Anemia Falciforme – A Revanche

ResearchBlogging.orgVamos retomar o tema sobre a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de enviar a júri popular os pais da menina que não permitiram uma transfusão de sangue que poderia ter salvo a vida dela por questões religiosas. As Testemunhas de Jeová (TJ) são uma seita cristã fundamentalista, baseada em Nova York, cujos seguidores acreditam que a Bíblia é a verdadeira palavra de Deus. Há cerca de 5.500.000 membros batizados, 125.000 dos quais residem no Reino Unido. Para muitas pessoas, as TJ são conhecidas por sua recusa absoluta de produtos derivados de sangue, mesmo quando isso pode resultar em sua própria morte ou de seus entes queridos. Esta recusa é baseada em três passagens bíblicas que supostamente proíbem a transfusão: Gênesis 9:4, Levítico 17:11-14 e Atos 15:20,29. São as mesmas passagens utilizadas para justificar alguns procedimentos da comida Kosher judaica. (Veja aqui maiores informações sobre a teologia dos membros dessa seita religiosa, em inglês, e uma boa crítica teológica). A punição para quem aceita hemoderivados é a perda da vida eterna e, na Terra, um tipo de excomunhão. Punições, temos que convir, severíssimas para quem faz parte da comunidade e tem a vida eterna como objetivo pós-morte.

A discussão aqui se limita ao fato de que a criança, na época com 13 anos de idade, não tinha como se posicionar a respeito desse problema, assim como de outros relativos à sua idade, sendo os pais, os responsáveis por decidir por ela. Entretanto, dado que a decisão dizia respeito diretamente a sua vida e tendo ela direito de viver, poderia o Estado ir contra uma decisão “parental” que atentasse contra a existência da menina. As TJ sempre invocam legislações de direitos humanos para justificar a recusa dos pais em transfundir hemoderivados a crianças. Essa história é bem antiga. Uma longa lista de eventos na luta por direitos humanos começou com a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e teve, como capítulo importante para a medicina, a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, conhecida como Consenso de Oviedo, em especial para Europa[1]. Houve, nesse caso, também a interferência de um médico que, partidário da seita, segundo consta nos autos, pressionou a equipe médica que a assistia e que, por essa razão, está sendo processado também. “Cortes por todo o mundo ocidental reconhecem os direitos dos pais, mas esses direitos não são absolutos. Os direitos dos pais em criar suas crianças são identificados como o dever de assegurar sua saúde, segurança e bem-estar. Os pais não podem tomar decisões que possam permanentemente colocar em risco ou comprometer sua saúde. Se essa recusa resultar em sofrimento da criança, os pais podem ser incriminados. Entretanto, os processos raramente ocorrem.” A crença é livre. Agir, ou deixar de agir, tendo como único guia uma crença não reconhecida como corpo de conhecimento técnico utilizável na prática médica, não.

O estudo abaixo [2] verificou a legislação de países com língua inglesa quanto a recusa da transfusão de hemoderivados à criança pelos pais legais. Nos EUA, temos as seguintes conclusões:

1. Os interesses da criança e do Estado superam o de uma recusa de tratamento médico pelos pais.
2. Os direitos dos pais não asseguram direitos sobre a vida e a morte de suas crianças.
3. Os pais não têm direitos absolutos sobre a recusa de tratamento médico sobre suas crianças baseados em suas crenças religiosas.

No Reino Unido, a legislação para esse tipo de problema, como quase tudo lá, foi estabelecida no ano de 1875 e permanece inalterada: pais que falham em obter tratamento médico adequado para suas crianças estão sujeitos às penas da lei, mesmo se essa falha está baseada em religião. Na Austrália, a prerrogativa é do médico e nenhuma interferência deve ser aceita quando se tratar de uma criança.

No Brasil, um parecer do Conselho Federal de Medicina de 1980 estabelece que: Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta: 1º – Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 2º – Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

Nesse caso específico, eu achei correto o encaminhamento dos pais a júri popular. Que a sociedade julgue esse tipo de decisão. Me pareceu especialmente perfeita a colocação do juiz do caso Prince vs Massachusetts, EUA,1944 [3]

“Pais estão livres para tornar-se mártires. Mas isso não significa que eles podem, em circunstâncias idênticas, tornar mártires suas próprias crianças”.

[1] Sr. Avelino Retamales, Dr. Gonzalo Cardemil. Rev Méd Chile 2009; 137: 1388-1394.
[2] Woolley, S. (2005). Children of Jehovah’s Witnesses and adolescent Jehovah’s Witnesses: what are their rights? Archives of Disease in Childhood, 90 (7), 715-719 DOI: 10.1136/adc.2004.067843
[3] Prince v Massachusetts (1944) 321 US 158.

Livro “A Ilusão da Alma” de Giannetti

Ganhei de presente o livro, com dedicatória e tudo, com a promessa de que leria e escreveria alguma coisa. Alguma coisa aí vai…

I

É uma novela autobiográfica. Ou um ensaio ficcional. Ou como disse Fernando Meirelles, um thriller ensaístico (voltarei a isso mais tarde). Conta a história de um professor de literatura especializado em Machado de Assis que se vê às voltas com um tumor cerebral bastante peculiar. Dividido em três partes específicas, 1. O tumor físico; 2. Libido Sciendi e 3. O tumor metafísico, narra como o aparecimento de um tumor no lobo temporal do protagonista transmuda sua visão de mundo. Mais, como esta visão fica refém de um tipo específico de filosofia chamado fisicalismo (mais, logo abaixo). Sim, é um livro sobre filosofia da mente e isso é bom e ruim.

II

O tumor físico. Achei o começo do livro interessante. Uma mistura de neurofisiologia com Machado me pareceu promissora. Apesar do narrador-protagonista dar bastante velocidade à prosa, a narrativa fica um pouco aborrecida. Metáforas um pouco forçadas (“riso de hienas num funeral”, alternância de explicações complexas (funcionamento do corpo caloso) com outras bastante batidas e clichês (dissecção da palavra melancolia, uma menção de que Aristóteles achava que o cérebro serviria para “esfriar” o sangue proveniente do coração – não seriam os pulmões?) e o excesso de citações, algumas um pouco fora de contexto (não nos deixando jamais esquecer que Giannetti lançou um livro só delas há 2 anos), fizeram a leitura um pouco laboriosa.

III


Libido Sciendi. Aqui o livro entra de cara no problema mente-cérebro e Giannetti se mostra um grande didático e autodidata. Coloca alguns problemas que já abordamos aqui, como nesta passagem:

“(…) não é coisa fácil para o ser humano apreender impessoalmente a si próprio e à maneira como vê o mundo; percebi que fazer isso exigia uma postura distinta daquela a que estamos habituados na vida comum. Precisava de algum modo me afastar e recuar de mim mesmo, alcançar um grau de distanciamento que me permitisse olhar-me de fora, o mais friamente possível, com o mesmo espírito com que um botânico coleta e examina variedades de orquídeas ou um musicólogo analisa a partitura de uma sonata.”

Ou seja, Rogozov. De importante, no capítulo 17 a menção do riquíssimo conto machadiano “O Espelho” (ver uma boa análise aqui) e a “teoria das duas almas” que será usada ao longo de todo o livro. No capítulo 19, o confrontamento anunciado na “orelha” do livro e no seu dorso: Demócrito vs Sócrates. A partir do Fédon de Platão e da narrativa da morte de Sócrates, o narrador-personagem coloca a decisão deste em não fugir e submeter-se às leis de Atenas como um conflito arquetípico entre o fisicalismo e o mentalismo. Demócrito de Abdera já foi taxado de materialista (tese de Marx), antinaturalista (tese de Clément Rosset) e fisicalista, este último termo especificamente relacionado à produção da mente pelo cérebro. Ele e seu mestre Leucipo, de quem pouco se sabe, resolveram o problema heráclito-parmenidiano com o atomismo. Tudo flui na aparência, mas os átomos que constituem todo o universo, continuam iguais, unos e indivisíveis. O fisicalismo, por sua vez, sustenta que tudo o que existe está e é sujeito às leis físicas o que implica que o que chamamos de “vontade”, “livre-arbítrio” e outras cositas são vícios de linguagem e, de fato, seriam apenas configurações neuronais que se deixariam perceber pela consciência. O mentalismo é a visão de que a mente é a real causa da vontade e que apenas a partir dela ocorrem os fenômenos in concert que determinam os comportamentos humanos (cobrir-se quando se tem frio, procurar comida quando se tem fome, etc). Tendo a decisão de Sócrates de tomar a cicuta que lhe fora sentenciada sido interpretada através dos milênios como uma decisão moral – tipicamente mentalista – na página 107, escreve-se:

“A perspectiva fisicalista contesta a versão mentalista do comportamento de Sócrates e oferece uma explicação alternativa. Os três componentes da ação do filósofo de não fugir mas aceitar a pena que lhe foi imposta precisam ser melhor analisados e devidamente entendidos. (…) E, por fim, como o juízo de valor e a vontade consciente – dois estados mentais – são capazes de acionar e pôr em movimento (neste caso em repouso) os músculos e tendões do filósofo – estados do corpo?”

E arremata:

“O homem moral socrático, argumenta a filosofia fisicalista, não passa de um subproduto fantasioso – e com forte componente narcísico – do homem natural atomista. Um arco-íris pré-newtoniano.”

