Síndrome Pós-Pólio
Por Meire G. (do Salada Médica) e Karl
Poliós (πολιός) em grego quer dizer “cinza”; myelós (µυελός), medula. Em 1874, o médico alemão Adolph Kussmaul (1822-1902) cunhou o nome da doença a partir de achados patológicos da medula espinhal de pacientes com a paralisia. A pólio já era conhecida dos egípcios constando em inscrições de 1400 AC, mas entrou para o hall da fama das moléstias humanas apenas na década de 50. A pandemia de poliomielite tomou de assalto a Europa e os EUA tendo como características peculiares, o alto número de casos do que foi chamado de pólio bulbar, no qual o paciente, a grande maioria crianças, perde a força da musculatura respiratória necessitando ventilação mecânica para não morrer sufocado.
O vírus da pólio é muito semelhante aos rhinovirus (RV), um dos causadores do resfriado comum, chegando a ter 45-62% de semelhança em seus genomas diferindo, entretanto, na construção da capa viral. Isso impede que o RV penetre na mucosa do intestino, mantendo-o nas vias aéreas superiores. Partilham entre si, no entanto, a alta infectividade de humano para humano, e daí as consequências desastrosas para o caso da pólio.
O último caso de poliomielite no Brasil data de 1990, tendo sido considerada erradicada das Américas em 1994. Em 2000 foi declarada oficialmente eliminada de 37 países do Pacífico Ocidental incluindo China e Austrália. A Europa foi declarada livre da pólio apenas em 2002. Em 2012, a pólio permanecia endêmica somente em três países: Nigéria, Paquistão e Afeganistão, muito devido a problemas religiosos associados à distribuição das vacinas à população. Infelizmente, o vírus da Polio acometeu muitas pessoas no Brasil deixando um número considerável delas com a conhecida deficiência física. Por outro lado, boa parte das pessoas com sequelas adaptou-se à limitação, cresceu, teve filhos, trabalha. Assim como outras pessoas com necessidades especiais, elas brigaram por seus direitos e hoje há reserva de vagas para elas em concursos públicos e em empresas privadas.
Muitos desses adultos estão enfrentando uma segunda grande batalha da doença: a síndrome pós-poliomielite (SPP). Boa parte dos médicos brasileiros em atividade hoje – nos quais nos incluímos – nunca viu um caso de pólio aguda, mas todos conhecemos suas sequelas. Agora é necessário uma atualização para o diagnóstico dessa complicação tardia de modo a dar o encaminhamento correto aos nossos pacientes. Há um interessante manual sobre isso disponível em pdf para download aqui.
A SPP vai se instalando devagar, depois de muitos anos: a perda de funções que as pessoas tão bravamente conseguiram manter ocorre por volta dos 35 anos anos de idade, justamente na fase em que estão se estabilizando na vida e cuidando dos seus filhos.
O que ocorre?
A pessoa começa a apresentar um declínio das funções do membro acometido pela Polio no passado. Pode haver, em maior ou menor grau, cansaço, dor, alteração na mecânica do corpo, sintomas psicológicos, déficit de memória e piora da atrofia muscular, inclusive com osteoporose associada. Nos casos mais sérios pode haver inclusive alteração na deglutição e na respiração.
O enfoque principal do tratamento é a fisioterapia motora, além dos cuidados de se evitar exposição a agentes tóxicos para o tecido nervoso, como as bebidas alcoólicas. Evitar o excesso de peso e uso de órteses de compensação, com bengalas, por exemplo, são estratégias que não podem ser esquecidas. Outra coisa importante: a exposição a baixas temperaturas é um agravante para a dor.
Os trabalhadores sintomáticos devem passar por consultas com médicos do trabalho a fim de, preferencialmente, serem reabilitados para uma função compatível com o novo quadro. Os trabalhadores em situação de invalidez devem ser encaminhados para exame médico-pericial, de acordo com o regime de previdência ao qual estejam vinculados.O trabalhador em alto risco social e que não esteja vinculado a nenhum seguro sendo, portanto, excluído do direito à percepção de benefícios por incapacidade, deve entrar com um requerimento de Amparo Social junto ao INSS, através do telefone 135.
A atual geração de médicos, esperamos, seja a última a ver tais casos. Tomara a SPP seja o último suspiro da nêmesis humana que foi a poliomielite e que ela sobreviva apenas em interessantes obras ficcionais como a de mesmo nome de Philip Roth. A SPP e as obras de arte servem para lembrarmos do medo e da tristeza que ela espalhou e ora espalha, para comemorarmos nossas conquistas e jamais esquecermos daqueles que trabalharam para que nos víssemos livres. Ao menos desse mal.
