Ciência e política: duas coisas inseparáveis

Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Ciência e Política. Hoje quem escreve é Eduardo Sato, autor do blog Torta de Maçã Primordial.

Se você quiser participar saiba mais em: http://bit.ly/SBBr10anos

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Provavelmente muitos não enxerguem quanto ciência e política estão atreladas e quanto uma afeta a outra, minha hipótese é que a ciência como forma crítica de interpretar o mundo não é ensinada nas escolas de maneira proposital, como diria Darcy Ribeiro: “A crise educacional do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um projeto” [1].

Talvez parte do problema seja o fato das pessoas não entenderem o que um cientista faz, ou mesmo o que é ciência de modo geral. Mas não se engane, isto não quer dizer de forma alguma que a população brasileira não tem interesse por ciência: uma enquete realizada em 2015 pelo Centro de Gestão em Estudos Estratégicos (CGCE) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) mostra que 61% dos entrevistados se declararam interessados ou muito interessados pelo tema, porém 87% não soube informar o nome de um instituto de pesquisa científica brasileiro e 94% não conhece o nome de um cientista brasileiro [2].

Quando a (falta de) ciência afeta a política

            Existem dois pontos onde a falta de ciência é bastante problemática: na percepção da população sobre algumas decisões políticas e nas próprias tomadas de decisão dos políticos em questões que envolvem ciência.

Um caso onde o primeiro ponto ficou bastante claro para mim aconteceu em 2016, quando Michel Temer assumiu a presidência e montou sua equipe de ministros sem ao menos uma mulher [3]. Na época, houve uma grande polêmica sobre este fato, como um claro exemplo de machismo, pois a probabilidade de isto acontecer ao acaso era muito baixa. Eu (que ainda não tinha nenhum envolvimento com divulgação científica) concordei com o argumento e supus que ninguém havia calculado esta probabilidade por preguiça, então eu fiz um modelinho simples, fiz o calculo e publiquei a imagem a seguir no Facebook.

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            Figura 1: Probabilidade de uma equipe com 23 pessoas escolhida ao acaso contenha um número m de mulheres, dado o pré-requisito de que todos sejam brasileiros, acima de 25 anos e possuam ensino superior completo [4].

            Acompanhando os comentários, percebi que a grande maioria das pessoas nunca tinha visto um teste de hipótese nula! Isto foi um choque para mim, pois no mundo das ciências exatas esta ferramenta é usada de forma bastante corriqueira, por que não ensinamos isto nas escolas? Outro choque para mim, foi o fato de muitos não entenderem o que é uma distribuição binomial (esta inclusive é parte do currículo do ensino médio) fora do contexto bobo de lançamento de vários moedas para determinar o número de caras e coroas.

Refletindo um pouco sobre este caso, comecei a pensar como a estatística e diversas outras ciências não são ensinadas nas escolas como ferramentas para interpretar o mundo, mas sim como coisas para se decorar para a prova. Em especial, a estatística é apresentada como argumento em diversos meios de comunicação, mas me respondam estimados leitores, vocês aprenderam no ensino médio, o que significa por exemplo, a “margem de erro de 2% para mais ou para menos” que tanto se fala nas pesquisas eleitorais?

Outro problema que podemos apontar no aspecto de percepção política é que posições políticas são tratadas por muitos como uma crença, ou como uma parte da suas personalidades e não como algo baseado em evidências: um estudo realizado pela University of Southern Carolina indica que pessoas tem mais resistência a mudar de opinião sobre questões politicas quando apresentadas a contra-argumentos em relação a opiniões sobre questões não políticas [5].

Isto vai completamente contra o espírito do método científico, onde se o mundo não corresponde as previsões do nosso modelo devemos descartar completamente nossas hipóteses. Então fica a pergunta: se a população tivesse um letramento científico “ideal”, teríamos um reflexo disso nas visões políticas?

Com isso podemos pensar no segundo ponto: as tomadas de decisões políticas. Segundo uma tese de doutorado defendida na London School of Economics, cientistas costumam ter pouca voz no processo de formulação de políticas públicas na área ambiental [6]. Possivelmente esta conclusão possa ser generalizada para as demais áreas de ciência, onde dificilmente cientistas são consultados em questões técnicas e prevalecem as opiniões dos seres políticos.

