Vampiros e Bruxas
É possível distinguir, dentre muitos, dois arquétipos oriundos do medo humano de relacionar-se com outros seres humanos: um masculino e um feminino.
O arquétipo feminino é a bruxa ou feiticeira. Mulher de grande sabedoria e variadas formas, ora jovens e sedutoras, ora velhas e asquerosas, que ao induzir os homens ao erro e utilizando de múltiplos ardis, em geral, de forte apelo sexual, consegue o que deseja e, invariavelmente, leva suas vítimas à morte. A bruxa representa o medo masculino da sabedoria feminina. Uma mulher sábia era um ser bastante complicado de lidar se considerarmos o ambiente onde surgiram tais lendas, em geral, o período medieval. Subversiva frente ao poder fálico emanado pelos homens, portadora de outra visão da sociedade, a bruxa por não contar com a força física masculina, utiliza-se de um tipo diverso de poder, desconhecido dos homens e por essa razão, temido, dado que não se enfrenta com espadas (clássico símbolo fálico). Os homens que a elas resistem devem travar uma luta interna contra a concupiscência de seus sentimentos, pois é por meio dessa “fraqueza” que a bruxa se tornará forte e o vencerá. Nada mais proto-cristão. A perseguição e as fogueiras nas quais foram queimadas centenas de mulheres, entretanto, testemunham a forma como a ascese monástica – uma amputação traumática que transcendia a virilidade dado que mutilava também a capacidade de amar o sexo oposto – dizia, como a ascese monástica lidava com um poder que jamais conseguiria vencer.
O arquétipo correspondente para as mulheres não é o feiticeiro ou bruxo. Este, povoa o imaginário feminino no mesmo local onde as moças estão habituadas a duelar e, por isso, não provoca espasmos. Sem dúvida, quem ocupa esse lugar é o vampiro. Antiquíssima lenda de várias culturas, foi com Bram Stoker que ganhou corpo e fama. O livro de Stoker é de 1897, final da época vitoriana, período de rigidez de costumes e aparências, que apesar de tudo, falhou em coibir a libido humana, a feminina incluso. O vampiro assim, representaria o homem sedutor, quase irresistível, ao qual a mulher reluta em entregar-se, dada as seríssimas consequências de seus atos, mas que, ao mesmo tempo, proporciona-lhe um prazer sexual indescritível, um arrebatamento quente e úmido que a eleva acima das coisas mundanas a ponto de implorar pelo contato com o monstro. Da mesma forma, a vampira para os homens, ocupa o mesmo espaço que uma bela bruxa e não se constitui em nova ameaça (para quem já vive, no caso, naturalmente ameaçado).
Se concordamos até agora, poderemos também concordar que tentativas recentes de transformar vampiros, lobisomens e sacis-pererê em doenças, são cada vez mais frequentes. Assisti, sem deixar de sentir um pouco de pena do elenco, o filme Daybreakers (2009) cujo título no Brasil é o bizarro 2019 – O Ano da Extinção. (Vou mandar um spoiler agora, se você pretende assistir essa porcaria, não leia o parágrafo até o fim). No filme, uma epidemia de vampiros acomete a espécie humana e vai transformando todos. Consequência óbvia, conforme os humanos vão escasseando, os vampiros vão passando fome, de tal forma que um sujeito do mal (Sam Neill) inventa um banco de sangue gigantesco para extrair sangue humano sem que se transforme os coitados em vampiros acabando com os já “parcos recursos ainda existentes”. No final, descobre-se uma cura para a “doença” de ser vampiro e salva-se a humanidade.
O que quero chamar a atenção aqui é que os vampiros do filme não têm nada de sedutor. As mordidas são muito mais parecidas com “estupros mandibulares” que com sensuais mordiscadas no pescoço de virgens ofegantes. Sangue pra todo o lado, no melhor estilo trash. Não que eu quisesse manter a lenda dos vampiros exatamente a mesma, desde há dois séculos. Mas, quando tentamos transformar um mito em doença, na verdade o que estamos fazendo é racionalizá-lo. Algumas doenças desempenharam esse papel, estigmatizadas que foram, a ponto de incorporar temores primordiais. (Ver a Sífilis e, recentemente, a AIDS). Nada de novo aqui. A racionalização é um procedimento iluminista (século XVII). Tudo o que tememos, tendemos a racionalizar, seja por meio de procedimentos científicos, seja por meio de crenças religiosas (e nesse ponto está o mérito da igreja católica no período medieval já que o povo vivia morrendo de medo de tudo quanto era demônio, espírito, etc) e aqui o termo “racionalizar” ganha um significado mais amplo.