Bonito, né? Mas isso joga a discussão para o lado mais profundo e escuro do lago: o elo causal entre o pensar e o agir. Há uma diferença entre pensar/querer e ter consciência de que se está pensando/querendo. O narrador cita então estudos de Benjamin Libet em “que a escalada de atividade neural – o evento físico no cérebro – precede no tempo não apenas a ação muscular, mas também o evento mental, ou seja, a própria consciência da decisão de agir” por uns parcos três décimos de segundo. Mas, precede. O resto é argumentação em cima disso e uma sensação de estarmos folheando uma revista, tantas as citações e cores com que se pintam o quadro.

IV

O tumor metafísico. Não é à toa que a terceira parte do livro começa com uma citação de Sören Kierkegaard. No capítulo 33, o narrador aventa a possibilidade de que o livro poderia ser um thriller e esse exato momento, seria o do crime. O capítulo 34 é o dramalhão do narrador por acreditar em algo extremamente terrível e, pior, nas suas consequências. Nesse meio tempo, tome William James: “meu primeiro ato de livre-arbítrio será acreditar no livre-arbítrio”; pau no Dawkins (adorei essa, hehe): “para quem crenças humanas são dóceis e podem ser ligadas e desligadas como interruptores de abajur”; além de Bentinho e Sócrates. Como consequências da ideia e mais terríveis do que ela própria temos que: “É ilusão tomar como causa aquilo que sobe à consciência como um ato de vontade, fruto da intenção de agir” e principalmente esta:

“Um estado mental (“preciso almoçar”) nunca é realmente produzido por outro estado mental (“estou com fome”); todos são produzidos por estados do cérebro. Quando um pensamento parece suscitar outro por associação, não é na verdade um pensamento que puxa ou atrai outro pensamento – a associação não se dá entre os dois pensamentos, mas sim entre os dois estados do cérebro ou dos nervos subjacentes a esses pensamentos”.

Trocando “nervos subjacentes a esses pensamentos” por “núcleos neuronais” ou coisa parecida, fica um pouco melhor. Segue-se um exercício inapelável de lógica:

“A ideia é tremenda, mas basta um silogismo para resumi-la. As leis e regularidades que regem o mundo são independentes da minha vontade (premissa maior); a minha vontade é fruto das mesmas leis e regularidades que regem o mundo (premissa menor); logo, a minha vontade é independente da minha vontade (conclusão).”

Isso nos torna algo como autômatos, ensopados de serotonina e dopamina, cujas concentrações determinam minha vontade de transar com minha mulher hoje ou comer um pizza de calabresa. O narrador se apavora com isso e também com o fato de que o médico que o operou, não está nem aí para essa vãs filosofias. O livro melhora substancialmente. Algumas tiradas geniais e citações bem colocadas, trazem o leitor de volta à vida do personagem que fica, pasmem, bem mais interessante, no papel de robozão. Talvez uma contradição mesma do livro.

V

Numa mistura de “O Mundo de Sofia” com “Trem Noturno para Lisboa” e pitadas de insanidade de “Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas“, o livro tem um final interessante e uma provocação: após mostrar que “lutar” contra o fisicalismo é entrar em uma luta imaginária, o narrador instiga o leitor a refutá-lo. Tentarei discutir um pouco mais sobre isso nos próximos posts e talvez se mostre o bom e o ruim, a dor e a delícia, de discutir filosofia da mente.

Para um resumo de uma palestra de Giannetti sobre o livro ver aqui.

Atualização

Veja o excelente post no Amigo de Montaigne, sobre o “Erro de Giannetti”.

A Ilusão da Alma

Sobre Candidatos e Doenças

A campanha eleitoral me deu um exemplo bem interessante do que vem ocorrendo com o conceito de doença.

Não sou analista político, mas pelo que tenho visto e (para minha surpresa!) em concordância com alguns autores bem famosões, o debate político foi propositalmente evaporado da propaganda eleitoral. Cada vez mais o objetivo dos marqueteiros eleitorais é “construir” seus candidatos fortalecendo os pontos positivos que têm e “trabalhando” os negativos, de modo a “produzir” uma imagem que seja não só forte, mas que, literalmente, engula a do adversário, angariando o que importa: o voto, tal como um produto a ser comprado. Por impulso, de preferência. O debate político mesmo, tipo esquerda vs direita, oposição e governo, política externa, reforma política, reforma fiscal, etc, etc, este foi para o beleléu faz tempo.

Grosso modo, o caso dos candidatos serve para entender o que aconteceu com o que se pode chamar de “conceito de doença contemporâneo”. A exemplo do que ocorre com o marketing político em relação aos candidatos, houve uma virtualização da doença. A influência da tecnologia, em especial das novas tecnologias de imagem (mas também da nova patologia – depois eu falo mais dela), sobre a racionalidade médica é tão grande que elas passaram a constituir a doença. Se por um lado, isso significa que algumas doenças não podem ser concebidas sem essa “visão tecnológica” o que, por si só, não se configura como uma coisa ruim; por outro, essa abordagem pode, ao levar-nos para um substituto virtual de realidade, ela mesma criar algumas doenças/problemas. A tendência em se tratar os exames é muito grande com todos os problemas que isso possa acarretar. O mais interessante é que vários pacientes PEDEM por isso. O diagnóstico de uma doença baseado apenas em critérios clínicos é muito difícil de ser aceito. “Mas doutor, não há nenhum exame que comprove isso que está dizendo?” Não, não há. O diagnóstico é clínico, baseado APENAS na história e no exame físico.

Se o paradigma de racionalidade fosse simplesmente a ciência, não acho que seria de todo ruim. Mas, nosso paradigma de racionalidade atual é o que a ciência tem de mais hollywoodiano: a tecnologia. Em especial, a tecnologia que aparece na mídia. Visto dessa forma, é muito difícil estar “racionalmente correto” sem a utilização de uma “tecnologia avançada” consensualmente aceita. Já foi o ultrassom, a tomografia, a ressonância. Hoje é o PET, as múltiplas biópsias, os robôs.

Com o perdão da comparação de mau gosto entre candidatos e doenças, o paralelo me foi inevitável. A discussão política passou ao largo, assim como passa a discussão real sobre o impacto de determinado achado de exame na possibilidade de um ser humano específico ser feliz.

Sêo Google e Eu

ResearchBlogging.orgDepois de tanto tempo sem escrever, tinha que voltar com uma medaglia para não perder os poucos (porém, altamente esclarecidos e de extremo bom gosto, diga-se de passagem) leitores desse blog. Que assim seja, então.

Vamos colocar as peças do xadrez no tabuleiro. Qual é a principal biblioteca de artigos médicos que existe? Se você perguntar para qualquer aluno de medicina, residente, pós-graduando, a resposta é unânime: a MEDLINE acessível através da internet pela PubMed da National Library of Medicine. Essa, por sua vez, pertence aos prestigiosos National Institutes of Health americanos, instituição ligada ao ministério da saúde deles, com uma verba gigantesca e que seria o equivalente nosso a uma FAPESP da área da saúde atuando em todo o território nacional. Ou seja, não tem equivalente no Brasil! Qualquer levantamento bibliográfico que se preze tem como ponto de partida as publicações encontradas na PubMed; os principais jornais de medicina e da ciência médica estão catalogados lá e o sonho de todo médico é ter um publicação “indexada”, isso dá pontos no currículo, consegue ganhar concursos e mais bolsas ($).

Há outras fontes de referência médica, entretanto. Inúmeras, eu diria. No Brasil temos a fantástica Scielo com quase 70 títulos da área da saúde, e que tem muitos outros ainda sobre ciência médica. Há o Ovid da Wolters & Kluwer, repositório pago de várias revistas de qualidade com versão de texto integral. Há também o Up-to-Date. Criado inicialmente para nefrologia, se expandiu para todas outras especialidades e virou uma fonte de referência fundamental para quem pode pagar 495 dólares por uma assinatura anual. Os artigos são atualizados com frequência, práticos e trazem referências bibliográficas-chave para compreensão do assunto. Poderiamos citar ainda o Scopus, a Web of Science, o JSTOR e o Google… O Sêo Google é um caso especial. O sucesso foi tão grande que resolveram lançar o Google Acadêmico. Muita gente já procurava coisas científicas antes dele. Médicos também. Existem alguns estudos sobre sua relação com os médicos, em geral positivos. “Peraí, você tá querendo dizer que médico consulta o Google quando quer tirar dúvida sobre paciente?” Sim, estou. Mas isso é ruim?

Os autores do estudo da medaglia, pensaram o seguinte: 1. há questões médicas altamente complexas que têm uma resposta definitiva, baseada em evidências; 2. é impossível para qualquer indivíduo reter toda a informação médica relevante para sua prática; 3. o médico não quer perder mais que alguns minutos procurando informações que respondam questões médicas relevantes; 4. há diferentes ferramentas para navegar no oceano de informação médica.

Baseados nessas premissas, bolaram um experimento com estudantes, residentes e médicos assistentes. Enviaram 4 perguntas de anestesiologia ou terapia intensiva para os caras e mandaram responder em 5 minutos usando as seguintes ferramentas e apenas 1 para cada pergunta: Google, Ovid, PubMed ou Up-To-Date. No final, tinham que ranquear as respostas que acharam (em termos da confiança nela) de 1 a 4. Algumas semanas depois, os médicos foram solicitados a responder 8 perguntas, incluindo novamente as 4 antigas. Dessa vez, foram sorteados sobre qual  das 4 ferramentas utilizar para todas as perguntas. Conclusão? Quem usou o Google e o Up-to-date respondeu as questões mais rápido e mais certo. O Up-to-date teve o maior grau de confiabilidade. Ambos venceram a PubMed e o Ovid.

