A partir de hoje vamos fazer algumas postagens relativas ao trabalho de bastidor das pesquisas do EMRC. Antes de entrar “mesmo” no laboratório, vamos falar um pouco do que é esse trabalho, como montamos projetos, como formamos pesquisadores e nos formamos pesquisadores. Ou seja, antes de falar da Medicina Experimental e o que significa trabalhar com isso, gostaríamos de falar sobre como chegamos até aqui . O que seria isso? Esse trabalho de formiguinhas coletivas, que pensam, escrevem, propõem, formam e fazem pesquisa, juntos.
Para isso, gostaríamos de começar com a noção de que não basta estar numa universidade para fazermos pesquisa. É preciso, também, cumprir várias etapas anteriores. Hoje vamos falar um pouco dos editais de pesquisa e das propostas que fazemos a estes editais!
O que é fazer pesquisa como grupo de pesquisa?
Parece que fazer pesquisa é estar em laboratório, com jaleco, cheio de equipamentos. Talvez analisando dados que aparecem em uma placa de petri, tubos de ensaio, lupas ou microscópios. Há quem pense que por sermos professores e pesquisadores universitários de universidade pública, “nosso salário está garantido”. Portanto, é só entrar no laboratório e fazer nosso trabalho (nossa pesquisa).
No entanto, não é tão simples assim… A pesquisa não é um simples “entrar em laboratório e trabalhar”. Vamos falar um pouco sobre isso hoje…
Como se forma pesquisadores
Somos um grupo de 9 pesquisadores. Parte do nosso trabalho é usar nossa trajetória de pesquisa anterior. E isto inclui nossa formação pregressa (tanto a graduação, quanto nossa especialização em uma área no Mestrado e Doutorado).
No EMRC cada pessoa tem uma formação ligeiramente diferente uma da outra. Isto é, ali somos todos da área “biomédicas” – temos biólogos, veterinários, farmacêuticos, biomédicos, bioquímicos. A pós-graduação é nossa entrada em projetos de pesquisa de maneira cada vez mais “autônoma”. Ou seja, termos uma atuação mais propositivas. Não apenas executando as etapas experimentais, de campo e coleta de dados, mas elaborando-os também – que é um pouco do que falaremos aqui hoje). Cada pesquisador aqui do grupo tem formações também diferentes. Como assim? Isso não se restringe apenas ao “diploma” (como bioquímica ou biologia molecular, por exemplo). Mas diz respeito à linha de pesquisa dentro destas áreas de conhecimento.
Em cada uma destas etapas de formação, aprendemos sobre nossa área e nossos objetos de pesquisa, mas também aprendemos vários detalhes de como ser pesquisadores. Isso inclui: escrever projetos, orientar e formar novos pesquisadores, formar grupos de pesquisa, elaborar experimentos, desenvolver, analisar e debater dados obtidos em nossos experimentos.
Nosso trabalho na universidade
Ao organizar nosso trabalho na Unicamp, parte de tudo o que pensamos como cientistas é que não se caminha sozinho para produzir conhecimento. Neste sentido, o EMRC foi se organizando a partir da premissa de que fazer ciência junto é melhor, mais produtivo, mais criativo. Colaborativamente, temos ideias diferentes exatamente pela nossa formação que andou por caminhos que divergem. Mas também complementares, por trazerem olhares que não são sempre iguais, para o que estamos pensando.
Isso é relevante, uma vez que a pesquisa não é – como dissemos no início deste texto – um ato de “entrar no laboratório e sair fazendo”. Isso contando que já temos um espaço para fazer pesquisa. Isto é, que os laboratórios e salas que trabalhamos já existiam quando entramos na Unicamp, ao menos em parte. Calma que isto é um capítulo a parte e vamos falar de estrutura em outro momento também, aguarde. Dessa forma, uma das etapas que precisamos para iniciar nossa pesquisa é verba para manter o trabalho cotidiano dos laboratórios. E como se consegue isso?
Os editais!
