O desenvolvimento sustentável realmente existe?

Questões relacionadas à sustentabilidade das atividades humanas têm sido tratadas à algum tempo. No entanto, alguns fatos marcaram a história das ciências ambientais. Primeiramente, é necessário dizer que quando cito tais fatos, me refiro àqueles que de alguma forma tiveram a interferência do homem, corroborando assim com o conceito de impactos ambientais, uma vez que, por definição, esses tem que partir de ações antrópicas. Alguns marcos “atuaram” positivamente e outros negativamente. O primeiro deles, arrisco-me a dizer, foi o conjunto de pensamentos que culminou na teoria Malthusina, no século XIX. A incompatibilidade entre o crescimento da população humana e da produção de alimentos desencadeou uma série de mudanças comportamentais. Grande parte dos problemas ambientais atuais estão ligados ao enorme contingente populacional. Questões como controle de natalidade começaram a ser pensadas e discutidas. No entanto, o alerta daquela época não foi inicialmente ouvido.  O “desenvolvimento” falou mais alto e a revolução industrial com todas suas consequências atingiu seu auge. As técnicas de produção agrícola também o foram, servindo tais argumentos como base para um novo marco, já no século XX, a chamada revolução verde. Essa revolução, que de verde não tem nada, visava a utilização de incrementos agroquímicos e de maquinário para elevação dos níveis de produtividade de tal modo a atender a população mundial que não parava de crescer. Iniciou-se aí o que é chamado por muitos autores de agricultura moderna, onde o monocultivo associado com técnicas intensas de fertilização, controle químico de pragas e utilização de maquinários pesados no campo eram as bases. Tal agricultura teve como sustentação os argumentos de Malthus e, segundo especialistas da época e também de hoje, sem ela a demanda de alimentos mundial não seria suprida. No entanto, os efeitos negativos dessa nova forma de se produzir alimentos começaram a ser notados e foram temas daquele que é tido como o principal marco da mudança de postura do homem com relação ao ambiente, o livro “Silent Spring” (Primavera Silenciosa) da britânica Rachel Carson. Tal livro tratava dos efeitos adversos da utilização de agroquímicos, sobretudo o DDT, mostrando que, entre outros males, ele era capaz de provocar graves doenças em seres humanos, como cânceres. Com isso, a autora começara um movimento de questionamento não só dos meios de produção agrícola, mas também de toda a nova cadeia produtiva estabelecida após as duas revoluções industriais. O tal progresso tecnológico indiscriminado começava a ser colocado em xeque. Apoiados na nova conjuntura, o grupo de ilustres personalidades componentes do Clube de Roma  lança, na década de 70, o relatório entitulado Limites do Crescimento. Esse relatório foi elaborado por uma equipe de especialistas do MIT e tratava de pontos cruciais à saúde humana e ambiental, contrapondo-as com o até então padrão de desenvolvimento. Também na década de 70, a Organização das Nações Unidas realiza a primeira conferência com foco exclusivamente voltado para as questões desenvolvimentistas e ambientais, que foi chamada de Conferência de Estocolmo. Esse encontro teve como grande resultado a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), primeira agência em nível mundial de meio ambiente. É também nessa conferência que o Brasil, por meio do seu governo militar, liderou um grupo de 77 países em desenvolvimento que tinham uma posição fixa, imutável e contrária a existência da problemática ambiental. Foi nela que o representante do governo brasileiro apresentou uma faixa onde estava escrito “Bem vindos à poluição, estamos abertos a ela. O Brasil é um país que não tem restrições, temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque nós queremos empregos, dólares para o nosso desenvolvimento”. Em suma, esses países eram a favor do modelo desenvolvimentista da época pois acreditavam que a preocupação ambiental era mais uma forma dos países deenvolvidos aumentarem a dependência e o domínio daqueles e sobre aqueles em desenvolvimento. De qualquer forma, a criação do PNUMA e os relatórios que surgiram a partir da conferência fortaleceram o movimento em prol de uma nova maneira de se desenvolver, correspondendo ao que futuramente viria a ser classificado como sustentável.  O termo Desenvolvimento Sustentável apareceu pela primeira vez na publicação que ficou conhecida como Relatório de Brundtland ou também denominado Nosso Futuro Comum, se referindo a uma nova maneira de se desenvolver de modo a atender as necessidades da atual geração, sem comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem as suas. Nessas alturas já eram os anos 80. Após isso vieram outras conferências importantes como a Rio 92 e a Rio +10, essa última realizada em Johanesburgo. Além dessas, a problemática dos clorofluorcarbonados e dos gases do efeito estufa também atingiram seu auge nas décadas de 90 e nos anos 2000. O desenvolvimento sustentável continuou em alta. Mas uma questão ainda instiga a curiosidade e a visão crítica de pesquisadores. Como o desenvolvimento pode realmente ser sustentável? A verdade é que os padrões desenvolvimentistas hoje adotados ainda levam a aspectos insustentáveis. No protocolo de Kyoto, por exemplo, os países em desenvolvimento caíram no denominado não anexo I, que não apresentam metas para redução de emissão de gases estufa. Analisando o caso de dois dos principais países emergentes, China e Brasil, as emissões deles já correspondem à segunda e quarta maiores, mundialmente falando. Para o Brasil, isso vale quando se considera também as emissões provocadas pelas queimadas. A verdade é que o atual modo de se desenvolver também tem levado os países em desenvolvimento a padrões de consumo e emissões de poluentes tão elevados ou até mesmo maiores que os países desenvolvidos. Isso nos leva a crer que o desenvolvimento sustentável, até agora, tem ficado apenas na gaveta. Então surge a derradeira questão, será que o desenvolvimento sustentável realmente existe ou seria apenas mais um conjunto de idéias que não passariam de utopias contemporâneas?
Carlos Pacheco

