Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt, José Luiz Proença Modena, Shirlene de Lima e William M. de Souza
Nós sabemos que nos últimos dois anos qualquer conversa sobre saúde é centrada na pandemia de Covid-19. Enquanto a pandemia se acirrava, também tomamos conhecimento, popularmente, de algumas áreas que fazem parte da pesquisa e prática em saúde pública. É o caso de como vigilância genômica e vigilância epidemiológica. No texto de hoje, nós vamos falar sobre uma pesquisa nacional envolvendo estes temas, relacionados a outra doença, que vem se espalhando em território nacional: Chikungunya.
O que é esta tal de vigilância?
Há algum tempo temos falado da importância da vigilância genômica e epidemiológica aqui em nosso país. Parece confuso este tanto de “vigilâncias” que se fala hoje em dia, quando tratamos de doenças? Vamos explicar rapidamente a diferença…
A vigilância epidemiológica tem sido uma prática trabalhada no Brasil desde meados da década de 1950. Nesta época, passamos a observar e rastrear casos (confirmados ou suspeitos) de doenças – em especial a Malária, naquela época. Já a vigilância genômica diz respeito à análise e rastreamento de genomas de patógenos, principalmente vírus por terem genomas pequenos, dentro do território nacional. A importância da vigilância genômica é não apenas compreender a transmissão da doença, mas quais linhagens dos vírus estão circulando em que região. Além disso, a vigilância genômica nos possibilita adequar tratamentos, contenção de transmissão e compreensão de sintomas e de como acontecem as pequenas modificações no material genético desses vírus e como eles se fixam em uma população.
Estes termos ficaram mais comuns durante a pandemia de Covid-19. Mas também são ações que fazem parte de pesquisas e políticas públicas para diversas doenças, como a Chikungunya, por exemplo.
Este vírus está presente em solo brasileiro há uma década. E temos monitorado como o vírus tem se espalhado e afetado diferentes regiões no país. E é sobre este vírus – e um novo estudo recém publicado por grupos de pesquisa do Brasil – que vamos falar hoje…
O vírus Chikungunya e os sintomas da doença
A Chikungunya é uma arbovirose, que é uma classificação de doenças causadas por vírus que são transmitidos, principalmente, por artrópodes hematófagos. Estes animais se alimentam de sangue e os conhecemos bem em nosso dia a dia : mosquitos, moscas e carrapatos. No Brasil, temos outras arboviroses que também são bem frequentes, como dengue, febre amarela, zika.
Voltando à Chikungunya, a transmissão do vírus se dá pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus. A doença pode apresentar sintomas (ou evoluir) em 3 fases, segundo o Ministério da Saúde.
A primeira, com duração entre 5 a 14 dias. Neste período, características de uma doença febril aguda. Assim, teremos sintomas como: febre, dores intensas nas articulações, dor nas costas, dores pelo corpo, erupção avermelhada na pele, dor de cabeça, náuseas e vômitos, dor retro-ocular, dor de garganta, calafrios, diarreia e/ou dor abdominal (este último, mais presentes em crianças).
A segunda fase, pós-aguda, dura cerca de 3 meses e é geralmente acompanhada de dor e inchaço articular e mal estar. Já a fase crônica, é considerada quando os sintomas persistem, principalmente as dores articulares. Em mais da metade dos casos, a dor nas articulações, conhecida como artralgia, torna-se crônica e pode persistir por anos.
Desde 2013, quase 60% dos municípios brasileiros já foram afetados por 7 ondas epidêmicas.
As ondas epidêmicas são caracterizadas por um aumento significativo da doença em uma região, em um curto tempo. Nosso país é o mais acometido pela doença, comparando com outros países Americanos, com cerca de 1,2 milhões de casos. No ano de 2023, o número de casos da doença mais do que dobrou, em relação ao mesmo período do ano anterior. Este aumento foi observado de forma acentuada nas regiões Sudeste, principalmente em Minas Gerais e Espírito Santo.
Em geral, o que sabemos sobre a infecção pelo vírus Chikungunya (CHIKV), é que após uma primeira infecção, temos uma proteção natural para a doença, em nosso sistema imunológico, que permanece por vários anos. Neste sentido, chama a atenção o modo como as ondas epidêmicas ocorreram em alguns municípios de nosso país. Como assim?
