O tempo das vacinas contra o SARS-CoV-2

Imagem com o texto "quando controlamos uma doença com vacinas? Covid-19" com o desenho do zé gotinha com a faixa do sus no corpo e uma vacina acompanham a mensagem
Texto escrito por Maurílio Bonora Junior, Ana de Medeiros Arnt e Isaac Schrarstzhaupt

Muito bem, vários de vocês devem estar se perguntando por que falei de tantas outras doenças no texto anterior, já que queremos falar sobre as vacinas de covid-19. Pois bem, a resposta para isso já foi comentada anteriormente, mas vou reforçá-la aqui logo no começo: 

Não é com dois anos de vacinação que vamos proteger todo mundo!

Ok, vamos desenvolver melhor isso agora. O que quero dizer é: não é simplesmente porque estamos vacinando há quase dois anos (com um período médio de 4 ou 5 meses entre doses) que vamos acabar com a covid-19 do Brasil, e menos ainda do mundo. Vamos para novas comparações. Para isso, vou usar o número de pessoas que receberam três doses de vacinas (ou a dose única e uma dose de reforço). Usarei esse valor, pois precisamos lembrar que contra a variante Ômicron é extremamente necessária a primeira dose de reforço (também chamada de 3ª dose). Isto acontece devido à queda no número de anticorpos após poucos meses das duas primeiras doses de vacina e o escape imunológico dessa variante.

Podemos ver como estão as aplicações da terceira dose no Brasil e em outros países e continentes (dados publicados em outubro de 2022, pela Rede Análise)

Local% População com 3ª dose
Brasil55,44%
Venezuela2,31%
Bolívia17,94%
Paraguai28,63%
Estados Unidos40,49%
Europa44,71%
África3,87%
Mundo32,42%

Como podemos ver, em muitos lugares do mundo muitas pessoas ainda estão desprotegidas contra a variante Ômicron e a covid-19 está em alta circulação. Isso inclui vários países de fronteira com o Brasil e o mundo como um todo, principalmente o continente africano. Enquanto não resolvermos esse problema globalmente, não podemos abaixar a guarda. Precisamos continuar nos vacinando para mantermos nossa proteção alta e impedir que o vírus circule em populações que já estavam protegidas e que precisam ser protegidas (como idosos, crianças, grávidas e imunossuprimidos). 

Como se não bastasse, o vírus da covid-19, o chamado SARS-CoV-2, tem um problema a mais — que no caso da poliomielite, varíola humana e sarampo, não está tão presente.

Todos nós temos falado desse problema frequentemente e hoje em dia conhecemos bem o termo: variantes. O SARS-CoV-2 possui um alto nível de mutação, o que levou e pode levar a diversas variantes virais. Isto agrava ainda mais o controle da doença, tendo em vista a possibilidade de escape da proteção gerada pelas vacinas (que ainda não aconteceu, mas é um risco sim!).

Assim, existe uma grande necessidade de se aplicar doses de reforço das vacinas para manter os níveis de proteção altos. Lembrando que estamos considerando principalmente os níveis de anticorpos. Todavia, é bom lembrar que há cada vez mais estudos mostrando que a imunidade celular duradoura contra a covid-19 — gerada a partir da primeira e segunda dose e aprimorada com as doses de reforço — também é muito importante.

Vamos comparar dois cenários brasileiros, antes e depois da aplicação de vacinas em massa?

As vezes não é tão fácil compreender como a vacinação foi importantíssima no combate à Covid-19, tendo em vista que este ano tivemos uma grande parcela da população contaminada. Seja pela primeira vez, seja reinfecção… Com a chegada da variante Ômicron aqui no Brasil, em janeiro e fevereiro de 2022, não há quem não soubesse de alguém contaminado (ou várias pessoas juntas!). Vamos dar uma olhadinha na imagem abaixo (Figura 1)

Figura 1: Cenários Brasileiros com destaques dos meses Abril de 2021 e Fevereiro de 2022

É possível perceber, com as duas marcações, a diferença que tivemos no auge de óbitos no Brasil (Abril de 2021), com o auge de contaminações no Brasil (Fevereiro de 2022).

O que será que tivemos de diferença entre estes dois períodos? Vejamos a Figura 2

Figura 2: relação de óbitos e casos por dia, em Abril de 2021 e Fevereiro de 2022, comparado com a cobertura vacinal com 2 doses (ou dose única)

Atualmente, temos 73,23% de cobertura vacinal (2 doses ou dose única) e 55,44% de cobertura vacinal com 3 doses aplicadas (ou 2ª dose de reforço). Esta dose “adicional”, ou de reforço, foi fundamental para o combate da variante Ômicron no Brasil e no mundo. Claro que outros fatores também foram e são importantes na redução de casos (como distanciamento e uso de máscaras PFF2). Mas a vacinação foi, definitivamente, um passo enorme para o controle da doença!