Um exemplo na cidade de São Paulo é a lei municipal 13.440 de 2002 (com redação alterada pela lei municipal 16.644 de 2017) que proíbe o uso de celulares em postos de gasolina [7], com a justificativa de que celulares poderiam produzir faíscas que levariam a acidentes devido a presença de materiais inflamáveis.  Quão absurda é a existência de uma lei assim?

Sabem o que produz faíscas? Carros. Como será que o redator dessa lei acha que funciona o sistema de ignição de um carro? Será que deveríamos todos empurrar nossos carros para fora do posto antes de ligá-los? Aliás, as máquinas utilizadas na cobrança de cartões de débito/crédito são celulares disfarçados… elas também são proibidas? Não é preciso um físico ou um engenheiro eletricista para perceber a ineficácia desta lei, mas se apenas um deles tivesse sido consultado, esta lei nunca existiria.

E não só nas leis está o problema da falta de voz dos cientistas nas pautas que envolvem ciência, pois estes mesmos políticos que não confiam em ciência, decidem os orçamentos da ciência, através dos repasses para agências de fomento, universidades, laboratórios nacionais e demais centros de pesquisas públicos.

Não é à toa que ao primeiro sinal de crise financeira tenhamos cortes enormes nos investimentos em ciência e tecnologia como os que acontecem atualmente e motivam diversas marchas pela ciência por todo o país.

Divulgação científica como parte da solução

            Com o apresentado fica claro que o letramento científico não é o único fator para mudar as políticas públicas, mas talvez parte da solução seja mudar a percepção pública de ciência. Cientistas por muito tempo se dedicaram e ainda se dedicam exclusivamente à ciência sem se importar em explicar à população (que financia as pesquisas) qual a importância do seu trabalho, ou mesmo qual é o trabalho de um cientista.

Está mais do que na hora dos cientistas saírem das suas torres de marfim e criarem um canal de dialogo aberto com a sociedade. Parte importante dessa comunicação já existe através dos meios de divulgação científica, mas o que temos ainda é pouco.

Neste contexto quero parabenizar o ScienceBlogs Brasil, pelos dez anos nessa jornada de levar ciência de forma acessível a população e por servir como inspiração para o surgimento de diversos outros canais de divulgação científica no Brasil, onde incluo nós do Blogs de Ciência da Unicamp. Nós temos um papel de extrema importância nessa mediação entre ciência e sociedade e precisamos não só continuar este trabalho mas também incentivar novas iniciativas que ampliem esta comunicação! Continuemos escrevendo, pois como já concluímos os blogs não morreram!

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Eduardo Sato é doutorando em física pela Unicamp, autor do blog Torta de Maçã Primordial e membro da equipe do Blogs de Ciência da Unicamp.

 

 

[1] Ribeiro, D. Sobre o óbvio. Em: Ensaios insólitos. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

[2] Moraes B,  Caires L, Fontes H. Pesquisa revela que brasileiro gosta de ciência, mas sabe pouco sobre ela. Jornal da Unicamp. Campinas: 2017, Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2017/09/25/pesquisa-revela-que-brasileiro-gosta-de-ciencia-mas-sabe-pouco-sobre-ela

[3] Arbex T, Bilenky T. Ministério de Temer deve ser o primeiro sem mulheres desde Geisel. Folha de São Paulo, São Paulo: 2016, Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1770420-ministeriado-de-temer-deve-ser-o-primeiro-sem-mulheres-desde-geisel.shtml

[4] Sato, EA. Meus dois centavos sobre a falta de representatividade dos ministros de Temer. Facebook, Campinas: 2016, Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=999783896742911&set=a.255352981186010.71761.100001339318044&type=3&theater

[5] Kaplan JT, Gimbel SI, Harris H. Neural Correlates of maintaing one’s political beliefs in the face of counterevidence. Sci. Rep. 6, 39589; doi: 10.1038/srep39589 (2016). Disponível em: https://www.nature.com/articles/srep39589

[6] Donadelli FMM, Reaping the seeds of discord: advocacy coalitions and changes in brazilian enviromental regulation. London School of Economics, PhD thesis, London: 2017, Disponível em: https://www.researchgate.net/project/PhD-Thesis-5

[7] Nunes R. Lei Nº 16.644, de 9 de maio de 2017. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/lei-ordinaria/2017/1664/16644/lei-ordinaria-n-16644-2017-altera-a-redacao-dos-arts-1-e-2-da-lei-municipal-n-13440-de-14-de-outubro-de-2002-e-da-outras-providencias

 

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