Contudo, racionalizar um mito não significa matá-lo. Significa jogá-lo para baixo do tapete e isso quer dizer que ele retornará transmudado em outra coisa, voltando a assombrar os incautos. Veja se essa não é uma história de vampiro real!
A persistência dos mitos é o principal obstáculo ao pensamento livre. Matar mitos é uma luta individual, solipsista até, que dura toda a vida consciente. Enfrentar quimeras, muitas das quais nem sabemos quem são: é esse o método que nos livra das garras, presas, quebrantos e feitiços dos vampiros e bruxas que somos e habitamos em nós.
Discussão - 13 comentários
Olá!
Esta é minha primeira vez no seu blog e estou curtindo muito.
Entrei aqui por causa do texto sobre aneuploidia e acabei esbarrando com este texto sobre bruxas e vampiros. Muito legal, hein!
Por coincidência, comentei com meu marido ontem mesmo mais ou menos a respeito do assunto (estávamos zapeando e nos demaramos com um filme de fantasia com, claro, a presença de bruxas malvadas e etc...). Disse a ele "por que toda mulher com conhecimento e poder é uma bruxa?". E ele também ficou encucado com o assunto.
(as fogueiras selecionaram as melhores de uma época inteira para serem eliminadas... as inteligentes, as questionadoras, as detentoras de algum conhecimento, poder e influência foram eliminadas... é uma pena não só para as mulheres, mas, principalmente, para humanidade inteira...)
Agora, com relação a essa questão do vampiro, te digo que nunca havia pensado sobre o assunto e fiquei pasma com a tua análise!! Muito interessante mesmo!! (nunca dei muita bola para esses filmes de vampiro, mas faz todo sentido o que vc disse... principalmente se pegarmos essas recentes séries adolescentes em que sempre há um vampiro a seduzir uma mocinha... )
Adorei o texto! Mandou muito bem!
Um forte abraço,
Karla
Karla,
Nem comentei, propositalmente, a moda vampiresca adolescente. Há uma série de análises muito bem estruturadas sobre isso e resolvi não me arriscar muito e manter o foco. Contudo, é importante notar que na série Crepúsculo o mito do vampiro permanece inalterado - em que pese as tentativas de torná-lo "vegetariano" - dado que o menino é bonitão e há uma forte conotação sexual na relação com a moça. Isso não ocorre com o filme que citei e nem com outros que tive a oportunidade de ver. Parece que "Diários de um Vampiro" é um pouco assim também. Cabe perguntar se o sucesso da série decorreria disso, não?
Obrigado pelo comentário, xará, hehe.
E vc conhece alguma "bruxa", dr? 🙂
Conheço. Mas sou mais amigo do pessoal da vampiragem...
meu nome é Enrico Crescencio se algum vampiro estiver lendo isso ou alguem que conhece um pesso que me transforme em vempiro eu prometo eu juro que farei tudo que voce quiser me tornarei seu escravo seu servo ou aprendis como voce quiser eu farei tudo que voce quiser e em troca tudo que eu te peço e que me transforme emvampiro e eu serei seu ce voce quiser me transformar me chame no facebook e escreva eu vou transformar voce em vampiro e eu aceitarei ceu convite e resolveremos os detalhes.e eu nao tenho nada a perde se aceitar te entrego minha vida me passa o contato dessa vampiragem por favor
[...] e uma sina. Um privilégio porque um médico, sendo um arquétipo humano primordial, como bruxas e vampiros, catalisa sentimentos e esperanças generalizadas, para-raio emocional, tipo entidade. Com avental [...]
Olá Karl, tudo bem? : )
Uma frase da postagem - 'A persistência dos mitos é o principal obstáculo ao pensamento livre' - me fez lembrar de uma parte de um livro que gosto muito, onde o autor fala um pouco sobre crença x juízo.
