O Homem Que Largava Livros

Ao L.A. com a gratidão das dívidas que não se pagam

 “O velho estava em pé e segurava o livro aberto como um revólver sem gatilho: o polegar entre as páginas, o indicador e os outros apoiando a lombada; e com esse arranjo fazia-o balançar com habilidade enquanto andava de um lado a outro, mas apenas porque era um livro pequeno, de capa vermelha e dura. Com as lentes bem à ponta do nariz, seguiu lendo:

Caso por mim percorresse um arrepio,

um calafrio, seja de frio ou de desejo,

se alguém houvesse em contato com minha pele,

fosse mão ou mesmo pele-a-pele,

sentiria o frêmito, e também a onda que se cria

e toma o corpo ou parte dele,

já que é o arrepio e não 

o suor que se estila

a língua viva do couro que o embebe?


E fechou o livro com um movimento rápido provocando um estampido que ecoou na sala. Olhava agora em panorâmica pela classe. Por cima das lentes e com certo escárnio pelo susto que acabara de provocar nos distraídos, viu o movimento dos cabelos negros escorridos da moça em queda com o ruído do livro, repousarem numa serenidade já lisa e piscou lentamente.

– Que tal? – provocou.

– Essa é a pergunta mais bonita que já vi, professor!  – respondeu alguém. O velho não viu quem pois cerrara os olhos com a resposta. Do prazer professoral que lhe correu a espinha.”

~ o ~

Mais um livro terminado. O destino deste também não seria a estante. Imagine só! Livros eram para ser lidos e folheados e manipulados apenas e talvez. Quem sabe até farejados. Este – tão bonito! – teria o destino dos outros. Sim, era isso mesmo, decidira. Levantou-se – não sem uma certa dificuldade – da cadeira de imbuia que rangeu, mas não se co-moveu, e foi até a escrivaninha. Abriu uma ou duas gavetas e apanhou um carimbo grande e sua respectiva almofada embebida por tinta cor de vinho, bordô. Folheou algumas páginas e, com uma ponta de língua de fora, fez o que planejara fazer. Soprou depois e, satisfeito com o resultado, deixou o livro em cima da mesa, junto com os outros dois.

~ o ~

Vinha ouvindo The Kooks.

I’m not saying it was your fault. Although you could have done more…

Os fones brancos desaparecidos nos tragi bilateralmente. Havia ainda um brinco nas reentrâncias da orelha direita. O fio branco sumia pela gola da blusa. 

I know she knows that i’m not fond of asking. True or false it may be… 

Virou rápido no fluxo das pessoas e encarou a escada rolante. Sentiu o granito frio e o bafo quente do metrô em contraste mas ainda assim, era frio. Chegou à plataforma com as portas ainda abertas e mergulhou na massa de corpos sem rosto que se espremia no vagão.

In such an ugly way. Something so beautiful. That everytime i look inside
Vagarosamente, o trem teve a multidão dissipada e ele, tendo permanecido encostado à porta, distraído, resolveu sentar-se. No banco de cor diferente do outro lado havia um livro. Ele olhou em torno e já não havia mais ninguém. Tomou-o e pensava em deixá-lo com algum funcionário quando, folheando as páginas amareladas, leu o que parecia um carimbo com cores avermelhadas e um pouco apagadas pelo tempo.
Um arrepio solitário lhe subiu pela gola da blusa e terminou na orelha. A esquerda.

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