Ascensão e queda da ciência brasileira
Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Ciência e Política. Hoje quem escreve é Luciano Queiroz, cientista, biólogo, divulgar de ciência no Dragões de Garagem e pré-candidato a deputado estadual pelo PT/SP.
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“O número de mestres e doutores formados no Brasil aumentou mais de cinco vezes (401%) desde 1996”, é assim que começa a matéria do jornalista Herton Escobar do dia 05 de julho de 2016. Esse número nos diz muito e devemos analisar com calma.
Quero demonstrar que o aumento no número de cientistas indica a ascensão da ciência brasileira em um primeiro momento e, como isso está se tornando um fardo, contribuindo para queda.
A maior parte da ciência brasileira é feita dentro das universidades públicas. Bolsas de mestrado e doutorado, projetos de pesquisa e investimento em infraestrutura são responsabilidades de dois ministérios Educação (MEC) e Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Os orçamentos de ambos os ministérios cresceram nesse mesmo período e podemos dizer que o aumento no número de mestres e doutores formados é um reflexo desse aumento. Outro indicativo da ascensão da ciência brasileira foi o aumento no número de publicações em revistas científicas. Aumento esse muito discutido nos últimos anos por ser apenas em quantidade e não em qualidade (dados mais detalhados aqui e aqui).
Esse crescimento foi contínuo até 2013 quando começou a diminuir, vieram eleições, crise econômica e golpe parlamentar. Desde então, a maioria das notícias que lemos sobre ciência e tecnologia contêm palavras como “cortes”, “contingenciamento”, “perda de recursos”, “desmonte”, etc. E, acompanhando os gráficos do orçamento, inicia-se a queda da ciência brasileira.
Pretendo não me aprofundar muito nos sucessivos cortes – iniciados ainda no governo Dilma, aproveitando para fazer aqui minha autocrítica como petista – porque já dedicamos muito esforço para apontá-los à sociedade. Algo que já está ficando cansativo até para mim. Temos que avançar na discussão, temos que pensar soluções práticas e agir.
A primeira coisa que devemos fazer é entender as consequências da nossa queda. E vale uma observação, na ciência, assim como em outras áreas, os efeitos são sentidos à médio e longo prazo.
Mesmo com os cortes, grupos de pesquisa ainda tinham projetos aprovados, recursos disponíveis e a maioria dos alunos possuíam suas bolsas de pesquisa. Vamos dizer que essa era a gordura que tínhamos para queimar, só que ela está acabando.
As universidades públicas brasileiras estão em uma situação gravíssima, depois de termos experimentado a maior expansão do ensino superior público com o REUNI, construção de centenas de universidade e institutos federais em todo o Brasil e aumento no número de vagas de professores (entende-se: cientista, pesquisador, docente, administrador, adicione mais uma função a sua escolha) e alunos. O efeito dos cortes, somado a emenda constitucional do teto de gastos (PEC do Fim do Mundo), está começando a ser sentido com maior intensidade.
Diversas universidades estão tendo que cortar despesas com serviços de manutenção. A Universidade Federal do ABC (UFABC), como aponta matéria do G1, reduziu os contratos realizados com empresas terceirizadas para segurança e zeladoria, além de desligar os elevadores. Mas não só as universidades federais estão passando por isso, a UERJ está em situação muito mais complicada há mais tempo. Só para ficarmos em alguns exemplos.
Talvez você não saiba, mas os alunos de pós-graduação são a principal mão de obra da ciência no mundo. Estamos passando pelo processo de formação científica, realizamos nossos estudos que normalmente compõem um projeto maior do orientador. As publicações com pequenas ou grandes descobertas, patentes e ideias são frutos dos trabalhos realizados pelos alunos sob supervisão do orientador (mentor científico).
Com os cortes, o interesse dos alunos pela carreira científica tende a diminuir, mesmo porque os incentivos (bolsa de estudos, colocação no mercado) também diminuíram. Resumindo, o número de alunos saindo da pós-graduação está maior do que os que entram. E para onde eles estão indo? Alguns conseguem ocupando vagas em universidades públicas e privadas, apesar da diminuição da oferta dessas vagas, outros vão para docência no Ensino Básico ou, na pior das hipóteses, mudam de profissão. Mas quero focar em um destino que tem me preocupado um pouco mais.
Esse destino já foi apontado pelo Cláudio Ângelo no texto “Quem matou a ciência brasileira?” como a Opção Bolívar (eu inventei esse nome). Citando o Cláudio Ângelo, “é fazer o que Simon Bolívar recomendou no fim da vida que se fizesse na América: emigrar”. Outros têm dito que o melhor caminho para o cientista brasileiro é o aeroporto. E é aqui que o aumento no número de mestres e doutores se tornou um fardo.
Isso me preocupa porque fizemos um investimento grande (recursos) e longo (tempo), foram mais de 10 anos formando cientistas, enviando vários deles para o exterior a fim de se especializar e retornarem para o Brasil. Deixar que essa massa crítica vá embora é lamentável, não podemos forçá-los a ficar, mas mostra como a política influencia diretamente na vida do cientistas e, consequentemente, na sociedade como um todo que não terá o conhecimento daquele cientista a sua disposição. Além de perdemos o investimento financeiro, perdemos a pessoa.
E de onde vem a solução? Seria muito bom se tivesse uma resposta simples e direta para isso, mas não tenho. A única solução a médio e longo prazo que vejo é o nosso envolvimento do política. Todos esses eventos de cortes e contingenciamentos acontecerem e nós cientistas não conseguimos responder a altura, ficamos esperando por um “logo melhora” e acreditamos em promessas furadas. No fundo, espero que tudo isso sirva, e estou trabalhando nesse sentido, para que comecemos a criar uma identidade coletiva a partir dessa massa disforme de pessoas.
A política faz parte das nossas vidas e por mais que o tempo seja curto, que tenhamos reuniões longas e burocráticas, que o prazo para entrega do relatório esteja chegando, que os experimentos não estão dando certo… nós devemos participar da política. Nossa ausência está cobrando caro.
Talvez a queda da ciência brasileira seja apenas um declínio momentâneo e logo voltamos a crescer, mas temos muito trabalho pela frente. Li uma frase ontem que resumiu bem meu sentimento, “Nenhum país terá futuro melhor se não construí-lo no presente”. A ciência faz parte desse país, desse futuro e presente.
Luciano Queiroz é cientista, biólogo, divulgar de ciência no Dragões de Garagem e pré-candidato a deputado estadual pelo PT/SP.
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