A ciência ocupa 23,6 MB

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Por Joey Salgado

O que o gráfico logo abaixo representa? A dependência da concentração de produtos com o tempo em uma reação química autocatalítica? O crescimento de um organismo vivo, com fases de aumento populacional exponencial e estacionárias? Um modelo de crescimento de tumores cancerosos? A dependência da condutância em função do potencial de uma membrana? Não, nenhuma dessas alternativas é a correta.
thesis_timeline.png
O gráfico acima, na verdade, é uma linha do tempo do tamanho da minha tese. É a minha thesis timeline, e mostra a dependência do tamanho do arquivo .doc (LateX nem que me paguem!) em função do número de dias confeccionando-a. Alguns esclarecimentos se fazem necessários:
  1. Sim, estou em vias de terminar meu doutorado. E passei praticamente do meio do mês de julho ao meio do mês de agosto inteiro terminando a redação da tese.[1]
  2. Devo defender a tese no fim de setembro meio de outubro desse ano. E sim, haverá uma festa. Uma grande festa.
  3. O esquema é o seguinte: resolvi escrever a tese em um arquivo único, para não ter que ficar juntando capítulos e recolocando citações cruzadas depois, nos 48 do segundo tempo. Então, dentro de cada dia trabalhando na tese, à medida que ia acrescentando conteúdo eu salvava uma nova versão com a data daquele dia, e.g., tese_salgado_20100814.doc.
  4. Dentro de um mesmo dia de trabalho, cheguei a salvar várias “versões” diferentes da tese, nomeando-as de a a z, e.g., tese_salgado_20100822c.doc; tese_salgado_20100822d.doctese_salgado_20100822e.doc e por aí vai…
  5. O gráfico que apresento acima, então, mostra o quanto o tamanho do arquivo tese_salgado.doc, representado pelas bolinhas vazias (o), cresceu durante os dias em que fiquei terminando a tese a tese terminou comigo.
  6. Que fique claro: eu não escrevi a tese em menos de trinta dias. Isso é humanamente pouco provável[2]. Mas de fato possuía vários relatórios, artigos e resumos escritos, além de praticamente todas as tabelas, figuras e esquemas prontos. Foi só um ctrl+C e ctrl+V (do meu próprio material, lógico) do dia 24 de julho ao dia 23 de agosto de 2010, acertando o encadeamento de ideias dos resultados que obtive durante quatro anos e meio de dedicação integral à academia penhora da minha alma.
  7. Possuo quatro back-ups físicos e um on-line contendo todas essas versões de arquivos .doc em dias diferentes. E, logicamente, esses back-ups todos estão em locais diferentes. Viu, caro provedor de hospedagem?
Ou seja, como produto final, possuo 23,6 MB de um arquivo .doc contendo todo o conhecimento científico inédito que produzi durante esses anos de doutorado. E o gráfico do tamanho do arquivo versus tempo assemelha-se a uma curva logística sigmoidal. Inclusive, ajustando-se os pontos por uma função sigmoidal de Boltzmann[3] obtive a curva tracejada do gráfico com r2 = 0,991.[4] Não é bonitinho?
E em que o fato da minha thesis timeline ter sido ajustada por uma função sigmoidal implica?  Significa, por acaso, que minha inspiração teve uma fase lag para depois crescer exponencialmente, aquietando-se ao final do processo de redação da tese? Logicamente, não. É somente uma mera coincidência, que pode ser explicada racionalmente. Durante os primeiros quatro dias, fiquei trabalhando principalmente com o editor de texto. A partir do quinto dia, comecei a inserir alguns gráficos e figuras na parte de resultados, sendo que o programa que uso para gerar os mesmos deixa-os muito pesados. Daí o abrupto crescimento do tamanho do arquivo. Então, próximo do décimo sétimo ou oitavo dias, terminei a parte de resultados, i.e., parei de entuchar a tese com gráficos pesados, e concentrei-me na discussão dos mesmos. Como a parte de discussão envolve mais texto, incluindo-se um ou outro gráfico ou figura pontuais, o crescimento do arquivo teve uma taxa reduzida.
Moral da história: muito cuidado com a conclusão que será adotada sobre (e na) tese e, principalmente, com o modelo que será utilizado para tal.
Ah, ainda não entreguei a tese para marcar a data da defesa. Falta somente uma “última olhada” do meu orientador. Será que outubro de 2011 é uma data mais provável? Aff…
Notas:
[1] Ou você acha que comecei publicando dois textos aqui (1 e 2) e sumi porque sou um grande vagabundo? ¬¬’
[2] Não digo impossível, porque se há até uma probabilidade não nula de que um carro ou uma pessoa atravessem uma parede deixando-a incólume e sem sofrerem danos… Uma tese “surgir” do nada em poucos dias também é plausível… ¬¬’
[3] y = ((A1 + A2)/(1 + exp(x – x0/dx)) + A2
[4] Para quem não está acostumado a ajustar dados experimentais por funções matemáticas não-lineares, o parâmetro r2 é uma espécie de “medida de qualidade do ajuste”, e quanto mais perto de 1 o mesmo for, melhor foi o ajuste. Ou seja, r2 = 0,991 é um #EPICWIN acadêmico.

