jovens e mulheres” (Hazelkorn, 2010, p. 50, grifos meus).

    E uma pergunta, Karl:
    “há mais de 40 rankings de universidades publicados no mundo, inclusive alguns no Brasil [...]“. Quais são esses “alguns” no Brasil?

  7. [...] É uma carta-reflexão sobre a proposta de alteração regimental na pós-graduação da USP de que falávamos. De forma clara e brilhante, ela expõe os desencontros da política universitária do Estado de [...]

  8. daniel disse:

    Se não me engano aqui em Santa Catarina existe uma lei que fixa
    quantidade de verba para a Udesc.

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