Judeus nos sertões

Em minha adolescência, a curiosidade natural pelas origens, conjugada com a leitura entusiasmada da Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, levaram-me a pesquisar a genealogia da minha família junto a parentes mais velhos do sertão paraibano. A genealogia, junto com a heráldica, tornou-se por um bom tempo um hobby muito querido, a que dediquei muitas horas boas. O doutorado infelizmente interropmpeu isto, mas ficou o interesse.
Em minha pesquisas mais de uma vez encontrei referência à presença de cristãos-novos, ou marranos, na ascendência de muitas famílias sertanejas, inclusive a minha. Estes cristãos-novos eram judeus portugueses e espanhóis, sefaraditas, convertidos à força no início da idade moderna na Península Ibérica. Muitos, apesar da conversão superficial, mantinham em segredo práticas da antiga religião e eram chamados de judaizantes. Com a colonização das Américas, muitos fugiram para cá e uma quantidade expressiva parece ter se deslocado o mais para o interior possível, procurando os sertões, terras onde a mão firme da Inquisição dificilmente alcançaria. Apesar de o catolicismo se ter tornado a religião da maioria dos descendentes destes judeus conversos, uma quantidade notável de rituais de origem claramente judaica persistiu em muitas comunidades sertanejas.
Depois de ler em um jornal que um rabino americano identificara costumes claramente judeus em um lugarejo no extremo oeste do Rio Grande do Norte, a fotógrafa Elaine Eiger e a jornalista Luize Valente tiveram a idéia de fazer um documentário sobre as práticas judaicas mantidas por diversas famílias do sertão nordestino. Surgiu daí o interessantíssimo “A Estrela Oculta do Sertão“. Li esta semana um artigo na revista Smithsonian, “The ‘Secret Jews’ of San Luis Valley”, que me mostrou algo óbvio e em que no entanto nunca tinha pensado muito: a presença de descendentes de judeus sefarditas em todo lugar onde houve colonização ibérica e a possibilidade de se comprovar geneticamente o que talvez não passasse de lendas ou tradições mal contadas.
Uma equipe de médicos americanos, discutindo sobre a incidência incomum de um tipo agressivo de câncer de mama em mulheres de origem hispânica do sul do estado do Colorado, na fronteira com o Novo México. Ao contactar uma oncologista de Nova Iorque, Ruth Oratz, pedindo conselhos sobre o caso, ela disse de forma enfática “Estas pessoas são judias, não tenho dúvidas”. Este tipo de câncer é causado por uma mutação observada quase que exclusivamente em descendentes de judeus do centro e leste da Europa. Claro, estas mulheres são hoje católicas, mas sua genética denuncia que são descendentes de cristãos novos que procuraram o sertão dos Estados Unidos. Por sorte, a Inquisição não dispunha da tecnologia de screening genético.

Discussão - 9 comentários

  1. André disse:

    "Por sorte, os nazistas não dispunham da tecnologia de screening genético"

  2. Ítalo M. R. Guedes disse:

    Verdade, e ainda fizeram o absurdo que fizeram.

  3. João Carlos disse:

    Não só a tolerância para com os sefarditas era bem maior em Portugal (afinal, grande parte das "Grandes Navegações" foi financiada por eles), como o NE (em especial a Capitania de Pernambuco) pela tolerância religiosa adotada pelos holandeses (de então... os atuais são até bem "nazistinhas").
    Mas é curioso como Nordestinos em geral são ligados em genealogia e heráldica (eu - carioca por acidente - herdei um pouco desse gosto de meu pai que era genealogista e heraldista... e Paraibano, é claro... 😉 )

  4. Ítalo M. R. Guedes disse:

    Ora, João, dizem que o grande defeito de pernambucanos e paraibanos é o excesso de fidalguia. Não satisfeitos em saber que somos todos descendentes de Jerônimo de Albuquerque, sempre lembramos que este era descendente, por via bastarda, de el-Rei D. Dinis, o que nos faz todos principezinhos :-). Claro que não podíamos deixar de ter sangue do povo escolhido pelo próprio Deus, nobreza maior não se poderia desejar, não é?

  5. Se a conversa for por este lado eu, que tenho um pé naquelas bandas do Mediterrâneo, alí na 'intermediária' dos Fenícios, vou reivindicar que sou primo-primeiro de JC, O Filho do Onipotente.

  6. manuel disse:

    Desculpe esta minha colherada. É uma história muito triste, esta a dos judeus,cristãos-novos ou não. O Eça dá também,para ela,a sua contribuição magistral,como sempre,na Cartas de Inglaterra.É esta uma das muitas histórias do Homem e da Mulher.Faz lembrar a história atrbuída a Cristo. O que estiver isento atire uma pedra.
    Depois,a senhora história,deste e daquele,disto e daquilo,ao longo dos muitos anos que andamos por cá...São os muitos cantos em que se põe o cronista,o historiador,são as suas sensibiidades,são os seus interesses,legítimos ou ilegítemos,tanto faz. Verdade,verdade,onde moras tu? É afinal,a história é uma velhota que se repete sem cessar,a que o Eça também se refere nas Cartas atrás. Uma linda história esta a do homem. Onde estará o historiador distanciado,neutro,que,um dia a escreverá? Vai ser uma tarefa de gigante,de se lhe tirar chapéus sem conta. Se mesmo em factos ocorridos há segundos é o que se vê.Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto. Mas chega de conversa fiada. Só DEUS nos pode valer,refazendo-nos. Há muitos anos vi um filme japonês,As Portas do Inferno,creio eu,um filme de mensagem. E a mensagem era uma aparentemente muito simples. Era o desapego,a fraternidade assumida,não de palavras,para "inglês" ver,porque é bonito.Têm jeito o homem e a mulher para as arranjar e dizer. Palavras em que se escondem.Biombos,as palavras. E pronto,até ao meu regresso,como se dizia,em tempos,por cá. Saúde e muito uso do Géofagos. Mas que nome. Será porque somos assim?

  7. Luiz disse:

    Para quem se interessa por este assunto no link http://www.benzisobrenomes.com/nomes/princ.html existe um interessante Dicionario de sobrenomes familiares

  8. era muito comum praticas judaicas entre nossos parentes,por exemplo o lava pés casamento entre parentes e se alguém casasse com pessoas de outra raça era motivo de desgosto

  9. Jurandyr Santos disse:

    Distrito de nome UMBURANA pertencente ao município de Sertânia(Pe), entre Arcoverde e Buique(Pe), nasceu minha querida e amada avó materna de nome: PEREIRA DE SÁ SILVA, distrito locado a uns 15 kms. aproximadamente depois de Arcoverde(Pe) no sentido de Sertânia(Pe), portanto, acredito que venham ser marranos, descendentes de cristãos novos refugiados nos sertões pernambucanos. Apenas intuições de minha parte. Gostaria que a minha intuição fosse indagada por vocês pesquisa-dores. Agradeço.

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