Por que a agricultura convencional não é sustentável

Há basicamente duas formas de se praticar a agricultura. A primeira, que será discutida neste post, é em geral conhecida como agricultura convencional (conventional farming ou conventional agriculture), baseia-se na aplicação de tecnologias e técnicas que visam a maximização tanto da produção agrícola quanto dos lucros. Este tipo de agricultura é a que caracteriza o tal agronegócio de que tão ufanisticamente o brasileiro parece se orgulhar (pelo menos é o que nos informa a mídia) à medida que substitui inexoravelmente a vegetação de cerrado por soja e companheiros. A prática deste tipo de agricultura, possibilitada pela “revolução verde”, intensificou-se após a Segunda Guerra Mundial. Há seis práticas de cultivo básicas muito próprias deste tipo de agricultura, a saber: cultivo intensivo do solo com uso de maquinário movido a combustíveis fósseis, monocultura (utilização extensa de apenas uma espécie por empreendimento agrícola), irrigação, aplicação de fertilizantes inorgânicos (adubação química), utilização de agrotóxicos para controle químico de espécies indesejadas (pragas e patógenos) e manipulação genética das espécies cultivadas, quer seja por métodos convencionais de melhoramento, quer por técnicas biotecnológicas. Resumidamente, é uma tranferência da filosofia de produção industrial para o campo. Assim, como uma indústria, procura-se homogeneizar ao máximo o ambiente agrícola e as culturas para que o campo de cultivo se assemelhe a uma fábrica. O solo passa a ser visto como mero substrato. As plantas se tornam unidades fabris (no melhoramento genético, até a altura de inserção dos frutos é homogeneizada para facilitar a colheita mecanizada). Os adeptos da agricultura convencional afirmam que sem ela a fome grassaria no mundo (imagino que vivamos num mundo sem fome) e apenas através dela será possível alimentar a população mundial crescente. O que em geral não é dito pelos profetas do agribusiness é que o cultivo intensivo do solo leva à destruição da estrutura física do mesmo, ao decréscimo nos teores de matéria orgânica, à compactação (aumento da densidade) e conseqüentemente à intensificação dos processos erosivos. Geralmente se omite que os monocultivos aumentam a vulnerabilidade tanto do ambiente agrícola quanto do agricultor: quando se cultiva apenas uma espécie, milhares ou dezenas de milhares de planta em um hectare exploram igualmente os mesmos recursos, podem ser atacadas pelas mesmas pragas e doenças e se falharem, não há uma alternativa de renda para o agricultor. Como disse de forma muito apropriada o cientista Stephen Gliessman em seu livro Agroecologia: “A monocultura é uma excrescência natural de uma abordagem industrial da agricultura” mas é fundamental para a homogeneização fabril do campo. A utilização da fertilização química parece se tornar necessária já que boa parte dos nutrientes do solo são exportados dos agroecossistemas nos produtos agrícolas e há necessidade de os repor para a continuidade da exploração agrícola. Em geral se desconhece, no entanto, que as fontes de fertilizantes químicos são combustíveis fósseis  (causadores do efeito estufa) e depósitos minerais não renováveis; as altas produções propiciadas pelos fertilizantes sintéticos se devem em grande parte à sua alta solubilidade, mas a alta solubilidade permite também a lixiviação (lavagem em profundidade) destes nutrientes, causando contaminação e eutroficação dos corpos d’água, subterrâneos e superficiais. A agricultura irrigada consome algo próximo de 85% de toda a água captada pelos seres humanos. O problema dos agrotóxicos nem precisa ser comentado. A dependência em cultivares e híbridos comerciais, além de causar dependência do agricultor em relação às empresas que as produzem e comercializam, tem levado à erosão dos recursos genéticos. Enfim, não se pode dizer que este tipo de agricultura seja sustentável. O grande problema é que “todas as práticas da agricultura convencional tendem a comprometer a produtividade futura em favor da alta produtividade no presente”, ainda nas palavras de Stephen Gliessman. O outro grande modelo de prática agrícola, a agricultura orgânica (organic farming ou organic agriculture) tenta sanar todos estes problemas da agricultura convencional. Parece, no entanto, ser conhecimento comum que este tipo de agricultura não pode alimentar o mundo, por não ser tão produtiva quanto a convencional, e isto é alegremente alardeado pelos agronegociantes. Uma série de trabalhos recentes entretanto põe em cheque esta crença e abre novas perspectivas para agricultura e para a discussão entre modelos agrícolas. Mas isso será discutido no meu próximo post.

