A riqueza, a hipocrisia e o fim do mundo
Querem saber qual é o problema ambiental mais grave do planeta? Não titubeio em dizer: a riqueza, ou melhor, o “desenvolvimento”. Os padrões ocidentais de riqueza e desenvolvimento. E não me refiro apenas à riqueza dos países desenvolvidos com seus padrões de consumo irresponsáveis. Em países “em desenvolvimento” também há o tipo de riqueza a que me refiro. Não queremos todos alcançar um nível de vida típico de classe média americana, nós da classe pensante brasileira? Até onde posso ver, é comum o desejo de possuir carros. Para aplacar a consciência, exigimos carros flex, ou a álcool, ou doravante movido a qualquer biocombustível, mas ignoramos tranqüilamente as montanhas de minério de Minas Gerais e do Pará literalmente transportadas para as siderúrgicas para retirada de ferro e alumínio destes mesmos carros. Alguém tem idéia do impacto disto? Alguém se predispõe a protestar contra o desejo de possuir um carro? Não, é melhor ser hipócrita. Bastam os biocombustíveis, aliás cultivados utilizando-se insumos agrícolas produzidos com o uso de combustíveis fósseis ou de recursos minerais não renováveis. Sim, porque pouquíssimos estariam dispostos a pagar por biocombustíveis totalmente orgânicos (alguém já viu os preços de hortaliças orgânicas?). Um outro grande desejo humano é ter casa, e a classe média bem informada prefere apartamentos, talvez na beira da praia, tirando a vista dos outros do mar. Uma surpresa para os que acham que só os grandes empresários e os agricultores do mal produzem gases de efeito estufa: a produção do cimento de seu apartamento comprado a suadas prestações é feita a partir da calcinação do carbonato de cálcio: CaCO3 → CaO + CO2. Este CO2 aí no final é o dióxido de carbono, principal gás de efeito estufa. Alguém se propõe a combater a construção de casas? Não, é melhor ser hipócrita. A vaquinha que produziu a picanha que entusiasticamente queimamos no fim de semana produz uma quantidade não desprezível de metano, um gás de efeito estufa mais poderoso que o CO2, imaginem quanto metano produzem vaquinhas para alimentar 6 bilhões de bocas. Ah, você não come carne? Um dos maiores produtores de metano no planeta são os plantios de arroz inundado. Você é um ambientalista ativamente preocupado com a possibilidade de construção de usinas nucleares? Orgulhoso porque o Brasil produz energia a partir da água, um recurso natural renovável? As hidrelétricas estão bem, obrigado, produzindo quantidades nada desprezíveis de metano. Creiam-me, pouquíssimos estão dispostos a realmente fazer as mudanças necessárias para que vivamos numa sociedade realmente sustentável. Modernizando a imagem que Cristo utiliza no Novo Testamento para descrever os hipócritas, preferimos ser sepulcros caiados exalando metano pelas mal disfarçadas rachaduras.
Ítalo M. R. Guedes
Discussão - 6 comentários
Muito bom o texto Ítalo, mas infelizmente a maioria das pessoas nao estao preparadas para aceitar td isso, tem gente por ai q acha q o mundo está melhor só pq agora estamos discutindo td isso.
Não gosto muito destes papos apocalípticos porque parece que não há volta, não há esperança.
Viver impacta o mundo. É fato não é hipocrisia. Chamar quem come arroz e quer lutar por um mundo melhor de hipócrita é uma ótima forma de alienar pessoas.
Não se muda uma sociedade alienando pessoas, não se muda hábitos de uma hora para outra, é muito mais lento do que isso mas acontece, e está acontecendo.
E durma com um barulho desses Ítalo...
Como diria a letra de uma "música" (um tipo de barulho horrível por sinal): "tá tudo dominado". Inclusive hipocrisia e pseudociências podem vir de onde menos se espera.
Alguém devia avisar aos ecoxiitas, instruí-los/ensiná-los, que a intensidade das reações de desnitrificação em campos de arroz inundados é algo "estratosférico", ou seja, tudo isso levando a uma diminuição da eficiência de adubação nitrogenada, o que por sua vez leva também a uma maior quantidade de nitrogênio a ser aplicado para atender aquela produtividade almejada para que barateie o produto o suficiente para se atingir o preço de R$ 6,00 o saco de 5 kg para nós consumidores.
Bom, onde que eu queria chegar é que de repente, calcular na ponta do lápis o custo ambiental da produção agrícola de arroz e, querer comparar com o custo ambiental da produção de carne para se usar essa comparação como bandeira do vegetarianismo para salvar o planeta pode ser meio arriscado para quem tentar.
E de repente também alguém poderia perder o sono por terem seus ideais de vida estraçalhados de um dia para o outro, ou no caso, talvez de um livro para o outro.
Mudando de assunto, cara, vocês estão de parabéns pelo blog, o nível está bem elevado, digno de vocês.
Abraços
Concordo que viver impacta o mundo, mas o objetivo de meu post, e o meu, é passar a mensagem de que para que impacto possa ser minimizado são necessárias ações reais, não apenas o desejo que as coisas mudem. O que chamei, e continuarei chamando, de hipocrisia é o discurso desacompanhado de ações, creio que isto tenha ficado bem claro. Usei um recurso retórico bastante conhecido, chamado ironia, tentando mostrar ao leitor o quão complicado, mas possível, é realizar mudanças reais para reverter a situação atual em termos de mudanças antrópicas deletérias ao planeta. Creio que alienar pessoas é não mostrar de forma clara e sem rodeios qual o impacto que seu padrão de vida tem sobre o mundo. Não tenho dúvida de que isso incomode quem está feliz com o statu quo. Talvez você não tenha percebido, mas a situação é apocalíptica.
Caro Ítalo
Sou autor do livro "A Ciência da Riqueza Econômica, dos Recursos e Soluções". Concordo com suas palavras mas não podemos condenar a riqueza, desta forma ela pode ser desenvolvida com outra cara, que consiste em eliminar a ganancia e a selvageria. Acho importante a eficiencia da riqueza até para o bem daqueles que não conseguem tela, os que podem precisam ajudar. Deus é rico. O livro citado acima consiste em relatar principios e controles para a decisão , pois é na hora da decisão que alguem cresce ou cai. Enfim amigo persista nesta luta.
Gildásio Vieira rocha
Caro Gildásio, obrigado por suas palavras de incentivo. Não sei se Deus é rico, mas o planeta está sofrendo com a riqueza e a ganância humanas.