Elementos-traço: enriquecimento do solo e valores orientadores II

 
A obtenção de valores de referência de elementos-traço, embora incipiente no Brasil, já é bem estabelecida em países como Estados Unidos, Alemanha, França e, principalmente, Holanda, que desenvolvem respeitáveis políticas ambientais para proteção do solo e das águas subterrâneas, por meio de suas agências de proteção ambiental. A Holanda foi a pioneira em criar sua lista de valores orientadores, e atualmente apresenta uma metodologia já consolidada de avaliação de risco, fundamentada em critérios científicos, denominada C-soil. Na União Européia existe a “Estratégia Temática para Proteção do Solo” que estabelece bases e regulamentações para manutenção ou, até, melhoria da qualidade do solo.
Até o presente momento, apenas os estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, supostamente, já têm alguma definição quanto aos valores de referência para elementos-traço em solos. No estado de São Paulo, a definição dos valores orientadores, por intermédio de sua agência ambiental – CETESB, teve por base a metodologia adotada em outros países, principalmente a Holanda. Neste País, os valores de referência de qualidade são derivados a partir de algumas propriedades dos solos. Não obstante, os valores de referência adotados pela CETESB não estão relacionados com características dos solos, sendo considerado um único valor de cada elemento para os solos de todo o estado.
Recentemente foi publicado um trabalho formulando uma proposta de valores de referência para “solos do Brasil”. Nesta proposta, sugere-se a definição dos valores de referência para vários elementos-traço a partir de algumas características dos solos tais como: capacidade de troca catiônica e teores de silte, argila, ferro e manganês, por meio de equações empíricas, denominadas funções de classificação, obtidas experimentalmente. Tal proposta, entretanto, utiliza algumas características de solo com base teórica questionável e agrupa os solos por similaridade estatística (análise de agrupamento), aparentemente sem qualquer controle por formação geológica. Além disso, possivelmente utiliza-se de amostras majoritariamente do estado do Rio de Janeiro, carecendo de confirmação em estudos de maior abrangência, com maior número de amostras, de modo a pretender o âmbito nacional. Além desse trabalho, existem também vários estudos pontuais avaliando os teores de elementos-traço em solos brasileiros, sugeridos para serem adotados como valores de referência.
Obviamente, variações significativas nos teores naturais de elementos-traço podem ser esperadas, mesmo dentro de classes de solo relativamente homogêneas pelos padrões pedogenéticos. Processos diferenciados de formação das diferentes rochas, ígneas, metamórficas e sedimentares, em tese conduzem a diferenças na distribuição de elementos-traço em solos e sedimentos. Por exemplo, um Latossolo Vermelho originado de sedimentos detrito-lateríticos terciários poderá apresentar teores diferentes de elementos-traço em relação a esta mesma classe de solo originado de um basalto cretáceo. Por outro lado, os processos pedogenéticos tendem, até certo ponto, a homogeneizar os produtos de intemperismo dos materiais parentais. Há de se ter em mente que boa parte dos solos desenvolvidos sob condições tropicais é passível de intenso processo de redistribuição de material, não só ao longo do perfil, mas também lateralmente, que talvez alterem o padrão de herança geoquímica originalmente presente.
Via de regra, a metodologia adotada na definição destes valores permite também derivar valores relacionados com riscos ecotoxicológicos, que foram designados, no Brasil, como “valores de alerta” e “valores de investigação”, bem como valores relacionados com as concentrações naturais destas substâncias nos solos, denominados “valores de referência de qualidade”.
Indubitavelmente, os valores orientadores estabelecidos para uma região específica não devem ser adotados para outras, não obstante a proximidade geográfica. Em especial os valores de referência de qualidade que merecem a criação de um banco de dados global, tendo em vista a diversidade e as peculiaridades das formações geológicas e dos solos. Por fim, a determinação detalhada de valores de referência permite a tomada de decisões mais seguras quanto a usos de solos. Por exemplo, a constatação de valores de background naturalmente altos em determinado solo pode auxiliar na tomada de decisão quanto ao uso deste solo como área de disposição de resíduos industriais. Em termos de uso agrícola, será possível distinguir adição antrópica, via aplicação de insumos, do teor natural de elementos tóxicos no solo. Neste caso, também, pode-se tomar decisões mais racionais quanto à utilização de insumos como fosfatos, gesso agrícola, calcários, escórias de aciaria e lodos de esgoto ricos em elementos tóxicos em solos que naturalmente apresentam concentrações altas destes elementos.
Juscimar Silva

Discussão - 3 comentários

  1. alessandro disse:

    muito bom..
    fiz minha tcc sobre este assunto no meu curso de quimica...
    sou d MG, e tive que usar os valores de CETESB, o trabalho foi feito em uma propriedade rural, que usa insumos agricolas, usei como testemunha uma mata, dai deu ligeiro aumento dos elementos As. Pb. Zn e Cu, teoricamente vindos dos produtos usados na lavoura de cafe e milho, como fertilizantes fosfatados, calcario e pesticidas..
    MG precisa ter valores de referencia tbem, pois os solos mudam e tbem suas caracteristicas...

  2. Ana Carolina disse:

    Agora MG já tem os próprios valores orientadores, mas os mesmos foram baseados nos da CETESB (pouquíssimas diferenças).
    Ver: Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH-MG nº 02

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