Do fato de, na opinião dele, na crença a mente fluir de maneira confortável e natural, por ser derivada do costume. Já o juízo levaria nossa mente a uma posição tensa por requerer um 'estudo e esforço do pensamento', o que perturbaria a operação dos sentimentos, dos quais 'a crença depende'.
Ele passeia de maneira interessante sobre o assunto e levanta a questão: 'de que modo a mente pode conservar algum grau de certeza sobre um assunto qualquer' ao invés de terminar em uma 'total suspensão do juízo'.
É um texto bem interessante, acho que vc gostaria. Não tem exatamente muita relação com esta postagem, mas acho que levanta assuntos que já li por aqui, em outras postagens.
Se quiser dar uma olhada:
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http://books.google.ca/books?id=0FrA3e4MJMAC&pg=PA213&lpg=PA213&dq=%22do+ceticismo+quanto+%C3%A0+raz%C3%A3o%22&source=bl&ots=jyKaK3BA-t&sig=f0plxiWmBHhz6a1v8ZOLTyL4cv4&hl=pt-BR&sa=X&ei=AQGpT_HaHIOWgwfXwsjdAQ&ved=0CDYQ6AEwAA#v=onepage&q=%22do%20ceticismo%20quanto%20%C3%A0%20raz%C3%A3o%22&f=false
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'Quando reflito sobre a falibilidade natural de meu juízo, confio menos em minhas opiniões do que quando considero apenas os objetos sobre os quais raciocino.'
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David Hume - Tratado da natureza humana - Do ceticismo e outros sistemas filosóficos - Do ceticismo quanto à razão
Abç. ; )
C.
PS. Gosto muito das suas postagens, da maneira como vc apresenta suas dúvidas, seus questionamentos e incertezas. E principalmente da maneira que vc encontra para continuar com o seu trabalho apesar de.
Não estou falando especificamente desta postagem sobre vampiros, mas de outras tantas que mexeram comigo e não tive tempo de comentar. : )
Oi, sumida!!!
Hume é o cara deu um pontapé no traseiro do Kant e veja aó o que aconteceu.
Acho que vc resumiu muito bem o que esse blog representa pra mim. Antes, bem antes, de demonstrar erudição ou querer ensinar alguma coisa para quem quer que seja, ele é uma forma de entender o que eu faço com as coisas que eu sei (ou acho que sei). Quando exponho dúvidas, desejos e inseguranças, é porque eles incomodam muito e escrevendo-os, pelo menos tenho a sensação de organizá-los e aprisionar os diabinhos que fazem essa zoada na minha cabeça, além de compartilhar, a melhor forma de ter razão. Convencer e ser convencido ao mesmo tempo. Eis um médico pois. De bandeja. Hehe
: )
As vezes sinto que vc se auto disseca aos nossos olhos e isso o torna mais próximo.
Meio ´If I show you my dark side’…
Sem medo...
I like it!
Estarei por perto.
C. ; )
boa noite !!
acho que posso responder as perguntas sobre
vampiros !!
acho que posso ajudar a responder todas as dúvidas !!
obrigado pela atenção .
[…] transformados em doenças. Essa é uma tendência atual e até figuras arquetípicas como vampiros e zumbis têm sido transformados em doenças. Uma das prováveis razões para isso é que, ao […]
Concordo em alumas partes com a sua frase: Mas, quando tentamos transformar um mito em doença, na verdade o que estamos fazendo é racionalizá-lo... Seu que tudo que parece diferente e inexplicado tentamos raciona-la na maioria das vezes estragando a essência porem se nem vampiros e nem zumbis são doenças, o que elas seriam?. Isso parece mais história do big bang, todo mundo acha que aconteceu e provaram de alguma forma, mas ninguém sabe a origem, isso não pode ter acontecido do nada, existe muitas lendas sobre humanos que bebiam o sangue dos seu inimigos, mas nenhuma comprova o fato das histórias de vampiros em que eles mordiam e sugavam sangue. Não estou questionando a sua forma de pensar, só estou curiosa. Vampiros são realmente mortos vivos que bebem sangue pra se manterem vivos, ou são pessoas que não sabe o que fazem, mas fazem porque gostaram?
oi só bruxo faz um tempo já que to estudado esse mundo e amei esse texto que a Deusa traga mais fãs aqui