Existem várias modalidades de investimento na ciência. Os mais comuns são os editais de pesquisa públicos e privados. Todos os anos – alguns anos com mais verba do que outros – os governos Federal e Estadual lançam editais de pesquisa via agências de fomento. Mas o que é isso? São instâncias do governo que são destinadas exclusivamente a captar recursos e lançar linhas de investimento. A Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo – mais conhecida como FAPESP é uma destas instâncias no Estado de São Paulo. No âmbito federal, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – mais conhecido como CNPq – é responsável por isso. Estas agências, anualmente, buscam recursos para financiar pesquisas científicas. Por exemplo, no caso da FAPESP há uma porcentagem do ICMS arrecadado destinado à agência, mas pode haver outras fontes também. Há também agências de fomento internacionais e privadas que podem lançar editais.
Os editais são chamadas públicas para que propostas de pesquisa sejam inscritas. Isto é: qualquer instituição, grupos de pesquisa ou pesquisadores que se encaixarem nos critérios podem se inscrever. Estes editais não são para ganharmos dinheiro automaticamente… Eles são de concorrência. Ou seja: fazemos uma proposta do que pretendemos pesquisar. O que é isso? Escrever um projeto é montar um referencial teórico, perguntas, hipóteses, metodologias (que variam dependendo do tipo de pesquisa) e como analisaremos. Também há nesta proposta quantas pessoas se envolverão na pesquisa, no tempo que teremos para desenvolvê-la. Importante ressaltar que o tempo é estabelecido pelo edital, e não por nós, pesquisadores. Por fim, nós indicamos quanto dinheiro precisaremos para esta pesquisa e como nós o usaremos.
Ah então vocês ganham dinheiro para isso???
Sim, claro! O dinheiro para manter a pesquisa vem, exatamente, destes editais! E usamos o dinheiro o quê? No caso de um edital de pesquisa de laboratório, há vários itens. Por exemplo, há compras de equipamentos específicos, ou manutenção de equipamentos que já temos, compra de reagentes, cobaias, manutenção de cobaias. Além disso, temos pagamento de inscrição em eventos nacionais e internacionais para apresentar resultados, submissão dos resultados e artigos em periódicos. Muitas vezes, também podemos pedir bolsistas. Isto é, pagar para que parte do trabalho seja feito por pesquisadores em formação, tanto na graduação, quanto na pós-graduação.
As propostas que mais se encaixarem nos critérios dos editais, ficam melhor colocados. No caso de sermos contemplados, há todo um trâmite burocrático para tocarmos este projeto. Isso inclui usar o recurso financeiro. No entanto, mais do que isso, além dos resultados da pesquisa, publicações e tudo mais, prestamos contas de como usamos o recurso. Se não usamos tudo, devolvemos à agência de fomento.
Por fim…
Vocês perceberam que não falamos nada de Medicina Experimental hoje, nem usamos termos dificílimos da área biomédica neste texto? Pois é! Nem só de terminologias técnicas vivem cientistas!
Tudo o que estudamos na área da saúde e ciências biológicas serve para pensarmos a pesquisa e estruturarmos os próximos passos. Todavia, isso não basta. E foi um pouco disso que buscamos falar na postagem de hoje.
Em suma, nas próximas postagens, vamos falar um pouco da formação de cientistas. Mais ainda? Sim! Sobre a obtenção de dados nos experimentos, da rotina dos laboratórios e, também, do que fazemos com tudo isso que produzimos (a extensão, o ensino, a divulgação científica…).
Para Saber Mais
LATOUR, B; WOOLGAR, S (1997) A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
SCHWANTES, L (2020) “Só dá aulas”: o que faz (ou deveria fazer) um professor de universidade pública? Grupo PEmCie, Blogs de Ciência da Unicamp.
SCHWANTES, L; ARNT, A (2020) “Só dá aulas”: o que fazemos na universidade pública? (parte 2 – a pandemia) Grupo PEmCie, Blogs de Ciência da Unicamp.
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