Muito além do River Raid
Por Daniel Christino.
Eu adoro jogar videogame. Essa confissão já me rendeu alguns olhares estranhos na Universidade. “Mas você não tem algo mais importante para fazer?”, diziam. “Não!”, respondia meio injuriado. Embora seja uma chatice jogar “a sério” qualquer jogo de videogame, pensar sobre o impacto das novas mídias sobre os modelos de produção cultural já canonizados é um campo de estudos acadêmicos cada vez mais promissor.
Sem querer entrar numa de “peer-reviewing”, pelo menos não agora, indico dois artigos muito legais sobre como os estudos sobre games atravessam diversas áreas de pesquisa: Dynamic Lighting for Tension in Games e Tragedies of the ludic commons – understanding cooperation in multiplayer games.
O primeiro deles possui uma ligação bastante clara com o cinema e com a narratologia (ou teoria da narrativa). O modo como um jogo explora os efeitos de luz para compor um determinado clima supõe uma noção de narratividade visual muitas vezes importada do cinema. Por outro lado, os games, por trabalharem com um ambiente completamente virtual e manipulável (dentro de certos limites tecnológico de velocidade de processamento e memória), potencializam os usos possíveis da iluminação para criação destes efeitos. Ao contrário do cinema, os games têm controle completo sobre o ambienta no qual a ação ocorre. No cinema, isso só acontece nas CGI (imagens geradas por computador).
There are many lighting design techniques exhibited in theatre, film, architecture and dance that address the role of lighting on emotions and arousal. Currently, game developers and designers adopt cinematic and animation lighting techniques to enrich the aesthetic sense of the virtual space and the gaming experience. For example, game lighting designers manually manipulate material properties and scene lighting to set a mood and style for each level in the game.
O segundo entende o videogame como um modelo de interação social, ou seja, discute o modo como um contexto de simulação pode iluminar aspectos comportamentais dos indivíduos. O estudo retira sua força da metáfora do jogo e enfatiza uma das suas principais características: a relação entre os jogadores. Mesmo as brincadeiras de amarelinha ou pique-pega podem ser entendidas como simulações. Há um conjunto de regras não-naturais em funcionamento normatizando o modo como a ação pode ou não acontecer. O legal dos videogames é sua capacidade modelar, ou seja, nele possuímos algum controle sobre o ambiente no qual a ação se desenvolve e, por conta disso, podemos isolar ou testar variáveis de modo muito mais preciso. Neste caso os pesquisadores optaram por estudar o modo com o jogo apresenta alguns conflitos e a relação entre a solução destes conflitos e a vida social “real” do indivíduos. Em outras palavras, o artigo pressupõe que a simulação dos games pode nos ajudar a entender melhor a dinâmica social de pequenos grupos. É o caso quando eles estudam a trapaça (cheating) como um dilema social. O game dado como exemplo é o Diablo.
Accounts of cheating in games almost always invoke the eloquent example of Blizzard’s Diablo (Blizzard Entertainment, 1996), among the first truly successful commercial online games. It is generally acknowledged that the gaming experience was seriously affected by the amount of cheating apparent among many participants. In a somewhat informal survey conducted by the gamer magazine Games Domain (Greenhill 1997), 35% of the Diablo-playing respondents confessed to having cheated in the game (n=594). More interesting, however, were the answers to the question of whether a hypothetical cheat and hack free gaming environment would have increased or decreased the game’s longevity and playability. Here, 89% of the professed cheaters stated that they would have preferred not being able to cheat. This response distribution clearly tells of a social dilemma. Arguably, the players queried are tempted to cheat but understanding that this temptation applies to other players as well, would prefer that no-one (including themselves) have full autonomy.
Certo. Os artigos foram linkados a partir do site da Game Studies cuja base de dados encontra-se, hoje, aberta ao público. Há outros tantos em bases de dados restritas. Os games não são apenas diversão interessante, são também objetos acadêmicos relevantes tanto por sua popularidade quando pelas questões que levantam. Estamos muito além do River Raid. Divirtam-se.
===========================================
Daniel Christino escreve no Pasmo Essencial. É graduado em jornalismo e filosofia, mestre em filosofia e doutorando em comunicação. Atualmente é professor da Universidade Federal de Goiás.
Discussão - 1 comentário
Quem diz não gostar de jogos é porque ou nunca os jogou ou ainda não achou seu filão...