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Figura acima. Triste Herência. de Joaquín Sorolla (1863-1923). 212 cm × 288 cm, 1899. Coleção privada. A obra representa uma cena real da praia de Cabañal na cidade de Valência na Espanha. Nela são representadas crianças com problemas locomotores em um banho de mar em busca de suas propriedades curativas. A figura central é muito sugestiva de uma criança com as características sequelas da poliomielite, bastante comum na época, sendo amparada por um religioso da Ordem de San Juan de Dios.
Figura abaixo. Christina’s World de Andrew Wyeth (EUA, 1917-2009) de 1948. Têmpera em painel gessado. 81,9 x 121,3 cm. Museum of Modern Art, New York. Anna Christina Olson (1893-1968) foi acometida por uma doença degenerativa que a impediu de andar por volta de 1920. Apesar de não ter o diagnóstico correto, a paralisia foi atribuída à poliomielite. Wyeth a conheceu quando ela tinha aproximadamente 50 anos, apresentada por sua futura esposa, Betsy. A figura feminina que rasteja em direção à sua casa da fazenda, de fato a propriedade dos Olson, tem as pernas de Christina e o jovem torso de Betsy, à época, com pouco mais que vinte anos.
Discussão - 14 comentários
Excelente texto! Ta aí um aspecto que muitos desconhecem o pós... Agradecida por compartilhar o conhecimento. Agradecida pelos muitos pesquisadores que desenvolveram a vacina e hoje estarmos "livres" desta doença.
Abraços
Olá, tenho 41 anos e sou portador de pólio desde 1 ano e com sequela na perna direita e esquerda. Sou casado e tenho três maravilhosos filhos. Sempre fui a lutador, e nunca me senti um coitado por isso, tanto que tenho meu trabalho, etc. No entanto. Há alguns anos começaram as dores nas costas, joelho, quadris, ombro, pescoço, dificuldade para dormir, etc., tudo isso gradativamente. O diagnostico sempre é artrose, desgaste, o peso da idade,etc.Isso vem diminuindo minha qualidade de vida, pois, já não consigo mais fazer coisas que fazia antes. Gostaria de saber mais a respeito, como tipos de tratamento, o que é bioceramica e tudo mais que for possível. Ficarei muito grato se for atendida. Moro no Rio de Janeiro. e gostaria também de saber se há algum lugar por aqui que tem conhecimento sobre o assunto, pois, nunca médico nenhum falou comigo a respeito.
um abraço.
Caro Ismael,
A Síndrome pós-polio não tem relação com a artrose, ela é uma condição neurológica que pode causar em algumas pessoas insônia, redução da memória, dificuldade para deglutir e maior perda de massa muscular e força no membro afetado.
A sequela clássica de Poliomielite (que é diferente da Síndrome Pós-Poliomielite) inclui artrose precoce porque com a deformidade causada pela paralisia a articulação sofre carga anormal por má postura e desgasta mais cedo ou perde amplitude de movimentos mais cedo, bem como a diferença de altura entre as pernas pode promover dor tanto no quadril quanto na coluna lombar (mas não promove dor em ombros, por exemplo).
Pela sua descrição o sintoma predominante é uma dor que você localiza como sendo de origem articular e que inclui os membros superiores. Há muitas condições que podem estar relacionadas e que são independentes da Poliomielite. Acho você jovem para ter uma artrose avançada em tantos sítios ao ponto de justificar dor importante em todo corpo. Sugiro que você procure inicialmente um reumatologista para fazer o diagnóstico diferencial entre doença inflamatória, crônico-degenerativa, Fibromialgia ou sequela clássica de Poliomielite para as queixas da metade inferior do corpo associada a uma outra condição em membros superiores. Pela sua descrição é muito pouco provável que seja Síndrome pós-polio. A sequência da investigação vai depender de toda a história clínica, sua atividade de trabalho, histórico da sua família, seu perfil psicológico e o exame físico, que é um dos elementos mais importantes.
Um abraço e Feliz 2014!
Sou portadora da ssp, moro em Brasília-df, e gostaria de saber se aqui tem algum médico que se dedica a estudar e cuidar dos portadores dessa síndrome pôs pólio. Sinto dores tipo fibrimialgia,tenho insônia, dor de cabeça, dor e fraqueza no membro atingido. Sinto-me desamparada pois não tenho a quem recorrer, assim sem assistência já me vejo em uma cadeira de rodas. Tenho 62 anos e comecei a sentir esses sintomas aos 40 anos.
Não tinha consciencia de que haviam ocorrencias pós a doença, muito legal o artigo, bastante explícativo.
Tive pólio com 01 de idade, fiquei com sequela na perna direita e aos poucos meu pé ficou com o tornozelo totalmente deformado, a ponto de pisar praticamente com o peito do pé, isto é, totalmente virado para dentro, sentia-me horrível andando daquela forma sob os olhares curiosos ou de preconceitos das pessoas.