Discussão - 16 comentários

  1. Paula disse:

    Que venha o próximo post! E logo! Estou curiosíssima!

  2. Ítalo M. R. Guedes disse:

    Cara Paula,
    Não se preocupe, já estou escrevendo "intensamente" o próximo, amanhã ou depois será dado à luz. Espero que goste.

  3. João Carlos disse:

    Então, eu vou esperar o próximo... Mas vou logo avisando: eu não aceito o rótulo de "Convencional" que pregaram nessa agricultura predatória. Basta ler Ricardo para perceber que a grande "revolução" agrícola se baseou, exatamente, na recuperação dos solos de plantio pela melhoria das técnicas de rotação de culturas.

  4. Bruno disse:

    parágrafos?

  5. Vamos ver se no segundo texto a argumentação melhora um pouco.
    Parece que vc esqueceu do plantio direto e das técnicas de plantar uma cultura que tem apenas o objetivo de formar uma ´camada orgânica´.

  6. Ítalo M. R. Guedes disse:

    Caro Brudna,
    Não, não esqueci, mas neste post eu falei sobre agricultura convencional, internacionalmente conhecida como conventional farming. O plantio direto (no tillage ou minimum tillage) é considerado um outro pacote tecnológico, uma outra forma, "não convencional", de se fazer agricultura. No plantio direto, o revolvimento do solo pela utilização de equipamentos como arado ou grade é eliminado ou reduzido ao mínimo, deixando-se os restos da cultura sobre o solo para que ocorra o acúmulo de matéria orgânica. Este acúmulo é auxiliado pela rotação com espécies eficientes em produzir biomassa. Sem dúvida, em termos de conservação do solo, houve grandes avanços com a adoção do plantio direto. Este pacote, no entanto, depende grandemente, ainda, de uso intensivo de agrotóxicos, principalmente herbicidas e de empresas produtoras de sementes. De que forma você esperaria que minha argumentação melhorasse, citando artigos comprovando o que eu estava dizendo? Creio que o texto deixaria de ser de popularização e seria um paper. Quanto à explicação da teoria por trás do que falei, em boa parte remeti o leitor por meio de links para outros textos do Geófagos que servem exatamente para isto.

  7. Conheço o plantio direto pq parte de minha família é de agricultores.
    Essa técnica é utilizada a muitos anos aqui no RS.
    A quantidade de agrotóxicos é *bem* menor em relação ao que vc chama de plantio convencional.
    O uso de máquinas agrícolas também é menor, diminuindo o consumo de combustíveis.
    Só resta vc dizer qual é a alternativa *lucrativa* de plantio para uma área de ... digamos 1000 hectáres.
    É um erro esquecer o lucro. Nenhum agricultor vai plantar algo se não der lucro. Ninguém faz trabalho volutário no campo. 🙂
    (sem stress... apenas faço algumas provocações)

  8. Ítalo M. R. Guedes disse:

    Caro Brudna,
    Não vou adiantar mais o assunto, porque dele tratam meus próximos posts, inclusive o aspecto da lucratividade e da produtividade, além do aspecto ambiental. Mesmo assim, gostaria de tecer uns curtos comentários. Primeiro, não sou eu que chamo de plantio convencional, o termo é aceito e amplamente usado pelos profissionais de ciências agrárias mundo afora, que o diferenciam de plantio direto e de cultivo orgânico. Em meu post não errei por esquecer o lucro nem sugeri a adoção de práticas bucólicas de contemplação da natureza. Conheço bem a realidade do campo e da agricultura, inclusive realidades bem menos favoráveis dos que as encontradas no Rio Grande do Sul. Mas aproveitando seu mote, também acho um erro sacrificar todo o resto pela maximização do lucro, que é a filosofia por trás da agricultura convencional. Entendi bem sua ironia quando falou de alternativa lucrativa em uma área de 1000 hectares. Peço=lhe agora que me responda, quantos agricultores você conhece que mudaram ou experimentaram outro tipo de agricultura que não a convencional e lhe convenceram com dados concretos que apenas esta última é lucrativa, seja para 1 ou 1000 hectares? Sinceramente, considero este um assunto sério e o que escrevo não é por divagação diletante ou por tédio do mundo, escrevo o que realmente acredito, sobre uma base de muitas leituras, meditação e observação, além de conhecimento prático. Escrevo porque me preocupo com o mundo em que meus filhos viverão e gostaria que ele fosse melhor. Este é um assunto que levo a sério, então não há como evitar o estresse.

  9. O cultivo no RS não é uma maravilha e facilidade. A terra precisa também ser ´trabalhada´ para maximizar o retorno. É bem provável que no RS a cultura agrícola tenha providenciado um conhecimento p´ratico aos agricultores, devido ao longo envolvimento com a atividade.
    Não entendi... vc me pergunta quantos agricultores experimentaram algo diferente da agricultura convencional?
    Olha... pelo que eu sei praticamente *todos* os agricultores que conheço usam plantio direto.
    Claro... não sou ligado diretamente ao ramo da agricultura. E não tenho os números.
    Em uma Scientific American Brasil de um mês passado (não lembro qual) saiu uma material bem interessante sobre a adoção do plantio direto no mundo.
    Tem também uma National Geographic Brasil sobre solos (é a matéria de capa). São boas fontes para *leigos*.

  10. Alexandre disse:

    Guedes,
    parabéns pelo post. Se há discussão é bom sinal. O que mais me alarmou, em princípio, é que aparentemente surgiu um novo discurso. Ou estou enganado?! Falo isso pelas conversas pretéritas.
    Abraço,
    Alexandre

  11. Caríssimo Alexandre,
    Há um novo discurso, sem dúvida, creio que mais maduros, sem dúvida mais sustentável. A idade vai chegando, mudam-se as opiniões. Grande abraço e obrigado pela fidelidade ao Geófagos.

  12. Heloiza disse:

    Galera... Parabéns pelo post!É claro que tem muita coisa a ser acrescentada em relação a esse modelo convencinal, stou fazendo um trabalho da universisdade e a cada dia que passa descubro que stou me apegando ao curso (Agronomia), na verdd sou totalmente a favor do modelo sustentável, mas infelismente é algo que ainda está distante de ser alcançado!!! Boa discussão...
    valeu...

  13. manuel disse:

    Caro Ítalo
    Interessante,pelo menos,este,de algum modo,chamar de atenção da sustentabilidade,no que toca ao modo de agricultar,quando o sustentável é coisa transversal,de todos os domínios da actividade humana.
    Quanto ao domínio agrícola,na focagem do Ítalo,para além de tudo o mais,que muito é,avulta,como bem referiu,o imparável acréscimo de bocas. E, como todos nós sabemos,as bocas famintas acompanham esse acréscimo. Não parece que esteja numa radical nova forma de agricultura a resposta para tão sérios desafios. Depois,para além do chamado mundo desenvolvido,minoritário,há o outro,onde o que importa é produzir em quantidade, de modo baratinho e a chegar para todos,sem estar a pensar nessa coisa da qualidade,do sustentável,que ficará para outra altura.
    E pronto,Ítalo,esperando que tudo lhe esteja a correr como deseja,até uma nova oportunidade.Aproveito para agradecer à leitora Heloiza o ensejo desta nota.

  14. Esses são os principais problemas da agricultura convencional? Estou estudando para um processo seletivo onde cai o assunto e queria saber se esses problemas são os unicos ou se tem mais.

  15. emilly disse:

    aprendi muita coisa ai

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