O Esquema Brasileiro de Citações e a Vira-Latice

Citation Stacking

Figura do artigo da Nature citado abaixo.

A Clinics, revista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP teve, juntamente com outras 4 revistas brasileiras, conforme noticiado aqui há 2 meses, a divulgação de seu fator impacto suspensa por 1 ano por práticas de citação anômalas. O professor Maurício Rocha e Silva, editor-chefe da revista, enviou uma carta-resposta a este blog, publicada em 27 de Junho do corrente ano, dando suas explicações. Desde então, nenhuma outra manifestação foi ouvida ou publicada; ao menos ao que nos foi dado saber. Até que, em 29 de Agosto, o jovem e ativo editor-assistente de notícias da fleumática NatureRichard Van Noorden, publicou um artigo em tom não muito elogioso, sobre o que foi chamado de “esquema brasileiro de citações”. O artigo mostra o processo de stacking citation (citação cruzada) utilizado pelas revistas brasileiras para inflar suas avaliações (ver figura acima). Deixa também claro que a forma com a qual a CAPES julga as publicações de seus bolsistas – o sistema QUALIS – do qual já falamos aqui e aqui, e no qual o fator impacto (FI) tem grande importância, gerou uma “adição” dos pesquisadores brasileiros ao alucinógeno FI. Segundo Van Noorden deixa transparecer por intermédio de declarações escolhidas de Rocha e Silva, tais distorções seriam fruto dessa política de avaliação da CAPES.

Não acho, particularmente, que uma coisa justifique a outra, nem, tampouco, a explique e esse é o verdadeiro problema. Além disso, nessa discussão ninguém citou o fato de que há um preconceito velado contra publicações latino-americanas. É muito difícil para um pesquisador brasileiro publicar seus estudos em jornais internacionais de grande impacto, mesmo quando o estudo é bom. Pior, mesmo que tal façanha ocorra, seu índice de citações é mais baixo do que o de seus pares do hemisfério norte, como mostra o interessante estudo dos professores Rogério Meneghini e Abel Packer citado abaixo (e que também já comentei). Por outro lado, fiquei sabendo, oficialmente, que o prof. Rocha e Silva não era mais o editor-chefe da Clinics pela Nature. Isso é um absurdo! Em todos os três posts nos quais divulguei e discutimos a notícia sobre a suspensão das revistas brasileiras venho cobrando uma manifestação oficial dos editores. Essa manifestação ainda não havia ocorrido até onde sei.

Hoje, 30 de setembro, recebi o email que publico integralmente abaixo (no original, em inglês):

POSITION STATEMENT

Wagner Farid Gattaz, Edmund Chada Baracat

In the light of the recent facts, we are working together with the Governing Council of Hospital das Clínicas and the Dean of Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, on implementing a new structure for the Editorial Board, which will consist of a joint Editorial leadership shared by a Scientific Editor, an Administrative Editor, and Associate Editors. Area Editors and the Editorial Office structure will not be altered.

All efforts are being made to ensure that Clinics continues to be one of the most important Brazilian scientific journals, and to reaffirm our commitment to high level scientific research, ethics, and transparency. CLINICS citation data will be permanently monitored and made available to all.

We look forward to returning to the Journal Citation Report (JCR) in June 2014, and to receiving a promising Impact Factor for 2013.

Esta carta está estampada na homepage da Clinics. Nenhuma menção à saída do prof. Rocha e Silva foi feita. Apenas um evasivo “à luz dos recentes fatos…” e uma declaração de compromissos com o batido “todos os esforços estão sendo feitos…” Eu insisto em uma explicação mais declarada do ocorrido, um pedido de desculpas, uma revolta contra a miséria intelectual do fator impacto, um libelo contra a Thomson Reuters, a exemplo aliás do boicote contra sua rival a Elsevier, um manifesto contra a CAPES e o QUALIS, um ode ao Open Access, ao modelo PLoS, sei lá…  Muita gente utilizou o artigo do Van Noorden como a pá de cal no FI. Eu vi nesse lastimável episódio de “falcatruas citacionais” a possibilidade de uma reação, de uma exposição de nossa situação terceiro-mundista frente as grandes potências científicas e suas “reservas de mercado”. O Brasil poderia liderar um grupo de vozes contra o monopólio das editoras e índices que nos dizem o quanto um pesquisador é bom ou mau, que estabelecem o preço absurdo das assinaturas de revistas e que, por fim, são quem determinam o maior viés de publicação.

Uma carta desenxabida e colonizada como esta só faz crer mesmo no pior.

Referências

Van Noorden R (2013). Brazilian citation scheme outed. Nature, 500 (7464), 510-1 PMID: 23985850

Meneghini R, Packer AL, Nassi-Calò L (2008) Articles by Latin American Authors in Prestigious Journals Have Fewer Citations. PLoS ONE 3(11): e3804. DOI:10.1371/journal.pone.0003804

 

Discussão - 4 comentários

  1. Sibele disse:

    Isso mesmo, Karl!

    Engraçado que tanto se revoltam contra a Elsevier, mas não vejo nada nesse sentido em relação à Thomson Reuters, que se reserva o monopólio do deplorável FI.

    Pelo menos a Elsevier mantém a base Scopus, muito mais ampla que a restritíssima Web of Science em termos de indexação de revistas, além da sua parceria com a SCImago permitir uma ferramenta livre de avaliação - - o SCimago Journal & Country Rank (http://www.scimagojr.com/).

    De todo modo, ambas as editoras não representam o ideal, pela política de acesso restrito às revistas, que tanto penaliza nossa ciência. Passou da hora de repensarmos esse modelo imposto pelas grandes editoras comerciais.

    Parabéns por esse alerta. Precisamos manter essa discussão viva e avançar.

  2. […] é suficiente. Presenciamos recentemente escândalos envolvendo pesquisadores brasileiros formando quadrilhas de citações e pesquisas fictícias que receberam aceite em publicação. Será esta régua é […]

  3. Nailson Landim disse:

    Bom saber o que me aguarda.

  4. […] O Esquema Brasileiro de Citações e a Vira-Latice , Ecce Medicus […]

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