A indissociável vinculação com a prática faz da medicina um campo experimental interessante. Já disse que temos uma visão utilitarista da ciência, mas respostas práticas são respostas práticas e necessitam ser dadas na trincheira do dia-a-dia do médico. Da mesma forma que as discussões de botequim mudaram (“quem foi o campeão paulista de futebol de 1945?”), as profissionais e altamente especializadas, também (“qual enzima metaboliza a succinil-coenzima A em ácido d-amino levulínico?” – que é uma questão do estudo!). Os autores deixam transparecer na discussão duas coisas interessantes. A primeira é que o estudo tem um viés que é o fato de conter mais médicos juniores (residentes e estudantes de medicina), talvez um pouco mais habituados a lidar com as novas tecnologias. O segundo é que os médicos seniores, assistentes do serviço, estavam meio que desclassificando as perguntas respondidas por intermédio do Google. Os meninos teriam protestado: “não há comprovação de que isso possa desclassificar uma resposta!” Comprovação que agora existe. Não só funciona mais rápido, mas também melhor. Sinal dos tempos…

Thiele, R., Poiro, N., Scalzo, D., & Nemergut, E. (2010). Speed, accuracy, and confidence in Google, Ovid, PubMed, and UpToDate: results of a randomised trial Postgraduate Medical Journal, 86 (1018), 459-465 DOI: 10.1136/pgmj.2010.098053

DEK – Doença

O dicionário etimológico do Karl (DEK) chega à Letra D. Os verbetes precedentes podem ser vistos em A, B, C.

A letra D tem vários descritores do padecimento físico humano (e também de animais) além de doença, como por exemplo,  desordem, distúrbio, disfunção e desarranjo, além dos conhecidos moléstia, mal, enfermidade e transtorno. Doença vem do latim dolentia que quer dizer sofrimento e originou indolente e a própria dolência. Existe também, em latim, a palavra morbus com o significado mesmo de doença, em geral utilizada para nomeá-las, a mais conhecida sendo Morbus Gallicus (quero ver quem sabe essa!). A essa altura, já tem gente perguntando, “mas e em grego não tem nada?” Tem.  Em grego, existe a palavra nósos (νόσος) que também quer dizer doença e é usada nos termos nosologia, nosocômio, entidade nosológica para descrever uma classificação de doenças, hospital e a doença em si, respectivamente.

Entretanto, pelo menos do ponto de vista médico, os campos semânticos de todos esses termos não são exatamente iguais. Essa diferenciação fica ainda mais clara em inglês. As palavras disease, sickness, illness têm significados diferentes. Disease é o alvo ontológico do médico. Vem de des- “sem, à parte de” + aise (ease) “bem, calmo”. Por disease, entende-se o desarranjo anatômico, bioquímico, genético ou psicológico cujas consequências, modos de identificação e tratamento, lemos nos tratados de medicina. O termo disease (assim como doença) é bastante ambíguo e existem várias teorias que tentam generalizar o conceito de forma a operacionalizá-lo, o que não é fácil. Illness é o que o paciente apresenta tendo uma disease ou desordem-alvo, exibindo sintomas (alterações que ele ou ela mesmo sente) ou sinais (alterações que o médico percebe por meio do exame clínico). Há ainda a sickness ou predicament que são as perspectivas sociais, psicológicas e/ou econômicas que o paciente apresenta por estar com a disease. Em português, essa diferenciação não foi tão bem marcada e costumamos ainda usar os termos indistintamente.

Por essas definições, temos que o médico deve focar na illness para identificar a disease com um olho no predicament. Mais formalmente, como colocou Sackett, o diagnóstico é “um esforço em reconhecer a classe ou grupo ao qual a illness do paciente pertence de modo que, baseado em nossa experiência prévia, nossos atos subsequentes possam maximizar sua saúde.”

Referências Bibliográficas

1. Taylor, DC. The components of sickness: Disease, illness and predicaments. Lancet, 1979;2:1008-1010.
2. Sackett, DL et al. Clinical Epidemiology. 2nd Ed.

Ácidos, Bases e UTI V

Chegamos ao final dessa longa série que se iniciou aqui. Nesse post veremos que o estrago causado pela epidemia de poliomielite na década de 50 reverteu em tecnologia e conceitos médicos amplamente utilizados hoje. Veremos como um passo simples de um médico, associando tecnologia, bom-senso e novos conceitos, pôde mudar a forma de todos os médicos ver determinados tipos de paciente.

A EPIDEMIA DE POLIOMIELITE DOS ANOS 50 – O DESENVOLVIMENTO DO ELETRODO DE pH

Poliomielite. A palavra vem de Polios, cinza e Myelos, medula espinhal. As palavras provenientes do grego batizaram uma das mais temidas doenças da Humanidade. Hoje, Poliomielite ou simplesmente, Pólio. A Pólio foi a doença que teve a mais decisiva e triste participação na História do Equilíbrio Ácido-Base, provocando o surgimento das Unidades de Terapia Intensiva e da própria Ventilação Mecânica como ciência. Seu nome descreve seu alvo predileto: causa destruição completa dos neurônios da porção anterior da substância cinzenta da medula. Sua complicação mais temida é a paralisia dos músculos respiratórios. Os pacientes desenvolvem respiração rápida e superficial, ficando plenamente conscientes até não suportarem mais o comprometimento de suas funções vitais e morrerem lentamente. Com a paralisia do diafragma e da musculatura intercostal, o tórax permanece quase completamente imóvel. O uso da musculatura acessória do pescoço confere ao paciente um aspecto dramático, de extremo sofrimento e sufocação. A Pólio era endêmica nas décadas de 40 e 50 na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil (para interessante história da pólio no Brasil e da epidemia de 1953 no Rio de Janeiro, ver Campos), causando pequenos surtos em locais isolados, acometendo na sua maioria, crianças menores que 5 anos, com raras complicações respiratórias, mas com as seqüelas motoras conhecidas. Em Copenhagen, a epidemia de Pólio do final do verão de 1952, pegou de surpresa o sistema de saúde e o Blegdanhospitalet da capital dinamarquesa pelo número de casos, pela faixa etária acometida e pelos casos de paralisia bulbar que causava.

Bjorn Ibsen 1915-2007

Bjorn Ibsen 1915-2007

Dos 31 casos que deram entrada no pronto-socorro, 27 haviam morrido, grande parte, nos três primeiros dias da doença. A maioria era de crianças entre 5 e 9 anos de idade. A principal causa de morte eram complicações respiratórias. Totalmente desesperada, a equipe do professor Henry Cai Alexander LASSEN (1900-1974) solicitou uma avaliação de Björn IBSEN (1915-2007)(foto ao lado), anestesista do centro cirúrgico do Rigshospitalet, no dia 25 de Agosto de 1952. Lassen sabia que o jovem Ibsen tinha idéias não convencionais sobre a abordagem desses pacientes aprendidas em sua residência de anestesiologia em Boston. Ibsen então, analisou o resultado de 4 necrópsias de pacientes mortos no dia anterior, inclusive a de um garoto de 12 anos, cujo pulmão não se revelara tão comprometido. Seus achados não justificavam o fato de não se conseguir ventilá-lo no “pulmão de aço” (foto abaixo), um ventilador com pressão negativa, única forma de ventilação mecânica da época. As dosagens sangüíneas revelavam sempre um conteúdo aumentado de CO2 total, usado como análogo do bicarbonato que utilizamos hoje. Isso ocorria porque o único método disponível para a realização dessas dosagens era o método de Van Slyke. Por quase meio século Donald D. Van Slyke (1883-1971) do Instituto Rockfeller de Nova Iorque, dominou a teoria e os métodos sobre a química do sangue. Seu aparelho media o conteúdo total de CO2 ou o bicarbonato que ele chamava de BHCO3 em um pH conhecido de 7,4, pois o pH sanguíneo tinha enormes dificuldades técnicas para ser medido e não era um procedimento rotineiro. Isso, inicialmente, levou os médicos a pensar que os pacientes sofriam de algum tipo de “alcalose” desconhecida até então. A 32a paciente, uma menina de 12 anos chamada Vivi, com quadro respiratório deteriorando rapidamente, foi a prova de fogo para que Ibsen pudesse demonstrar suas idéias. Ele reconhecia o quadro clínico de doença como sendo semelhante aos efeitos do curare e sugeriu traqueostomia e ventilação mecânica. Entretanto, todas as tentativas de ventilá-la no “pulmão de aço” foram em vão. Ela ficava cianótica e começava a “brigar” com o ventilador. Havia um aparelho, o Carbovisor Brinkman que, funcionando como um capnógrafo (aparelho que mede o CO2 expirado), permitia a leitura por infravermelho, dos níveis de CO2 do paciente, mas tinha o inconveniente de necessitar ser instalado em um dos brônquios principais. Feito isso, Ibsen pôde demonstrar que a excreção de CO2 da paciente estava muito aumentada e crescia ainda mais quando colocada no “pulmão de aço”. Isso obrigou Ibsen, a mantê-la sob ventilação com bolsa-válvula (“ambu”) que permitia pressão positiva realizada

