O (Infra)Vermelho e o Branco

red-filter-heart-musicO professor Miguel Nicolelis e sua equipe da Duke University Medical Center conseguiu conseguiram fazer com que ratos “visualizassem” luz em comprimentos de onda na faixa do infravermelho, o que normalmente não é possível, nem para esses animais, nem para nós. De fato, o título da matéria divulgada afirma que os roedores adquiriram a habilidade de “tocar” a luz infravermelha após a colocação de uma neuroprótese. O experimento consistia em treinar ratos a escolher cores (luz visível portanto) dentro de uma gaiola com objetivo de receber uma recompensa. “Depois de treiná-los, os pesquisadores implantaram nos cérebros dos ratos um arranjo de microeletrodos com diâmetro aproximado de 1/10 de um fio de cabelo na região cortical responsável pela sensação táctil proveniente de seus bigodes. Ligado aos microeletrodos havia um detector de infravermelho. O sistema estava programado de tal forma que quando o sensor de infravermelho disparava, era gerado um impulso elétrico no córtex sensorial do rato. O sinal aumentava em frequência e intensidade conforme o animal se aproximava da luz. No início, os ratos se confundiam e coçavam o nariz. Depois de aproximadamente 1 mês de treinamento, os ratos utilizavam o focinho para localizar a fonte de infravermelho como alguém que procura algo no horizonte com a mão em aba sobre os  olhos. Levavam a cabeça para frente e para trás, procurando pela intensidade do sinal. E funcionou. Um achado importante, segundo Nicolelis, foi o fato de que tal adaptação não causou uma perda da função primária – tátil – das vibrissas do rato. Uma avenida ficcional se abre diante dessa nova possibilidade. Imaginar homens com possibilidade de “ver” ondas eletromagnéticas e outros tipos de entes invisíveis aos nossos olhos é fantástico. Além disso, a possibilidade reparar lesões neurológicas (cegueira, surdez, afasias, etc), utilizando a plasticidade do sistema nervoso é uma consequência óbvia.

A coisa toda é muito interessante. Fiquei com isso na cabeça, quando no Twitter me aparece uma palestra do Augusto de Campos tentando responder à questão: “O que é a poesia?”. Nessa palestra, Campos usa uma estorinha contada por Arnold Schönberg, o “louco” do dodecafonismo na música, quando se defrontou com a pergunta “O que é a música?”. A anedota tal como Campos contou na palestra (apesar de que o interessante e bonito portal Musa Rara dá uma outra versão) é esta:

Um cego perguntou ao seu guia: — Como é o leite?
O outro: — O leite é branco.
O cego: — E o que é esse “branco”? Me dê um exemplo de algo que seja “branco“!
O guia: — Um cisne. Ele é totalmente branco e tem um pescoço longo e curvo.
O cego: — Pescoço curvo? Como é isso?
O guia, imitando a forma do pescoço do cisne com o braço, fez com que o cego o apalpasse.
O cego: “Ah! agora eu sei como é o branco…”

Se a anedota explica (ou complica) nossa compreensão do que é a música, deixo aos seletos leitores. Tudo isso foi mesmo para dizer que se alguém perguntasse a um rato stendhaliano neuroprotetizado de Nicolelis o que é o infravermelho, talvez ele respondesse: “Infravermelho? Não sei o que é. Só sei que me dá muita vontade de coçar o nariz…”

Eric Thomson, Rafael Carra e Miguel A. L. Nicolelis. February 12, 2013 in the online journal Nature Communications.

Veja a palestra de Augusto de Campos.

Discussão - 3 comentários

  1. O experimento do Nicolelis é um paralelo e extensão das próteses que consistem de câmaras ligadas a eletrodos na língua de pacientes cegos - eles conseguem "ver" formas através de estímulos elétricos na língua.

    Também não é exatamente verdade que mamíferos normalmente não percebam o infravermelho. Não são capazes de enxergá-lo*, é verdade. Mas podem sentir tatilmente - quando em intensidade suficiente - na forma de sensação de calor. Nós podemos perceber isso aproximando as mãos de uma fonte quente sem tocá-lo diretamente.

    Mas esse experimento reforça a capacidade do cérebro de extrair informação de estímulos produzidos por novos sensores. Isso é interessante porque elimina a dificuldade do surgimento de "novos" sentidos. De um certo modo, o cérebro de mamíferos (e talvez de outros organismos) parecem funcionar quase na base do "plug & play", conecte qualquer coisa (sim, estou exagerando um tanto) que traduza um sinal do ambiente ao cérebro e ele será capaz de interpretá-lo.

    Aí a questão deixa de ser tanto - como o cérebro coevolui com a evolução de novos sensores - e passa a ser: por que, diabos, os mamíferos são tão conservadores na produção de novos sentidos?

    *Embora haja registro de que pelo menos alguns indivíduos de pelo menos uma espécie tenha tal habilidade:
    http://migre.me/dh6qS
    ----

    []s,

    Roberto Takata

  2. Oi, gostei do blog.

    Tenho um sobre psiquiatria e cultura. Se interessar: fluxodopensamento.com

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