Um indicador que é interessante de se usar, para compreender os dois cenários melhor é dividir óbitos por casos, no mesmo período. Este indicador se chama Case Fatality Rate (CFR, Taxa de Letalidade por Casos Detectados, em tradução livre). No caso apresentado, ficaria como detalhado na Figura 3:

Figura 3: analisando a partir da Taxa de Letalidade por Casos Detectados (tradução livre de Case Fatality Rate, CFR), com simulação da taxa usando os dados casos confirmados de 2022, com a taxa de óbitos de 2021

Observando estas três figuras fica mais claro o quanto a vacinação impactou o controle da Covid-19 em nosso país! Vamos entender um pouco melhor como será a situação daqui em diante, em relação ao esquema vacinal e doses de reforço?

Beleza, então como vai ser o esquema vacinal?

Infelizmente, para essa pergunta ainda não temos resposta. Por ser uma doença muito nova (apesar de terem sido mais de dois loooongos anos desde o início da pandemia), ainda estamos avaliando os efeitos da proteção gerada pelas vacinas nos indivíduos, sejam estes idosos, adultos, crianças, ou qualquer outro grupo de investigação.

Contudo, o que nós já sabemos é que as vacinas contra o SARS-CoV-2 vieram para ficar e que muitas doses ainda virão por aí. Alguns de nós tem cogitado que até a covid-19 ser erradicada do mundo, as vacinas continuarão a ser aplicadas na população de forma semestral ou quadrimestral, isso é, uma dose a cada quatro ou seis meses. A ideia por trás disso é a acompanhar a queda dos anticorpos, pois percebemos que esse é o tempo necessário para os anticorpos gerados pelas vacinas ficarem em níveis bem baixos. 

Mas lembrando que tudo isso pode mudar: o aparecimento de uma nova variante mais perigosa, a atualização das atuais vacinas para proteção contra novas variantes ou mesmo outros fatores podem influenciar em como será o esquema vacinal contra a covid-19. Isso pode fazer com que a vacina seja de longo prazo, com uma dose anual ou mesmo em intervalos maiores de tempo, como vemos para influenza ou outros vírus. Pois sim, existe a possibilidade da covid-19 acabar se tornando um fenômeno parecido com a gripe, nos forçando a conviver com ela em nosso dia a dia, como já fazemos há vários meses.

Mas vamos falar da prática: as doses adicionais de vacinas realmente ajudam na imunidade contra o SARS-CoV-2?

Sim! Ajudam e muito! Atualmente já temos estudos com vários milhões de pessoas (inclusive estudos feitos aqui no Brasil) mostrando que terceiras doses de Pfizer, AstraZeneca ou da própria Coronavac auxiliam muito na proteção contra a covid-19, principalmente no contexto mundial em que a Ômicron (com seu escape imunológico parcial) se tornou a variante dominante. 

Comentando alguns números, um estudo brasileiro publicado na Nature (uma das maiores revistas acadêmicas do mundo) mostrou que a terceira dose da Pfizer em pessoas que tomaram duas doses de Coronavac induziu uma resposta imunológica que promoveu uma grande proteção contra casos graves da doença (89,4% de eficácia). Essa taxa de proteção se manteve em alta mesmo após quatro meses da aplicação dessa terceira dose (84,1%). 

Já um estudo populacional no Chile, mostrou uma eficácia parecida na proteção contra hospitalizações em pessoas que receberam terceira dose tanto de Coronavac (92,2%) quanto de Pfizer (96,2%) e AstraZeneca (98,9%). E para quem não tomou as duas primeiras doses de Coronavac, não precisa se preocupar! Outros estudos têm mostrado eficácias similares para aqueles que foram vacinados com Pfizer ou AstraZeneca.

Finalizando (ufa!), a mensagem que queremos deixar é: se vacinem!

Lembrem-se que a vacinação é um pacto social. Todos precisam ser vacinados para todos estarem protegidos. Se você ainda não tomou sua terceira dose (ou por algum motivo extremo, a segunda dose), vá ao postinho mais próximo da sua casa, escola ou trabalho e se vacine. Principalmente depois que a variante Ômicron tomou conta do mundo, somente as duas primeiras doses não são mais páreas para segurar a covid-19. 

Se queremos que o mesmo que aconteceu com a varíola humana se repita com a covid-19 — e impedir que o caso do sarampo se repita com ela — precisamos estar todos com nossas doses de reforço em dia! Aos que já tomaram a terceira, fiquem de olho, pois a quarta está chegando às faixas de idade mais novas.

Para saber mais

Materiais Complementares:

Os Autores

Isaac Schrarstzhaupt é Cientista de dados e Coordenador na Rede Análise Covid-19 (@analise_covid19) e gentilmente nos ajudou a levantar os dados, analisá-los para debatê-los com vocês.

Ana de Medeiros Arnt é licenciada em Ciências Biológicas, pesquisadora do Grupo Pesquisa em Educação em Ciências (PEmCie) e coordena o Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial Covid-19.

Maurílio Bonora Junior é bacharel em Ciências Biológicas e Mestre e Doutorando em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Cultura, Educação e Divulgação Científica e Divulgador Científico no Blogs de Ciência da Unicamp e no EMRC.

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