"Pulmões de Aço" - Década de 50

“Pulmões de Aço” – Década de 50

manualmente. Logo, o número de médicos e funcionários não era suficiente para ventilar todos os pacientes 24 horas por dia. Foram chamados os estudantes de Medicina e finalmente a população da cidade para ajudar a comprimir bolsas de borracha e insuflar manualmente os pulmões de centenas de pacientes. No pico da epidemia, aproximadamente 60 pacientes por dia davam entrada no hospital, que teve seus 500 leitos, todos recrutados para Pólio. Foi conveniente reunir os pacientes mais graves, com muita secreção e os candidatos à ventilação com pressão positiva em grande salões que ficaram conhecidos como unidades de cuidados intensivos, principalmente em função da ventilação mecânica. Haviam plantonistas cirurgiões otorrinolaringológicos, enfermeiras, fisioterapeutas e anestesistas 24 horas por dia. Os doentes foram divididos em “secos” e “molhados” (dry e wet) conforme a aparência de suas secreções. Isso era, segundo Ibsen, o determinante principal de sua adaptação ao “pulmão de aço” (secos) ou se havia necessidade de pressão positiva (molhados). Devido ao seu treinamento, Ibsen pôde organizar frente a uma catástrofe social, o que hoje conhecemos como unidades de terapia intensiva. Devemos considerar portanto, Björn Ibsen como o criador da Terapia Intensiva como especialidade, lembrando que isso se confunde com o aparecimento da ventilação mecânica como medida de suporte, fora do ambiente do centro cirúrgico. Quando Ibsen, ao avaliar uma menina com insuficiência respiratória, interpretou corretamente as alterações dos gases sangüíneos e a compensação do organismo na tentativa de corrigir essas alterações, tinha sobre seus ombros 118 anos de investigação científica árdua, que ele trouxe à tona nos segundos em que tomou sua decisão. Seu tratamento considerado agressivo, revelou-se salvador de inúmeras vidas. Esse comportamento talvez seja o que caracteriza de forma mais completa a profissão de médico. Fortemente embasada em conhecimentos científicos, a Medicina não pode deixar nunca de ser a profissão de cuidar do ser humano enfermo. A Equação de Henderson-Hasselbalch, filha legítima da Físico-Química, encaixava-se perfeitamente a essa nova mentalidade. Faltava, entretanto, tecnologia para dosar os componente
s da equação.

Poul Bjordahl Astrup 1915-2000

A partir da epidemia de Pólio, passou-se a ter um grande interesse em dosar os gases sangüineos, bem como o pH. O diretor do laboratório clínico do Blegdanhospitalet chamava-se Poul Björdahl ASTRUP (1915-2000)(foto ao lado) do qual falaremos mais tarde, mas que foi quem possibilitou grandes avanços, pois percebeu que era necessário dosar o pH mais rapidamente para orientar os estudantes de como conduzir a ventilação manual dos pacientes. As pesquisas que já vinham sendo conduzidas desde então ganharam grande impulso. A evolução tecnológica dos eletrodos dos gases sanguíneos foge dos objetivos deste post e, por esta razão, passaremos a falar apenas do desenvolvimento dos eletrodos utilizados hoje, na gasometria moderna, omitindo as dosagens realizadas de outras, muitas vezes, extremamente engenhosas, maneiras. O pH já vinha sendo dosado com certa precisão desde Sörensen. Várias publicações se sucederam com metodologias para sua dosagem. Depois dos estudos de Hasselbalch, vários grupos de pesquisa passaram a se interessar pelo equilíbrio ácido-base do sangue dos seres vivos e as melhorias tecnológicas permitiram resultados cada vez mais precisos. Em 1906, CREMER notou que uma fina membrana de vidro se comportava como se fosse permeável aos íons hidrogênio. A membrana de vidro desenvolvia um potencial dependendo do pH através dela. Em 1925, KERRIDGE converteu essa observação no primeiro eletrodo de vidro para medir pH e o primeiro eletrodo de pH comercialmente disponível foi produzido em 1933, sem despertar a atenção da comunidade médica até a epidemia de pólio.

“Da experiência em diagnosticar e tratar a Cólera, os cientistas médicos aprenderam balanço hidroeletrolítico. Da Diabetes, o balanço ácido-base. De maneira similar, das necessidades para o tratamento da Pólio vieram a ventilação mecânica e as medidas da tensão de gás carbônico (pCO2).” Assim começa o segundo capítulo da série History of Blood Gases Analysis de John SEVERINGHAUS. Quando a relação entre o pH, pCO2 e CO2 total foi esclarecida pela equação de Henderson-Hasselbalch, tornou-se possível determinar o pCO2 pela medida do pH e do conteúdo de CO2. Tecnicamente, isso era uma tarefa difícil porque o oxigênio tinha que ser totalmente removido da amostra, além do que o pK exato do ácido carbônico deveria ser conhecido para as condições e temperatura in vivo. Mas os trabalhos de Ole SIGGAARD-ANDERSEN e Poul ASTRUP, bem como os de Severinghaus, ajudaram a suplantar essas dificuldades e as gasometrias da época tinham medidos o pH e o conteúdo de CO2 e, através da equação de Henderson-Hasselbalch, calculada a pCO2. O cuidado com os tampões, temperatura, contaminação dos eletrodos dificultava demais a avaliação clínica das gasometrias. No outono de 1953, Richard STOW, um físico especializado em medidas de CO2 no ar expirado, chegava a Ohio como o único não-clínico de uma enorme equipe de reabilitação física do hospital universitário. O número de pessoas com acometimento respiratório pela Pólio era muito grande e as dependências do local viviam lotadas o ano todo. Ele observou como era difícil para os clínicos ajustar o nível dos gases sangüineos dos pacientes que necessitavam ventilação artificial. Pensou que seria muito mais fácil medir diretamente a pCO2 do que calculá-la de maneira indireta. Foi associando dois eletrodos, um eletrodo de pH e conseguindo isolar outro de prova, que Stow apresentou seu eletrodo de pCO2 em um congresso em 1954 e na forma de artigo em 1957. Bradley e Severinghaus melhoraram o desempenho do eletrodo e estabilizaram-no com bicarbonato, associando-o ao eletrodo de O2 de Clark. Em 13 de Maio de 1958, um artigo intitulado Electrodes for Blood PO2 and PCO2 Determination foi enviado ao Journal of Applied Physiology e publicado em Novembro do mesmo ano. Logo que Severinghaus chegou a San Francisco, encontrou o engenheiro Forrest BIRD, criador da série Bird de ventiladores pneumáticos, e pediu uma sugestão de quem poderia fabricar o aparelho de
gasometria. Bird sugeriu a National Welding Company, que estava fabricando seus aparelhos, e o eletrodo começou a ser comercializado. Interessante notar, que dois alemães também desenvolveram um eletrodo de CO2 na mesma época, basicamente com os mesmos princípios de Stow: São eles Karl GERTZ e Hans LOESCHCKE de Göttingen, não por acaso, cidade onde trabalhava Nernst, publicando seus estudos em 1958. Nesse mesmo ano, a Yellow Springs Instruments Company começou a comercializar um aparelho para medir a PO2 e o pH. Severinghaus e Bradley modificaram o aparelho incluindo o eletrodo de CO2 nele. Assim, começou a era da monitorização dos gases sangüineos. A partir dessa época, a equação de Henderson-Hasselbalch passou a ser utilizada, não mais para calcular a pCO2, mas para calcular o bicarbonato, tal como fazemos hoje. O aparelho de gasometria moderno dosa diretamente do sangue o pH, a pO2 e a pCO2. Todas as outras variáveis são calculadas a partir dessas, por nomogramas que nada mais são que tabelas tiradas da equação de Henderson-Hasselbalch. Como o CO2 total era uma variável com a qual os clínicos acostumaram-se a trabalhar, foi mantida na gasometria moderna. Agora é, entretanto, derivada da dosagem de pCO2, não havendo mais sentido em utilizá-la, visto que pode causar confusão em algumas situações (ver acima, caso da Pólio). Assim, depois de mais de 120 anos de história, a gasometria incorporou-se a prática clínica. É interessante, notar que as unidades de terapia intensiva, os ventiladores mecânicos e a própria gasometria como ferramenta diagnóstica, surgiram quase que simultaneamente para os médicos. A gasometria propriamente dita e sua interpretação baseada na equação de Henderson-Hasselbalch, têm pouco mais de 50 anos de história.

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Observações e Bibliografia

1. Para obituários e biografia de Bjorn Aagen Ibsen, ver em português aqui e em inglês, aqui. O discurso de homenagem da sociedade portuguesa de anestesia tem alguns erros (também cometidos por outros artigos que vi), o principal deles é o nome do chefe do Bl
eg
dam, Henry Cai Alexander (e não Hans Christian) Lassen.
2. O Blegdamhospitalet foi demolido
na década de 1970 para a construção do Instituto Panum. O hospital foi construído entre 1878-1880 por William Fried Erichsen e reformado pelo arquiteto Ludvig Fenger. A escultura do portal de entrada, que retrata crianças protegidas por Athena de Vilhelm Bissen (figura ao lado), está agora no Museu da Cidade.
3. A foto acima (estudante de medicina ventilando uma menina traqueostomizada) virou capa de um interessante livro que, pelo que vi, ainda não tem tradução em inglês (nem em português).
4.
Severinghaus JW, Astrup PB. History of blood gas analysis. Int Anesthesiol Clin 25:1-224, 1987.
5. Tentei fazer essa série de posts para homenagear o aniversário de 3 anos da morte de Bjorn Ibsen no dia 7 de Agosto. Entretanto, o trabalho foi muito grande e acabei por não dar conta de tudo, mesmo utilizando textos que já tinha escrito para outros fins. De qualquer forma, o dia 7 de Agosto deveria ser o dia mundial da terapia intensiva em homenagem a esse homem de visão e dedicação inigualáveis. Fica então, esse humilde tributo a Bjorn Ibsen, o idealizador das unidades de terapia intensiva que tantas vidas têm salvo ao redor do mundo.

