Valor social da pesquisa científica

Semana passada uma “autoridade” em fertilizantes criticou em minha presença um trabalho científico que avaliava o efeito de alguns sais utilizados como fontes de nutrientes sobre a germinação de sementes de uma determinada gramínea usada como pastagem. A justificativa de sua crítica era o uso pelo experimentador do sulfato de potássio, um fertilizante caro e raramente usado na adubação de pastagens, prática aliás muito pouco comum entre os pecuaristas brasileiros. Segundo o criticador, era inadmissível a distância entre a pesquisa agrícola e a realidade da agricultura brasileira. Não deixei de reconhecer algum mérito no que dizia, mas logo depois ele sugeriu que a mesma pesquisa poderia ter sido feita utilizando-se outros adubos mais baratos…que, no entanto, não eram sais e logicamente não dariam as informações que os pesquisadores queriam, a saber, o efeito do potencial osmótico gerado no solo sobre a hidratação das sementes da gramínea. A “autoridade” entendia de preço de adubos mas não de química. De toda forma, este episódio me fez refletir sobre uma questão recorrente em minha carreira de pós-graduando: a utilidade social da pesquisa científica. Há alguns meses um professor de pós-graduação me questionou sobre a validade social de um trabalho de que participei sobre a permineralização (substituição de uma matriz orgânica por uma matriz mineral, ocorre na fossilização de material orgânico) de fragmentos de madeira da Antártida marítima. Por motivos hierárquicos, não pude dar a resposta cabível, mas deveria lhe ter perguntado qual a utilidade social imediata da teoria da seleção natural, ou talvez dos modelos newtonianos da atração dos corpos celestes, ou melhor ainda lhe sugerir a leitura deste texto do economista Robert J. Aumann, prêmio Nobel de economia em 2005. Obviamente, há necessidade de pesquisa aplicada, de preferência em áreas que possam trazer melhoras à vida no planeta, mas o conhecimento científico não é feito de pedaços isolados, há toda uma cadeia de conhecimentos que se somam e se completam e a pesquisa aplicada só é possível por causa do desenvolvimento da ciência básica, e mais importante de tudo, nem sempre, talvez devesse dizer quase nunca, a abrangência das aplicações práticas de uma determinada descoberta científica é conhecida ou sequer imaginada. O que existem são mentalidades tacanhas, paroquialistas, com conhecimento limitado e em geral viesado que se sentem compelidos a emitir opiniões sobre qualquer assunto, mesmo que o não conheçam, como é o caso da autoridade em adubos da qual falei acima. Ou pior, neo-medievalistas como a ministra do meio-ambiente de nosso país, insistindo para que não se faça pesquisa em biotecnologia porque afinal de contas a crosta de ignorância é aconchegante e pensar é difícil.

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