Aos 24 anos já sem condições de caminhar daquela forma, fui submetido a uma cirurgia de correção com tratamento de 06 meses em um hospital de São José do Rio Preto-SP. Melhorou, mas não me livrou das dores ao caminhar, isso durante a vida toda suportei esse incomodo até hoje, mas agora com a idade se tornou praticamente impossível levar uma vida normal face ao aumento das dores no pé direito.
Hoje com 61 anos os problemas se agravaram, a perna esquerda antes sadia apresenta desgastes no joelho e com protusão acetabular (Síndrome do Impacto) que me causa grandes dificuldades para caminhar. Tenho receio se os problemas se agravarem nas duas pernas, serei obrigado a andar de cadeira de rodas.
Tenho 30 anos de contribuição para o INSS e entrei com pedido de aposentadoria baseado na Lei Completar 142 e foi negada.
Procurei uma advogada que está trabalhando no caso já há 12 meses e ainda não foi avante. Fico preocupado, pois minha capacidade laboral está bastante limitada e isso me causa constrangimento diante dos colegas. Isso porque sinto que sou poupado de algumas tarefas pela chefia.
Tenho todos os sintomas da Síndrome Pós Pólio, entretanto não encontro médicos na minha região que faça o diagnóstico o que contribuiria para minha aposentadoria.
Rivaldo, você realizou avaliação com assistente social e perito? Procure saber qual foi a pontuação, a avaliação é feita com um instrumento chamado IFBr. Entre com um Recurso na mesma Agência da Previdência de preferência acostando comprovações mais antigas que você tiver (cópia de prontuário, por exemplo) e também as recentes. Essa avaliação não é de incapacidade, a LC 142 visa um encurtamento de tempo contributivo para uma compensação então se você só levou documentos recentes o prazo homologado de deficiência foi curto. Os quesitos relativos a trabalho na LC são quase irrelevantes, o que vale mais é conseguir homologar tempo (que no seu caso parece claro) e grau. Se você tiver fotos antigas também podem ser úteis. Na Justiça pode haver até confusão e homologarem aposentadoria por invalidez, o que não é interessante porque você pode querer atuar em qualquer área de modo remunerado depois de aposentado e vai haver impedimento. O melhor caminho é substanciar a documentação e interpor recurso administrativo mesmo. Boa sorte!
Obrigado Meire Santos, venho lutando com uma advogada desde dezembro/2015. Mas você sabe como funciona a Justiça no Brasil.
Portanto meu caso se agravou, meu pé direito está muito sensível, e sinto muita dor a ponto de não conseguir caminhar sem ajuda de uma bengala ou alguém. Meu médico me afastou por 90 dias. E o INSS marcou perícia para 31 de janeiro 2017. Vamos aguardar...
Mas uma vez obrigado pela dica. Deus te abençoe!
Rivaldo ligue para AACD eu faço tratamento lá e você consegue aposentar entregando a carta ao RH da sua empresa peça auxilio doença e depois de aposentadoria de deficiente...30 anos já pega a aposentadoria integral telefones..anote e ligue segunda feira dia 23 de janeiro..11-55760944/1155760776/0800144577 marcação de consulta..se tiver convenio eles atendem ou pelo SUS ..
Obrigado Iris pela informação, mas pelos telefones que você informou são de São Paulo(capital). E eu resido a mais de 550 quilômetros de São Paulo.
Mas minha cidade fica pertinho de São José do Rio Preto-SP, norte do Estado. E me parece que lá existe a AACD amanhã mesmo vou entrar em contato com eles. Obrigado, Deus te abençoe!
Gostaria que alguém que usa órtese para sequela de polio me enviasse o endereço de um fabricante que é faz com perfeição,pois até hoje as que tenho não me oferecem nenhum conforto .Agradeço imensamente quem puder me ajudar.
Por favor me ajudem.Tenho urgencia.
Olá, Mara. Infelizmente, o blog não permite anúncios comerciais. Espero que vc consiga o endereço logo. Obrigado pela visita.
Tenho poliomielite no membro inferior esquerdo desde 9 meses de idade, fiz uso de botas e 1 cirurgia.
Trabalhei em uma empresa por 24 anos, e antes de ser demitida fui em um posto do INSS pra tirar informações, sobre aposentadoria especial, chegando lá acabaram dando entrada.
Foi aprovada por deficiência moderada, porém fizeram contagem da contribuição errada.
Pediram que desse entrada no recurso, pra acertar, porém desde então (2014), até hj nunca consegui resolver.
Por 2 vezes eu passei pelo perito e pela assistente social.
E pela terceira vez, passei por uma médica pra fazer perícia, que alegou que eu até teria me casado, tido filhos, estudado, trabalhado, como se uma pessoa que tem uma deficiência não pudesse manter sua vida, se não fica provado que não tem deficiência.
Agora não seu como devo proceder, estou cansada de lutar com isso.
E pra ajudar de 5 anos pra cá, tenho dores diárias nas costas pernas e braços, perco sono, durmo e acordo como se não tivesse descansado nada.