Ácidos, Bases e UTI IV

Chegamos ao quarto post da série que se iniciou aqui. Estamos no início do século XX. Muitos autores marcam esse período como sendo o início da medicina moderna, tanto pela mudança da racionalidade médica como pela influência crescente da tecnologia na profissão. Aqui veremos o trabalho dois autores de Boston e Copenhagen e o consequente surgimento da equação de Henderson-Hasselbalch, base para o entendimento dos distúrbios ácido-base. Esse casamento iria terminar na lua-de-mel, mas essa é outra história…

A PRIMEIRA APLICAÇÃO DIRETA DA FÍSICO-QUÍMICA EM MEDICINA – O TRABALHO DE L. J. HENDERSON

Lawrence Joseph HENDERSON (1878-1942) terminou a faculdade de Medicina de Harvard já sem a intenção de se tornar médico. Pelo contrário, tinha interesse em variados ramos da Ciência e conhecimentos suficientes para aplicá-los a sua área de atuação profissional, o que hoje conhecemos como Bioquímica. Foi professor de Química Biológica na Harvard por muitos anos, mas também integrou outras universidades como professor convidado em Paris, Yale, Berlin e na Califórnia. A partir de 1906, Henderson começa a publicar seus estudos. O ano de 1908 foi especialmente importante em função de duas de suas publicações:”The Relation between the Strengths of Acids and their Capacity to Preserve Neutrality” e “The Theory of Neutrality Regulation in the Animal Organism” ambas no American Journal of Physiology. Seu principal objeto de estudo eram os tampões, especialmente o tampão bicarbonato/ácido carbônico. A ebulição dos conceitos darwinianos e sua fascinação pelo funcionamento do tampão bicarbonato, cuja existência ele chegou a atribuir a um possível “dom” do mundo inorgânico para a vida, o levaram a publicar em 1912, um livro polêmico intitulado “The Fitness of Environment” cujo esclarecedor subtítulo era “Um questionamento sobre a significância biológica das propriedades de matéria” em uma tentativa de atrelar tendências vitalistas às idéias de Darwin. A idéia principal do livro é a de que, se por um lado, os seres vivos eram “forçados” a se adaptarem ao meio ambiente, este último também se mostrava “propenso” a evoluir os seres vivos, usando como argumento uma série formidável do que chamou de “coincidências”. Henderson publicou esse livro quando tinha 34 anos e é nítido o incômodo que a Teoria da Evolução lhe causou. Sua inquietação entretanto, se traduz em um profundo conhecimento de Química, Biologia, Geologia e Filosofia da Ciência, além de uma argumentação belíssima, conduzida de forma cadenciada, quase morosa, como dificilmente se vê nos livros atuais. Publicou sua principal obra, entretanto, saiu em 1928 intitulada The Blood – A Study in General Physiology. Esse livro de 397 páginas, é a primeira tentativa cientificamente séria de aproximar os conceitos da Físico-Química de van’t Hoff à fisiologia dos seres vivos de Claude BERNARD. A compreensão que Henderson adquiriu instituindo uma visão físico-química dos fenômenos fisiológicos do sangue foi tão ampla que ele mesmo percebeu as limitações de suas aproximações. Para ampliar seu entendimento, ao menos teórico, do problema, Henderson talvez tenha sido o primeiro autor biomédico a propor uma modelagem matemática da fisiologia do sangue através de um modelo de múltiplas variáveis descrito pelo sócio-economista PARETO com propósitos totalmente diversos (Traté de Sociologie Générale – Lausanne et Paris, 1919), algo bastante avançado e inédito em 1928. Abaixo transcrevo, em tradução livre, a opinião de Henderson a respeito do que hoje podemos chamar de Fisiopatologia, área do conhecimento médico que sem dúvida, ele ajudou a fundar: “Segundo as idéias de PASTEUR, um vírus específico deveria ser relacionado como a causa de toda infecção e este ponto de vista estrito permaneceu durante todo o período de ativas descobertas de microorganismos novos. Esta maneira de entender parece ser a correta, mas sua generalização faz perder de vista a característica orgânica da doença e sua interdependência de todas as variáveis que entram em jogo em um estado patológico. Esta concepção toca em um dos principais pontos de desacordo entre os homens de laboratório e os clínicos (…)”. Henderson se refere aqui às diferentes teorias patológicas, muito debatidas à época: a visão “ontológica” e a “fisiopatológica” da doença. Principalmente depois de Pasteur, a ideia de que a doença é algo (ontos) que “incorpora-se” ao paciente ficou bastante popular. Os “fisiopatologistas”, capitaneados pelo alemão Rudolf Virchow, pensavam a doença como um desvio da fisiologia normal e Henderson se inclui entre eles, como podemos ver na continuação do fragmento: “Podemos acreditar que logo a fisiologia patológica, considerada como o estudo da interdependência dessas numerosas variáveis, se apresentará sob a forma que corresponde, desde há muito tempo, às necessidades dos clínicos. É pouco provável que tais estudos sejam rigorosamente exatos, porque eles implicarão necessariamente em um certo número de aproximações, por isso a intuição será a base (para sua aplicação) na Medicina, como já tem sido desde o tempo de Hipócrates. Mas a Ciência e a intuição aproximar-se-ão, pouco a pouco…” Reconhecendo as imperfeições e limitações desse tipo de abordagem, Henderson trabalhou duro para minimizá-las. Sob essa atmosfera, desenvolve a ideia de que o sangue é um sistema físico-químico na mais pura acepção do recém-introduzido conceito de Físico-Química e, mais diretamente ligado ao nosso interesse, estabelece os princípios do Equilíbrio Ácido-Base. Ao publicar em alemão, uma síntese de seus artigos de 1908 (ver acima), Henderson usou a expressão gleichgewicht, que pode ser traduzida como equilíbrio: (Das Gleichgewicht zwischen Säuren und Basen im tierischen Organismus – Ergebn. Physiol. 8: 254-325, 1909). Por isso, atribui-se a ele a criação da expressão Equilíbrio Ácido-Base em 1909. Como vimos, o ácido carbônico foi o principal objeto de estudo de Henderson e ele foi, sem dúvida, influenciado por autores do século anterior. De fato, em 1831 O’SHAUGHNESSY identificou a perda de “carbonato de soda” do sangue como o distúrbio fundamental em pacientes que morreram de cólera, mas essa observação não foi notada a não ser 50 anos depois. A ênfase de Henderson sobre o ácido carbônico foi reforçada também pelo fato de que na época dele (e de fato, até 1950, como veremos), este era o único componente do equilíbrio ácido-base que podia ser dosado rotineiramente nos fluidos corporais. A contribuição decisiva de Henderson foi a aplicação da Lei de Ação das Massas de Guldberg e Waage ao equílibrio do ácido carbônico:

Se H2CO3 ⇄ H++ HCO3, temos que: [H+] = k [H2CO3] / [HCO3].

Já que [H2CO3] não pode ser medida, foi astutamente substituída pela concentração de CO2 molecular dissolvido ([CO2]dis) que guarda uma relação direta com a [H2CO3]. O CO2 pode se dissolver em uma solução aquosa conforme mostra o equilíbrio abaixo:
CO2 (gas) ⇄ CO2 (dis)

A reação de “ida” depende
da pressão parcial de CO2 (pCO2) e a reação de “volta” depende da concentração de CO2 dissolvido. Podemos então, escrever o seguinte equilíbrio:

pCO2 ⇄ K.[CO2(dis)]

Podemos chamar de solubilidade do CO2 (SCO2), o termo 1/K e escrever:

[CO2(dis)] = SCO2.pCO2

Esta é a lei de Henry, bem conhecida na época. Agora o equilíbrio do bicarbonato pode ser escrito de modo a identificar os fatores que influenciam a concentração hidrogeniônica [H+] em uma solução orgânica:

[H+] = K.[CO2(dis)] / [HCO3]

que é conhecida como Equação de Henderson. Como a pCO2 era fixa em seus estudos in vitro e a [CO2(dis)] era determinada pela lei de Henry, Henderson pôde estudar as variações do equilíbrio ácido-base do sangue estabelecendo os conceitos que são utilizados até os dias de hoje. A equação de Henderson é a base fundamental para entendermos os distúrbios ácido-base em organismos vivos.

O TRABALHO DE HASSELBALCH – O CASAMENTO BOSTON vs. COPENHAGEN

Karl Albert HASSELBALCH (1874-1962) era dinamarquês e fez Medicina na Universidade de Copenhagen. É co-autor do trabalho em que Christian BOHR descreve o “efeito Bohr” do CO2 na curva de dissociação da hemoglobina, tendo portanto, treinamento científico graduado. A partir de 1906, as variações do [HCO3] passaram a ser medidas através do acúmulo de ácidos fixos. Com a introdução da escala do pH pelo seu conterrâneo Sörensen (ver acima) e métodos para a medida do pH no sangue e no plasma desenvolvidos por ele mesmo (HASSELBALCH E LUNDSGAARD, 1912), Hasselbalch pôde concluir que o controle respiratório do CO2 no sangue arterial influenciava a acidez do plasma, reconhecendo pela primeira vez os distúrbios respiratórios do equilíbrio ácido-base. Em 1916, Hasselbalch introduziu explicitamente a pCO2 na equação de Henderson e a colocou na forma logarítmica, privilegiando o cálculo do recém-inventado pH:

pH = pK + log [HCO3] / (SCO2 x pCO2)

Esta é a equação de Henderson-Hasselbalch que pretendia, pela primeira vez, separar os distúrbios do equilíbrio ácido-base pela sua origem em respiratórios e não-respiratórios (metabólicos). É proveniente de duas cidades (Boston e Copenhagen) que teriam um papel importante na discussão do equilíbrio ácido-base nos anos seguintes, e rivalizariam em sua interpretação. A equação de Henderson-Hasselbalch dominou o panorama da fisiologia ácido-base durante todo o início do século XX, mas não pôde ser utilizada na prática clínica devido a impossibilidade em se dosar suas variáveis. Foi com a comoção de uma catástrofe que o desenvolvimento da ciência do equilíbrio ácido-base pôde se concretizar.