Ondas epidêmicas de Chikungunya no Brasil
Em um estudo recente, publicado por 26 pesquisadores dos Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, analisou-se casos de transmissão do vírus em municípios do Ceará, Tocantins e Pernambuco. Neste post os autores José Luiz Proença Modena, Shirlene de Lima, e William M. de Souza, que assinam junto o texto.
O Estado do Ceará foi o mais atingido, desde que o vírus chegou ao país, com mais de 77 mil casos nas 3 maiores ondas epidêmicas (2016, 2017 e 2022). Conforme afirmamos antes, não era esperado que em uma mesma região acontecessem três ondas epidêmicas em um intervalo tão curto de tempo, como 4 ou 5 anos.
Essa pesquisa levou em consideração dados epidemiológicos da doença e, também, análises genômicas dos vírus.
O que os resultados, publicados recentemente, indicaram é que o CHIKV não se espalhou de forma homogênea dentro de um mesmo estado brasileiro, (em especial Ceará, Tocantins e Pernambuco, neste estudo). De acordo com a pesquisa, encontramos populações que permaneceram suscetíveis à infecção.
Essa onda epidêmica também não se relacionou com análises métricas de densidade populacional de mosquitos Aedes aegypti no Ceará e no Tocantins. Ou seja, uma maior densidade da população de mosquitos (maior quantidade de mosquitos por território) não teve relação com os casos registrados da doença. Isto pode indicar que, nesta onda epidêmica, a não infecção anterior tenha sido um fator relevante para o aumento de casos.
Além disso, o estudo demonstra que mulheres são afetadas desproporcionalmente e estimam a taxa de mortalidade por chikungunya de 1,3 mortes por 1.000 casos confirmados. Isto é maior do que o observado para outros arbovírus endêmicos em países tropicais, como dengue e infecções pelo vírus Zika.
Por fim, a partir do Sequenciamento Genômico do CHIKV, foi identificada uma nova linhagem no estado do Ceará – na epidemia de 2022 – que não estava presente nas epidemias anteriores. Isto nos indicou a introdução no estado, de uma nova linhagem, em meados e final de 2021. Esta linhagem introduzida no Ceará provavelmente veio de outros estados brasileiros e é originária de uma linhagem leste-centro-sul-africana.
A importância de pesquisas em arboviroses no Brasil
Compreender de que forma as doenças circulam no território nacional, como as ondas epidêmicas acontecem e com que periodicidade, nos possibilita a tomada de decisões a partir de evidências científicas.
Tanto dados epidemiológicos, quanto uma vigilância genômica eficientes, nos possibilitam esquadrinhar a doença. Isto não se restringe apenas ao seu surgimento em ondas. Mas aprender sobre as linhagens, rotas mais frequentes em que estes vírus chegam ao país, de que forma se espalham, com que velocidade, dentre outros fatores.
Aprender sobre doenças e sua transmissão, para além dos sintomas, é aprender a lidar com estas doenças. Além disso, se medidas públicas forem tomadas, aprender a controlar e minimizar danos causados às pessoas e à sociedade.
Estima-se que 1,3 bilhão de pessoas no mundo vivem em áreas de risco para transmissão do CHIKV. Esta doença, que possui sintomas graves e que pode durar por muito tempo. Mais do que isso, ainda não possui vacinas licenciadas ou medicamentos antivirais disponíveis para prevenir ou tratar a infecção. Os resultados levantados nestas pesquisas, conforme alertam os autores, indicam que as ondas epidêmicas continuarão acontecendo. Causando mortes e afetando pessoas que permanecem com sintomas de dores por muito tempo.
Assim, a pesquisa brasileira faz parte da construção de um país responsável por sua população, estabelecendo dados para políticas que tragam qualidade de vida, conforto e saúde a todos os brasileiros.
Para saber mais
SOUZA, WM, LIMA, STS, MELLO, LMS, … SABINO, E, MODENA, JLP, FARIA, NUNO, WEAVER, S (2023) Spatiotemporal dynamics and recurrence of chikungunya virus in Brazil: an epidemiological study, Lancet Microbe
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