Façamos as coisas d’outro modo

Aprecio muito ler biografias de cientistas, em meu caso, creio que serve do mesmo jeito que antigamente as pessoas religiosas liam vidas de santos: procuro modelos em que me espelhar, sem no entanto sequer pensar em simplesmente imitar. Muitas das biografias de cientistas brasileiros da primeira metade do século XX falam de um modo diferente de pensar e fazer a universidade de então, algo mais próprio nosso, sem macaquear os americanos. Em nenhuma das biografias que li havia a descrição detalhada de como isto era feito, mas imagino que devia ser uma universidade mais próxima de nossa herança cultural, de nossos valores intelectuais, talvez até de nosso ritmo. De toda forma, a opinião dos que descrevem aquele estado de coisas inicial o fazem favoravelmente. Depois veio a inevitável (parece) tendência de imitar os americanos, transplantando um tipo de universidade e um ritmo que nada tinham a ver conosco. Realmente parece que gostamos de imitar, agora até mesmo começamos a fazer pós-doutorados um atrás do outro, não pelas mesmas razões dos americanos, mas o importante é que façamos o que eles fazem, algo como os proverbiais aborígines fabricando capacetes de madeira e falando para o céu à espera do avião que nunca virá. Nesta nova ferramenta de potencial divulgação de conhecimento que são os blogs também já começamos a macaquear os americanos. Quando me propus a publicar um blog de divulgação científica, a idéia que tinha (e tenho) era realmente explicar as coisas o mais didaticamente possível, mostrando ao leitor o quão interessante e relevante seria para sua vida os estudos feitos no ramo da ciência ao qual me dedico. Pensei, algo ingenuamente, que isto seria a regra entre os blogueiros ditos divulgadores de ciência. Via e vejo os blogs como possível escapatória do ciclo de produção de artigos científicos dos periódicos especializados em nossa cultura científica, a partir dos quais pouco conhecimento chega ao leigo. Tenho visto muito em minha área (e realmente não sei se acontece em outras, mas não duvido) os pesquisadores escreverem artigos para serem vistos por outros pesquisadores, ponto final. Agora, parece-me, já há blogueiros que escrevem para blogueiros, em flagrante imitação de bloggers. Claro, o que cada um escreve em seu blog é uma escolha própria, nada tenho a ver com isso, mas não me abstenho de dar minha opinião. O que tenho lido são infindáveis discussões de o que é divulgação científica, como se faz, se é eficiente, a quem atinge, qual a filosofia a ser adotada, enfim, discussões interessantes para quem as discute, mas não creio que seja para quem busca conhecimento científico. Há exceções. Gosto muito do formato do blog Meu amigo soxhlet, do Por dentro da ciência, do Orquidofilia e Orquidologia, entre outros. São blogs escritos por cientistas, interessados principalmente em ensinar, em divulgar ciência. Vão bem ao contrário dos principais bloggers de ciência americanos, atualmente mais interessados em polêmicas e em dar opiniões muitas vezes tão dogmáticas quanto às daqueles que antagonizam. Aliás, penso que a melhor maneira de se combater os neoobscurantistas e as pseudociências que por aí grassam é divulgando o conhecimento científico o mais amplamente possível. Façamos as coisas de outro modo, do nosso modo. Esqueçamos os posts destinados a chocar pela opinião extravagante, escrevamos posts explicando o funcionamento do universo, por longos que sejam. Acho até que a predominância de posts curtos, telegráficos, não é algo nosso. Somos ibéricos, tendemos a gostar da palavra escrita. Escrevamos, longos posts que sejam, façamo-lo bem e ensinemos, esperando que os outros aprendam a pensar criticamente, que é o que faz todo bom cientista e blgueiro (ou bloguista).

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