Bibliografia

1. Henderson, LJ. Le sang. Système Physico-Chimique, 1931.
2. Henderson, Lawrence J. Fitness of the environment;Boston;Beacon;1958 [FFLCH] 957 H496f;BIOLOGIA.
3. Severinghaus JW, Astrup PB. History of blood gas analysis. Int Anesthesiol Clin 25:1-224, 1987.
4. Alguns links interessantes: Wikipedia, Tutorial Ácido-base,
5. De Levie, R. The Henderson Aproximation and the Mass Action Law of Guldberg and Waage. DOI 10.1007/s00897020562a

DEK – O Clínico e o Cirurgião

A R.T.


Chegamos à letra C. Escolhi dois dos maiores protagonistas da medicina para ilustra-la. Os outros verbetes podem ser vistos aqui.

Cirurgião. Cirurgia provém do latim chirurgia, que tomou do grego kheirourgia, de kheír (ou Χείρων) mão + érgon, trabalho. “Etimologicamente, portanto, cirurgia significa trabalho manual, arte, ofício, no qual se empregam as mãos para a sua execução”[1]. Não posso deixar de citar Chiron (figura ao lado), o centauro-curandeiro, mestre de Asclépio, que tem no nome a mesma raiz de “mão”.

Clínico. Clínica. Do francês clinique, do latim clinicus, que por sua vez, obviamente, vêm do grego klinike “que é a prática (techné) de quem cuida de pacientes acamados”. Sim, porque kliné, quer dizer cama, leito, pois o prefixo kli- indica o ato de deitar e não por acaso, origina o termos inclinar, declive.[2]

Clínicos e cirurgiões têm atrás de si milênios de tradição provenientes de raízes médicas bem distintas e por isso têm visões diferentes de um mesmo paciente. Tenho me debatido com o fato de que, para mim, as visões são complementares e não antagônicas.

1. Resende, JM. Acta Cir. Bras. vol.20 no.5; São Paulo;Sept./Oct.;2005.
2. Online Etymology Dictionary.
3. Figura da Wikipedia.

Ácidos, Bases e a UTI II

Esse é o segundo post da série. O primeiro pode ser visto aqui. Nesse mostraremos como a teoria de dissociação eletrolítica levou ao entendimento sobre ácidos e bases.

A APLICAÇÃO DA LEI DE AÇÃO DAS MASSAS À DISSOCIAÇÃO ELETROLÍTICA – O PRODUTO IÔNICO DA ÁGUA

A Lei de Ação das Massas havia sido enunciada em 1864 por dois cientistas noruegueses Cato GULDBERG e Peter WAAGE (Forhandlinger: Videnskabs-Selskabet i Christiana 1864, 35) baseada principalmente em estudos com enzimas, açúcares e no trabalho de BERTHELOT, com ésteres, sabidamente substâncias que não ionizam. Essa lei preconiza que, em uma reação química genérica A + B → C + D, a velocidade da reação (v) é diretamente proporcional à concentração ([ ]) dos compostos reagentes, onde v = k[A][B], e k é a constante de velocidade característica da reação. Entretanto, muitas reações em biologia podem ocorrer tanto no sentido normal quanto no inverso e são representadas assim:A + B ⇄ C + D. São chamadas de reações reversíveis. Nelas existe uma tendência a se atingir o equilíbrio químico. Por definição, no equilíbrio químico a velocidade da volta deve ser igual a da reação de ida e podemos escrever v(volta) = k(volta)[C][D] = v(ida) = k(ida)[A][B]. Podemos rearranjá-la da seguinte forma: k(ida)/k(volta) = [C][D]/[A][B]. Ora, uma constante (k[ida]) dividida por outra constante (k[volta]) só pode resultar em uma outra constante, que chamaremos K, onde K será, à depender da temperatura, a constante de equilíbrio da reação considerada.

A aplicação do conceito de dissociação eletrolítica aumentou consideravelmente quando Arrhenius foi trabalhar com Wilhelm OSTWALD (1853-1923) no primeiro laboratório de Físico-Química da História. Ostwald nasceu na Estônia e em 1887 estabeleceu seu famoso laboratório em Leipzig, atraindo centenas de estudantes de todo o mundo, inclusive o próprio Arrhenius. Trabalhando juntos, mostraram em 1888 que se podia aplicar a lei de ação das massas às reações eletrolíticas exatamente como se aplicava às reações com moléculas não dissociadas. A constante K agora seria a constante de dissociação do ácido ou da base. Quando Ostwald recebeu um exemplar do trabalho de Arrhenius, imediatamente percebeu que suas complicadas medidas da concentração do íon hidrogênio, seriam mais simples e mais acuradas se para tal fosse utilizada a condutividade eletrolítica. Isso seria útil para avaliar a “força” de ácidos e bases. A “força” entendida como capacidade de “gerar” prótons ou “consumí-los”. Para ácidos e bases fracas, essa abordagem se mostrou especialmente precisa. (No caso das substâncias fortes, o K não permanecia constante e dificultava os cálculos). Entre as tantas aplicações que a teoria da dissociação eletrolítica associada a lei de ação das massas propiciou (particularmente em Química Analítica), nos interessa principalmente a dissociação eletrolítica da água.

Para Arrhenius, ácido é toda substância que, em solução, libera um H+. As bases, por sua vez, são substâncias que liberam o OH-. A água é, do ponto de vista da definição ácido-base de Arrhenius, uma substância anfótera pois sua dissociação fornece tanto H+ como OH-. A dissociação é, entretanto, extremamente baixa. Se aplicarmos a lei de ação das massas a essa reação, como vimos acima, teremos:

 
H2O = H+ + OH e k = [H+][OH] / [H2O]

mas, dado que a constante de dissociação é muito pequena e que a [H2O] é praticamente inalterada com esse processo, podemos considerar a [H2O] como constante também, incorporando-a do lado esquerdo da equação (k/[H2O]) que ficaria

k/[H2O] = Kw = [H+][OH]


onde Kw é conhecido como Produto Iônico da Água. Medindo a condutividade da mais pura água que conseguiram preparar, Kohlrausch e Heydweiller chegaram em 1894 à conclusão que [H+] = [OH] = 0,78.10-7 ion-g/L e portanto, que KW = 0,61. 10-14 a 18oC, valor utilizado até hoje e muito próximo do que Ostwald calculara. Esse é o conceito fundamental para o entendimento dos distúrbios ácido-básicos em qualquer solução, inclusive no sangue. Por esses estudos, Ostwald foi o terceiro deste grupo de amigos íntimos a ganhar o seu prêmio Nobel em 1909. De interesse histórico é o fato de Ostwald e van’t Hoff terem fundado a famosa e primeira revista de físico-química Zeitschrift für physiklische Chemie em 1887. No seu primeiro número foram publicados o trabalho mais importante de van’t Hoff e a Teoria da Dissociação Eletrolítica em sua forma completa no mesmo número, ambos recebendo o Nobel por suas idéias expostas nesses dois artigos. Do laboratório de Ostwald em Leipzig, viria ainda um quarto Nobel em 1920.

NERNST E A TEORIA DO ELETRODO SIMPLES

Walther Hermann NERNST (1864
-1941) nasceu em Briesen na Prússia. Fez doutorado em 1887 e depois foi trabalhar com Ostwald. Apesar de ter ganho o Nobel em 1920 pelo desenvolvimento da Terceira Lei da Termodinâmica – o teorema do calor – foram seus estudos com potenciais de eletrodo simples que conduziram aos nossos modernos métodos de análise e que ele considerava de maior importância. Nernst trabalhou com as relações matemáticas da analogia entre gases e soluções de van’t Hoff e a teoria iônica de Arrhenius chegando, em 1889, à teoria das células galvânicas, assumindo uma pressão eletrolítica de dissolução, que forçava os íons do eletrodo para a solução e que era oposta à pressão osmótica dos íons dissolvidos. Essa investigação conduziu Nernst à equação que tem seu nome. Para isso, necessitou usar conceitos de Boyle, Charles, Gay-Lussac, Kelvin e a constante de Faraday, desenvolvidos ao longo de quase 80 anos de pesquisa. A equação está na base dos três eletrodos da dosagem moderna dos gases sanguíneos e do pH.

Assim foi a história de 4 amigos íntimos que, com pesquisas interdependentes e complementares, ganharam cada um deles, um prêmio Nobel de Química, van’t Hoff o primeiro de todos, em 1901, Arrhenius em 1903, Ostwald em 1909 e Nernst em 1920, entrando para História da Ciência.

Bibliografia

1. Waage, P.; Guldberg, C. M. Forhandlinger: Videnskabs-Selskabet i Christiana 1864, 35. Em inglês aqui.
2. Apud Jörgensen. Raoult, F. M. (1882). Comptes Rendus 95: 1030-1033.
3.
Jörgensen, H. (1950). Theorie, mesure et applications du pH. Paris, Dunod. Na biblioteca do IQ da USP Identificador:  5416 Classificação:  541.3728 J82T.
4. Nernst, W. H. (2000). “Biografia.” http://www.nobel.se/chemistry/laureates/1920/.    