Discussão - 13 comentários

  1. Joey!
    Que emoção defender tese de doutorado. É ou não?
    "Última olhada" não vale. Tem que ser uma lida integral e detalhada. Devolver ao aluno para correções e fazer uma segunda leitura de todo o documento. Depois é responsabilidade do aluno finalizar, depositar os exemplares e defender. As eventuais correções finais deverão ser feitas pela banca (e sempre existem correções a serem feitas).
    Espero que convidem pesquisadores à altura da importância de seu trabalho, do teu esforço e dedicação. Que possam discutir seu longo e árduo trabalho contigo de igual para igual, trocando ideias e opiniões. Uma defesa de tese é uma ocasião única. Hoje em dia, dificilmente se defende uma tese de doutorado duas vezes.
    Desejo boa finalização para você, que tudo dê certo, que tua tese fique muito boa e que a defesa seja melhor ainda.
    abraço,
    Roberto

  2. Fernando Heering disse:

    Roberto, meu caro,
    Logicamente, essa "última olhada" é a mais cheia de escrutínio possível, a mais valiosa dentre todas as anteriores. E não se preocupe, uma listinha "dos infernos" de nomes para a banca já está sendo preparada, hehe. Acho que o pior nesse final de doutorado, na verdade, é esse monte de questões burocráticas: número de cópias a serem entregues, ficha catalográfica, reserva de anfiteatro e equipamento, entrega de formulário para requisição de defesa... Aff, ninguém merece.
    Mas aguardo ansiosamente por esse dia, certamente. 😉
    Muito obrigado pelos votos de sucesso!
    Abraços,
    Joey

  3. Anderson Arndt disse:

    Cara, parabéns por mais esta etapa. Agora vai p/ fase final enfrentar o chefão do jogo.
    Assim que marcar a data da defesa (e da festa =D) avise, que tentarei ao máximo ir.
    Abraço

  4. Elton Carvalho disse:

    \begin{flame}
    Se tivesse em LaTeX teria muito menos que esse tamanho e você poderia fazer na ordem que fosse mais conveniente, sem dor de cabeça.
    \end{flame}

  5. Fernando Heering disse:

    Anderson, mas claro que serás avisado!
    Abraço

  6. Fernando Heering disse:

    Elton, muito menos quanto? Você teria uma ideia?
    Obrigado pelo comentário. Abraço.

  7. Sibele disse:

    Joey, esse gráfico tem que ser ampliado, impresso em papel fotográfico de alta qualidade e emoldurado para ser pendurado com destaque na sua sala!
    Já pensou, as visitas babarem ao acompanhar essa sua epopéia? 😀
    Parabéns, meu amigo! Sucesso na defesa!

  8. Sibele disse:

    E na festa, vai rolar o quê? Major Filthy Lopez ou BR66? 🙂

  9. Fernando Heering disse:

    Vixi Si, acho que não vai rolar nada, hehe. Apesar da ideia de fazer um som ao vivo ser ótima, dá muito trabalho e, no dia da defesa, creio que estarei ocupado o suficiente sem ter que montar uma banda, rs!

  10. Joey,
    Adorei demais esse post!!! Muito bem bolado!!

  11. Fernando Heering disse:

    Obrigado, Fer! 🙂

  12. Igor Santos disse:

    Joey, não tinha lido isso aqui ainda, mas estou grato em tê-lo feito agora. Excepcional!
    E adicionado à ideia que Sibele deu, antes de imprimir o gráfico, mude a variável "dias" para "semanas".

  13. Fernando Heering disse:

    Igor, sugestão anotada. Obrigado, rs.

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