Ciência…do Solo?

Há talvez uns dois anos um professor me perguntou se eu achava existir um certo estigma cultural em relação à Ciência do Solo, algo como um certo preconceito por parte de cientistas de outras áreas, e se este estigma não seria da mesma linhagem do preconceito que existe também em relação a agricultores, aos que cultivam o solo, geralmente taxados de matutos, caipiras, jecas, primitivos. Parece-me que um certo desdém pela agricultura e pelo agricultor tem raízes antiquíssimas na civilização ocidental e cristã. No Velho Testamento, o cruel e pouco razoável deus dos hebreus desprezou a oferta do agricultor Caim, preferindo o sacrifício de animais que lhe oferecia o pastor (pecuarista) Abel, despertando os ciúmes e finalmente o ódio homicida do primeiro. Consta que este conflito mitológico inicial simboliza a preferência do deus JHVH, ou a natural preferência dos hebreus de então, por um estilo de vida mais simples, nômade, pastoril, representado por Abel, em detrimento de um modo de vida sedentarizado, necessário para a prática das atividades agrícolas e que possibilitou a formação dos primeiros ajuntamentos humanos que dariam origem à Cidade (civitas, donde civilização). Assim, a agricultura é não só o fundamento mas a própria fundação da civilização. Por ser fundação, o que está no início, o que é antigo, nossa era pós-moderna abomina, rejeita. Talvez o progresso material da civilização ocidental, que proporcionou e proporciona quantidades nunca vistas de riqueza e conforto acompanhados de sofisticação cultural, faça com que se sinta um certo desprezo, alguma vergonha até, daquele início mais humilde, como os novos ricos em geral se envergonham das humildes origens, muitíssimas vezes agrárias, chegando a negá-las, ou como os bons cristãos se recusam a admitir descenderem de formas de vidas pretensamente inferiores, talvez geofágicas. Concluo que da mesma forma, a “big science”, plena de recursos informacionais, matemáticos, computacionais e metodológicos, prestes a desvendar os segredos universais e de ganhar o próximo milhão, talvez se sinta constrangida em reconhecer como igual e irmã a humilde Ciência (?) do Solo, em que ainda se pega (e a este verbo empresto uma carga emotiva, amorosa) na terra, onde no lugar de colisores de partículas, usam-se ainda martelos, trados e enxadas, quintessência do primitivo. Enfim, mesmo na prática científica, muitas vezes pouco importa a importância e relevância do que se faz se a aparência externa não é o que se espera ou o que está na moda.

Discussão - 1 comentário

  1. Vieira Calado disse:

    Sempre se aprende com os antigos.Ou se reaviva a memória para a evidência.Os que querem aprender... ou reavivar a memória.

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