Ácidos, Bases e a UTI I

Inicia-se aqui uma série de posts sobre a história da fisiologia do equilíbrio ácido-básico. Esta história, além de ser muito interessante, confunde-se com a própria história do aparecimento do conceito “terapia intensiva”, responsável pela diminuição da mortalidade em situações clínicas que vão do infarto agudo do miocárdio ao pós-operatório de grandes cirurgias. Sempre achei esse fato um tanto quanto especial. Uma teoria que muda a forma de pensar e que permite a explicação de uma situação patológica, que exige por sua vez, novas tecnologias, que ajudam a curar pacientes mas que geram novas teorias e assim vai. Talvez seja essa a forma de progressão do conhecimento e esta história em especial, ilustra muito bem isso. Agradeço à Fernanda Poletto e ao Joey Salgado pela ajuda e sugestões. Entretanto, qualquer erro é responsabilidade minha apenas. Espero que gostem.

“Ácido (latim), azedo, como o vinagre. Álkali (árabe), cinza de plantas”. Assim inicia a edição de 1928 de seu formidável livro The Determination of Hydrogen Ions, o professor W. Mansfield CLARK da Johns Hopkins. Continua: “Das cinzas das plantas foi isolado o Potassium, metal que tem propriedades semelhantes ao Litium e Sodium. Esta série é conhecida como a dos metais alcalinos porque vêm de cinzas de plantas. Tais metais, quando puros, reagem vigorosamente na água e as soluções resultantes tem a incrível capacidade de ‘matar’ a acidez de soluções ácidas. Elas são alcalinas.” Um ácido reage com um álcali e forma um sal. Na Química que privilegiava a importância dos metais e não tinha a noção de molécula ou de ligação química, a Soda e a Potassa eram os principais sais. Elas eram consideradas as bases dos sais. Sua qualidade básica (no sentido de exemplo de uma categoria) emprestou seu nome a todas as substâncias, orgânicas ou não, que agem como as cinzas da madeira ‘matando’ ácidos. Nesta série de posts, algo modificada de outra publicação, tentarei mostrar a evolução do conhecimento científico desde a descoberta dos íons até o uso de conceitos físico-químicos aplicados ao equilíbrio ácido-base para o tratamento de pacientes. Essa fascinante história vai de 1834 a 1952, quase 120 anos. Passemos, portanto, à história de como a jovem Química, tomou de fato o lugar da velha Alquimia, no auxílio à antiga arte de fazer Medicina.

A TEORIA DA DISSOCIAÇÃO ELETROLÍTICA DE ARRHENIUS

A noção de íon foi introduzida na Química por Michael FARADAY (1791-1867) (foto ao lado) em 1834 em seu monumental trabalho publicado na Philosophical Transactions of the Royal Society: Experimental Researches in Electricity I, II, III e IV. Era intrigante a produção da eletricidade e que soluções pudessem conduzí-la. Imaginou que a passagem de eletricidade através das soluções era acompanhada de um movimento de partículas que chamou íons. O termo íon vem do grego e é o particípio do verbo eimi, que quer dizer ir, mover, viajar, sendo portanto traduzida como viajante. Os cátions moviam-se no sentido da corrente e na direção do catodo. Os ânions, contrários a corrente, na direção do anodo. Faraday entretanto, acreditava que os íons só se formavam quando a corrente era ativada. Suas Leis baseavam-se no fato de que a corrente elétrica decompõe a solução através da qual passa e que, quantidades definidas dos produtos de decomposição apareciam nos eletrodos em proporções equivalentes quimicamente. Era de se supor também, que a velocidade de migração dos cátions e ânions devesse ser igual, porém com sentido inverso. Esta era a visão geral até que em 1853, Wilhelm HITTORF (1824-1914), professor de Física e Química na Universidade de Münster, iniciou uma série de experimentos nos quais mostrou que não era esse exatamente o caso. Sua grande habilidade experimental permitiu mostrar por exemplo, que em uma solução de HCl, o íon hidrogênio transportava cerca de 5/6 e o cloreto apenas 1/6 da corrente total. Já numa solução de KCl, ambos íons transportavam aproximadamente a mesma quantidade de eletricidade. Para chegar a essa estranha conclusão, Hittorf teve de admitir que eram os solutos (o que é dissolvido em uma solução) e não os solventes (onde dissolvemos os solutos) os transportadores da corrente, fato que era extremamente controverso na época. Essa foi uma das razões para as fortes críticas teóricas que recebeu e uma demora de quase 50 anos para considerarem correto seu ponto de vista. Enquanto isso, especulações teóricas de Rudolph Julius Emmanuel CLAUSIUS (1822-1888), professor de Física em Zurique, começaram a exercer alguma influência na mesma direção. Esse físico publicou um artigo em 1857 no qual argumentava que se as partículas de um suposto eletrólito fossem realmente rígidos agregados seria de se esperar que, com uma baixa diferença de potencial entre os dois eletrodos, nenhuma corrente passaria. Quando, entretanto, a força eletromotriz atingisse um nível suficiente para romper esses agregados, uma repentina e forte corrente passaria através da solução. Definitivamente, não é o que ocorre. Então, ao invés de pensar em uma estrutura rígida, por que não pensar nas moléculas como estruturas dinâmicas em constantes trocas de átomos com seus vizinhos? Esse modelo melhor se aplicava ao comportamento das soluções. Devemos a Friedrich KOHLRAUSCH o método de medida da condutividade das soluções eletrolíticas. Ele foi professor de física em Göttingen, Zurique, Darmstadt e Würzburg. Conseguiu apuradas medidas por evitar a polarização dos eletrodos utilizando a corrente alternada, grande inovação na época. Após ajustar o método, publicou em 1876 um artigo em que confirmou todo o trabalho de Hittorf. Ele introduziu a noção de condutividade equivalente estudando centenas de soluções com múltiplas diluições. Esse conceito determina que em uma solução, um íon sempre tem uma determinada condutividade (mobilidade) característica, independentemente do sal do qual foi liberado. Entretanto, havia algumas exceções à lei. O amoníaco, por exemplo, era uma delas. Todos esses fatos estão em harmonia com a suposição de que durante a eletrólise os íons já estariam lá, mesmo antes de ativarmos a corrente! A Teoria da Dissociação Eletrolítica moderna estabelece exatamente isso. Infelizmente, Kohlrausch apesar de muito próximo, não conseguiu chegar a essa conclusão pois faltava-lhe uma evidência de peso para que pudesse dar o passo final.

Em 1884, Svante August ARRHENIUS (1859 – 1927), um sueco de Vik, povoado próximo a Upsala, publica seu primeiro trabalho importante. Tinha acabado de terminar seus estudos em Estocolmo e apresentou à Academia Sueca de Ciências sua tese de doutoramento sobre eletrólise. Trabalhando com a condutividade eletrolítica de Kohlrausch, com quem estagiara anos antes em Würzburg, descobriu que ela aumentava com a diluição da solução, para alguns solutos assintoticamente em direção a um valor de equilíbrio; para outros, fortemente ascendente até o limite da diluição (como o amoníaco). Para explicar esse estranho fato, Arrhenius imaginou que os eletrólitos eram constituídos por duas partes em equilíbrio, uma ativa, outra inativa. Somente a ativa conduziria eletricidade
e o equilíbrio se deslocaria a seu favor com a diluição. Nos eletrólitos bons condutores, a porção ativa deveria ser alta e nos maus, baixa, mas elevando-se com a diluição. Assim, Arrhenius não deu grande importância a alguns dos fenômenos descritos por Kohlrausch porque eles alteravam-se em grandes diluições. Recorreu à antiga (quase 30 anos) hipótese de Clausius de que as moléculas de alguma maneira, poderiam dissociar-se. Nessa comunicação, entretanto, Arrhenius deixa claro que não está nada à vontade em falar de íons existentes nas soluções antes da passagem da corrente. Mais tarde, ele confessou que em seu primeiro trabalho, que foi sua tese de Doutorado, ele deixou essa questão em segundo plano. Nessa época, a Química e a Física eram ciências completamente separadas e o orientador de Arrhenius, o professor Cleve, era um químico “às antigas” e tinha pouco conhecimento de Física. Sobre isso, Arrhenius posteriormente afirmou: “Eu conhecia meus professores em Upsala muito bem e sabia que seria impossível fazê-los acreditar que moléculas de sais estariam dissociadas em solução. Por isso, se tivesse feito tal afirmação na minha tese de doutoramento, eu fatalmente não teria sido aprovado”. Mesmo assim, Arrhenius foi aprovado com a nota mínima.

