O fascínio da Ciência (ou Desaprendendo para ensinar)

Entre os que defendem a visão científica do mundo como a forma mais eficaz para realmente explicar o universo e todo o resto, é comum utilizarmos como argumento o fato de o conhecimento científico não ser estático, dogmático, ao contrário de outras formas de interpretação da realidade. Em meu próprio campo de estudo, acabo de esbarrar, esta é a palavra mais apropriada, com algo do tipo. Entre minhas atribuições como bolsista PRODOC-Capes está a de ministrar aulas. Estou atualmente responsável pela disciplina de Matéria Orgânica do Solo na pós-graduação e, previsivelmente, preciso ler muito para oferecer o que há de mais atual na literatura científica sobre o assunto. Quando estudei comecei a me familiarizar com as pesquisas sobre decomposição da matéria orgânica do solo, lá pelos idos do começo do milênio, foi-me ensinado que uma das variáveis mais importantes no controle da decomposição era a razão entre conteúdo de carbono e conteúdo de nitrogênio de um composto orgânico, conhecida como relação C/N: quanto maior esta relação, mais carbono em relação a nitrogênio, mais difícil de se decompor o material, maior a imobilização de nitrogênio pelas células microbianas, o que poderia afetar negativamente a nutrição vegetal. Melhor do que a relação C/N como indicadora de qualidade do material orgânico, aprendi então, era a relação lignina/N: a relação C/N era muito geral e não indicava exatamente quais compostos carbonáceos eram mais resistente à decomposição, a relação lignina/N já refinava a coisa, ao considerar que os compostos ricos em lignina eram os mais resistentes, afetando mais diretamente a capacidade decompositora dos microrganismos. Estava eu ontem me preparando para uma aula sobre nitrogênio no solo a ser dada amanhã, quando encontro este recente trecho de um texto sobre o assunto, de autoria do cientista do IAC, Heitor Cantarella: “A relação lignina/N também tem sido usada como um indicador para a mineralização de substratos orgânicos, porém a relação C/N tem se mostrado mais útil para tal” e cita uma quantidade de artigos recente apoiando a afirmação. As implicações desta mudança de visão não são pequenas: é necessário reavaliar-se práticas de manejo do solo visando não só a nutrição de plantas como o sequestro de carbono em solos tropicais. Senti-me irremediavelmente ultrapassado, mas não. Isto é a ciência em funcionamento, saudável funcionamento: fatos mais recentes e conclusivos desdizem o que antes se acreditava, oferecendo uma perspectiva mais confiável, possivelmente, dos processos naturais. Que outra forma de interpretação do mundo permite isso? O dogmatismo religioso, talvez?

Discussão - 4 comentários

  1. Karl disse:

    Belo texto. Me faz pensar que cada vez esse negócio de ter blog é mais legal e barato que uma terapia 😉
    Concordo com todo o seu raciocínio, Ítalo.
    Porém, convenhamos que o sentimento de ter sido ultrapassado foi o motor para escrever o post, não é mesmo? Nada mais humano. É isso. A ciência é simplesmente uma atividade humana. Assim como a arte. Formas de entender o mundo; nem melhor, nem pior. Parabéns pelo post.

  2. Ítalo M. R. Guedes disse:

    Karl,
    Obrigado pelo elogio. Sem dúvida, o sentimento algo incômodo de me sentir ultrapassado foi a inspiração principal, além da oportunidade de demonstrar aos leitores de que forma a ciência dialoga consigo mesma, enriquecendo-se no processo.

  3. Lara disse:

    Oii, gostaria de saber mais sobre a relação C/N e como esta influencia na decomposição da matéria orgânica do solo. Faço engenharia florestal e tenho um trabalho sobre isso... você poderia me indicar fontes que me expliquem com clareza e riqueza de detalhes essa relação? =)
    A propósito, adorei a idéia do blog. e a questão da ciência também.
    Aguardo contato. Obrigadaa!!

  4. Anne disse:

    Olá! Sou colega da Lara aí em cima e também tenho procurado bastante sobre essa relação C/N. Poderia me ajudar com fontes e informações sobre o assunto?
    Parabéns pelo Blog! Muito bem escrito.

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