Discussão - 13 comentários

  1. Eu acredito em um "desempenho ambiental" que é um indice.... no qual tudo que se é degradado, impactado... entra em questão... trabalhar com sustentabilidade pensando que nada vai ser degradado ... chega a ser falata de inteligência... o que nem vem ao caso!
    Parabéns pelo blog e pelo post
    abraços

  2. manuel disse:

    Para já,uma boa resenha. Recordei coisas e aprendi com ela.Obrigado por isso.Desenvolvimento sustentável,um bonito par. Soa bem. Desenvolver,sem comprometer o futuro.Como se o passado e o presente tivessem sido sustentáveis. Que o digam ou pudessem dizer os milhões que sofrem ou sofreram sabe-se lá o quê.Deus queira que o futuro venha a ser tal, que se contem pelos dedos os que não padecerem,sobretudo,fome,a pior das insustentabilidades. E,por falar de fome,abençoados adubos que mataram e matam muita fominha.
    Pena foi que tivesse havido e continue a haver muita irracionalidade na sua apicação,mas isso prendeu-se ,e prende-se, com muito factor. E isto,muito mais em relação ao azoto,que,como se sabe,pelo menos,nas condições temperadas,que foi o meu caso,é facilmente lixiviado.
    Para acabar,só para dizer que ambiente é ,sobretudo, humano,ainda que os humanos apreciem primaveras não silenciosas,devendo chorar com as caladas. Mais uma vez obrigado pelas recordações e pelos ensinamentos.

  3. Bom post Pacheco.
    Provavelmente o principal alicerce da Revolução Verde, que não foi mencionado, foi o melhoramento genético das lavouras, o que conferiu a Borlaug o título/apelido de "Pai da Rev. Verde", após ter sido laureado com o Nóbel da Paz em 1970, por obter cultivares de trigo de porte baixo e mais produtivas.
    Assim as práticas de manejo são secundárias nesse contexto, de Rev. Verde, pois elas de nada servem se não existir potencial de produção por parte das culturas.
    Quanto às práticas de manejo, a Rev. Verde foi o marco divisor entre a agricultura moderna e àquela praticada desde o Neolítico (salvo as devidas proporções), pois abriu caminho para o que hoje chamamos de Manejo Integrado de Produção (Manejo Integrado de Pragas e Doenças + Manejo Integrado da Adubação + ...) que preconiza o uso do racional de insumos, a história do produto certo, na hora certa e do jeito certo. O que é conseguido pelo acompanhamento das lavouras por profissionais competentes (muito raros hoje em dia!!!!).
    O mal da agricultura é que ela é feita predominantemente por "orelhas".
    Se faz necessário mudar a mentalidade da sociedade, especialmente dos indivíduos que se encontram diretamente envolvidos nas primeiras etapas do setor primário (primário em importância!!!!), como os produtores rurais, pois na quase totalidade a preocupação existente é a obtenção de lucro, apenas, como se a sustentabilidade fosse excludente a este, o que sabemos ser um grande equivoco.