Se, alguns anos mais tarde, Arrhenius encontrou condições de publicar sua Teoria da Dissociação Eletrolítica de forma irrefutável, foi graças ao grande impulso que recebeu do célebre trabalho do gênio holandês Jacobus Hendricus VAN`T HOFF (1852-1911). Um amigo de Van’t Hoff, Hugo de VRIES, grande biólogo e botânico de Amsterdam, estava fazendo experimentos com folhas notando que, quando colocadas em água pura, elas mostravam uma tendência a inchar, enquanto que em soluções mais concentradas, murchavam. Entre estes extremos, era possível preparar as assim chamadas soluções isotônicas, nas quais nada ocorria, ou seja, tinham a mesma Pressão Osmótica que a célula vegetal. Já nessa época, se conhecia a Pressão Osmótica e PFEFFER em 1877, professor de Botânica da Universidade de Bönn, havia feito medidas relativamente precisas dela em células vegetais. De Vries foi então, capaz de preparar tais soluções a partir de uma grande variedade de sais e pôde fazer a importante observação de que tais soluções isotônicas, que ele sabia possuírem a mesma pressão osmótica, tinham também o mesmo ponto de congelamento. Em 1884, de Vries, quase que por acidente, comunicou seus resultados a van’t Hoff que imediatamente captou a relevância dessa descoberta. Começou a investigar o que hoje conhecemos como Propriedades Coligativas (pressão osmótica, ponto de ebulição, ponto de congelamento e pressão de vapor) e qual a relação entre elas que poderia explicar o fenômeno. Ele fez um extenso estudo sobre a pressão osmótica e conseguiu encontrar uma explicação bem mais simples do que era de se supor, apesar de nada intuitiva. Tendo conhecimento amplo de Química e Física, van’t Hoff imaginou que quando uma substância é dissolvida em um líquido, suas moléculas exercem sobre o líquido uma pressão osmótica que não é apenas semelhante, mas muitas vezes numericamente igual, à pressão exercida se a substância fosse um gás confinado no mesmo volume. Pôde então, aplicar a equação geral dos gases perfeitos à pressão osmótica (PV = nRT), onde é a pressão osmótica, n é o número de moles de soluto em 1 litro, fixando assim o volume (V) na unidade, R é a constante dos gases (0,082 L atm K-1 mol-1) e T é a temperatura. Mas, van’t Hoff percebeu que existiam várias exceções à sua lei e acrescentou o fator de correção (i) à fórmula. Se i = 1, significa que a pressão osmótica é exatamente aquela definida pela lei. Se i = 2, a pressão osmótica é duas vezes a prevista pela lei e assim por diante. Os valores de i foram tirados das medidas feitas por François-Marie RAOULT (1830-1901), então professor em Grenoble, França. Raoult efetuou um minucioso trabalho sobre o abaixamento do ponto de congelamento das soluções em relação ao solvente na forma pura pulblicado no Comptes Rendus 95, 1030-3 (Nov. 27, 1882) como a Lei Geral do Congelamento de Soluções. Ao analisar sais constituídos por 2, 3 ou mais íons, ele pôde correlacionar o número de partículas na solução com a capacidade de abaixar o ponto de congelamento, comparando com a água pura. Esses dados caíram sob medida para van’t Hoff, pois ele comparou seu i com os fatores de Raoult, mostrando que tinham valores muito próximos. Van’t Hoff termina então, por fazer a generalização que imortalizou seu trabalho [Zeitschrift fur physikalische Chemie vol. 1, pp. 481-508 (1887)], relacionando as propriedades coligativas das soluções com a Segunda Lei da Termodinâmica, e mostrando que a diluição ocorre com acomodação de energia. (Quando, por exemplo, diluímos uma pequena quantidade de NaCl em água, a solução esfria. Essa queda de temperatura é muito mais evidente quando diluímos o sal em álcool etílico.) Com essa explicação van’t Hoff fundou o ramo da Ciência conhecido hoje como Físico-Química e arrebatou o primeiro prêmio Nobel de Química da História em 1901. Assim que Arrhenius tomou conhecimento do artigo de van’t Hoff, imediatamente imaginou que as substâncias que teriam um i maior que 1, quando diluídas, forneceriam íons. Através de uma combinação genial desse fato com sua hipótese de 1884, de acordo com a qual os eletrólitos seriam formados de uma parte ativa e de uma inativa, ele promulgou a Teoria da Dissociação Eletrolítica Moderna (1887) escrevendo o trecho seguinte: “A parte ativa das moléculas é completamente dissociada em íons livres… A fração inativa não é dissociada. A condução da corrente é realizada pela parte dissociada em íons livres, e a pressão osmótica que a solução exerce não é devido às moléculas não-dissociadas, mas aos íons livres; cada íon exerce a mesma pressão que uma molécula não-dissociada.” Arrhenius chama de α – o que hoje chamamos de grau de dissociação – à relação entre o número de moléculas dissociadas e não-dissociadas. Ele propôs, exatamente como seu estudo de 1884 que o α aumenta com a diluição de modo que em uma diluição infinita, α = 1. Utilizando valores de condutividade tirados de Kohlrausch e das experiências de Ostwald (do qual falaremos mais tarde), Arrhenius pôde calcular o α de uma série de eletrólitos. Quando uma molécula é quebrada por dissociação eletrolítica, em n íons, a solução contem α íons e (1-α) moléculas não dissociadas. O total de partículas é, portanto: αn + (1-α) que pode ser rearranjado para 1 + (n-1)α. Como para a pressão osmótica o que importa é o número de partículas, se a teoria estivesse correta, 1+(n-1)α deveria ser igual ao coeficiente i calculado por van’t Hoff para corrigir o cálculo da pressão osmótica quando moléculas do soluto se dissociam em duas ou mais partículas. A Tabela abaixo, retirada do original de Arrhenius, mostra algumas substâncias por ele testadas. Foi relacionando duas grandezas que ninguém antes pensou fossem próximas – a condutividade elétrica e a pressão osmótica – que Arrhenius chegou à Teoria da Dissociação Eletrolítica, praticamente nos mesmos termos que utilizamos até hoje.

A nova teoria gerou espanto na comunidade científica seguido de indignação. Houve ataques fortíssimos nos anos subsequentes (TRAUBE, 1890 e PICKERING, 1891). Sua aceitação exigia uma nova forma de pensar, não intuitiva para época. Como, por exemplo, separar o clo
ro do sódio e conseguir que ambos fiquem em solução sem reagir entre si para formar novamente o NaCl ou, com a água, liberando o H2? Obviamente, isso provém de um erro de interpretação da teoria pois, o que está em solução são os íons cloreto e sódio, carregados eletricamente, e não os elementos puros. Graças aos resultados obtidos pela Física 20 anos depois, podemos hoje compreender sem dificuldade a natureza da dissociação eletrolítica. O modelo atômico de RUTHERFORD-BOHR estabelece que uma configuração eletrônica mais estável é o estado de menor energia de um átomo. Assim, são considerados idênticos os sistemas eletrônicos do íon sódio (Na+) e do gás inerte neon. Arrhenius ainda explicou de maneira simples o fenômeno através do qual todos os ácidos fortes liberam a mesma quantidade de calor por equivalente-grama na reação de neutralização com uma base forte, fato considerado quase que sobrenatural na época. Pela dissociação eletrolítica, todas as reações de neutralização são consideradas o mesmo fenômeno caracterizado pela formação da água através da reação H++ OH ⇋ H2O, é claro que a liberação de calor deve ser a mesma para todas elas. A nós interessa a definição de ácido e base dada por Arrhenius, onde ácido é todo doador de H+ e base todo doador de OH(hidroxila). Isso resgatou as idéias de Humphry DAVY, o grande químico inglês da Royal Society, “descobridor” de Faraday e do gás hilariante, que propusera em 1813 que o hidrogênio e não o oxigênio, era o elemento presente em todos os ácidos. Durante os anos seguintes, a Teoria da Dissociação Eletrolítica foi pouco a pouco sendo aplicada aos os mais variados problemas da Química provocando uma verdadeira revolução. Juntamente com Arrhenius, coube a Ostwald e van’t Hoff aplicar e ensinar a teoria divulgando-a para o mundo, principalmente o primeiro, cujo laboratório foi chamado de “fábrica de cientistas”. Arrhenius ganhou o prêmio Nobel de Química em 1903 e foi condecorado com a medalha Davy, em Londres, no ano de 1905.

Bibliografia

1. Arrhenius, S. A. (1887). “On the Dissociation of Substances Dissolved in Water.” Zeitschrift fur physikalische Chemie I: 631.
2. Arrhenius, S. A. (1911). Electrolyte dissociation. Willard Gibbs lecture, American Chemical Society.
3. Clark, W. M. (1928). Determination of hydrogen ions: an elementary treatise on electrode, indicator and supplementary methods, with an indexed bibliography on applications. Baltimore, Williams & Wilkins. (na biblioteca do IQ da USP Identificador:  5476. Loc. 541.39 C596D. Tem uma edição de 1923 online aqui
4. Faraday, M. (1834). “On electrical decomposition.” Philosophical Transactions of the Royal Society.
5. Jörgensen, H. (1950). Theorie, mesure et applications du pH. Paris, Dunod. Tirei muita coisa desse livro. Na biblioteca do IQ Identificador:  5416 Classificação:  541.3728 J82T
6. Wald G. How the theory of solutions rose. J Chem Educ 23:8-26.1986.
7. J.H. van’t Hoff, “Die Rolle osmotischen Drucks in der Analogie zwischen Losungen und Gasen”, Zeitschrift fur physikalische Chemie, vol 1, pp. 481-508 (1887) J.H. van’t Hoff, “The Function of Osmotic Pressure in the Analogy between Solutions and Gases“, translated by W. Ramsay, Philosophical Magazine, S. 5. vol 26. No. 159. Aug, pp. 81-105 (1888) J.H. van’t Hoff, “The Role of Osmotic Pressure in the Analogy between Solutions and Gases“, in: The Modern Theory of Solution, Memoirs by Pfeffer, van’t Hoff, Arrhenius, and Raoult,
translated and edited by Harry C. Jones, Harper & Brothers Publishers, New York and London, pp. 11-42 (1899). Se você nunca leu um artigo de um Nobel, esse é o que você deve ler. Van’t Hoff ganhou o primeiro Nobel de Química.