  4. Leonardus Vergütz disse:

    Grande Pacheco, "puxador de ferro"...
    Brincadeiras a parte, o que mais me chamou a atenção nesse seu post foi o título. Será que realmente existe? Digo isso, pois nesse momento de crise fico vendo todos querendo que ela passe logo e que o desenvolvimento econômico retorne de vento em popa. A palavra não é nem "sustentável" mas sim "possível", será que todo esse desenvolvimento é "possível"? Nossos recursos são finitos! Será que ninguém consegue entender isso? Ou será que não querem entender? Quando vejo isso lembro da época em que trabalhei no Departamento de Fitopatologia, durante minha graduação, com os "meus" fungos.
    Quando "cultivamos" esses microrganismos em placas de petri com meio de cultura, eles têm um padrão determinado de crescimento. Primeiro tem a fase de adaptação, onde o crescimento é mínimo. Depois vem a fase "log", de crescimento exponencial da cultura onde não há nenhuma restrição. Posteriormente vem a fase estacionária onde a cultura já não cresce mais por falta de alimentos, competição e porque eles produzem resíduos (lixo) que são tóxicos à própria cultura. Por último há a fase de declínio e morte da cultura.
    Fazendo uma analogia, pense na nossa querida "Terra" como sendo uma grande placa de petri, onde alguém (Deus, Ala, ETs, ou o que bem entenderem) "semeou" alguns organismos chamados "seres humanos". Esses organismos já se adaptaram bem ao ambiente e já chegaram à fase de crescimento exponencial.
    A pergunta que fica é: em que lugar da curva de crescimento esses organismos (seres humanos) se encontram agora? O alimento para esses organismos já está começando a faltar? A competição entre eles já é grande? O lixo que eles próprios produzem já está se tornando um problema?
    Será que o nosso destino será atingir a fase de declínio também? Iremos acabar com todo o substrato existente em nosso meio de cultura (Terra) e enchê-lo de lixo? Conseguiremos realmente dar continuidade ao tão desejado desenvolvimento sem que esgotemos todas as nossas fontes de recursos? Será que não é hora de aproveitarmos essa crise para repensarmos como queremos nos desenvolver?
    No mais é isso aí colegas, parabéns pelo blog e pelos posts. Abração a todos!

  5. geofagos disse:

    Eu também acredito em índices de desempenho ambiental. Só eles podem nos dar a real idéia do nível de "saúde ambiental" de uma determinada área. Pensar que desenvolvimento, do modo como está sendo tomado hoje, pode ser sustentável é utopia e arrisco-me a dizer que é viver em mundo de fantasias.
    Obrigado pelos comentários,
    Abraços
    Carlos Pacheco

  6. geofagos disse:

    Caro Manuel,
    Seus comentários sempre enriquecendo as discussões.
    Muito obrigado por eles e por sua fidelidade para com o Geófagos.
    Abraços

  7. geofagos disse:

    Locatelli meu caro amigo,
    É verdade que não citei o melhoramento em meu post. Falha minha. No entanto, ao meu ver, citei aqueles aspectos que mais contribuem para o desenvolvimento insustentável que ainda nos dias de hoje se observa. Concordo que a insustentabilidade está muito ligada às aplicações incorretas de técnicas, no entanto, quando paro para pensar não consigo ver um caminho que nos leve ao desenvolvimento (pelo menos como ele é hoje entendido) que possa ser sustentável.
    Abraços,
    Pacheco

  8. geofagos disse:

    Grande Léo,
    Rapaz, esse seu comentário, por si só, já geraria um excelente post. Sinta-se convidado a preparar um e o Geófagos tratará de publicá-lo. A Terra numa placa de Petri!

  9. Pacheco, acredito que o melhoramento contribui diretamente com a sustentabilidade ou não da agricultura.
    Pois o que tem sido feito foi preconizar variedades cada vez mais produtivas e, que cosequentemente mais exigentes em insumos (muitos deles de fontes não renováveis como alguns fertilizantes e combustíveis para o maquinário nos tratos agrícolas), em outras palavras com uma "boca" maior...
    Diga-se de passagem também o melhoramento tem sido preconizado também para aumentar a resistência das doenças pelas plantas.
    E a eficiência em otimização dos recursos pelas plantas, otimização, tem sido deixada de lado. Sabemos que isso também é uma característica hereditária.
    Tem se preferido cultivares produtivas que rapam o tacho todo dos recursos do solo e não aquelas que sabem utilizar melhor os poucos recursos disponíveis.
    Também acredito que não há sustentabilidade, ao menos como sinônimo de "coisa que nunca afetará o ambiente", mesmo porque, nada nunca foi estático no planeta, ações e reações, o que podemos fazer é tornar as coisas mais embasadas e na medida do possível diminuir os riscos e estragos

  10. ola Carlos tudo bem ?
    entao nao sei se pode me ajudar, estou fazendo uma monografia sobre as controversias do desenvolvimento sustentavel, se seria possivel realmente consiliar desenvolvimento e sustentabilidade...e gostaria , se vc pudesse me indicar algo para ler sobre o assunto ...obrigado.

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