E o futuro da agricultura?

Por Elton Luiz Valente

Analisando alguns dados sobre as condições ambientais das partes elevadas da Serra do Cipó, na Cordilheira do Espinhaço, frutos de um estudo que trata das relações entre o solo e a vegetação naquele ambiente, surgiram algumas reflexões. Aliás, da Serra do Cipó já temos algumas publicações no Geófagos, como estas aqui e aqui.

Naquele ecossistema, o gradiente de vegetação, de Campo Rupestre para Floresta, acompanha o gradiente de solo. A vegetação vai se tornando mais elevada e densa na medida em que o solo torna-se mais profundo. Os solos são todos ácidos, extremamente pobres quimicamente e ricos em alumínio trocável. A principal estratégia da vegetação, segundo algumas de nossas conclusões, é a ciclagem biogeoquímica. Mais Bio do que Geo, diga-se.

No entanto, a vegetação florestal é robusta. São disjunções de Floresta Ombrófila ocorrendo a mais de 1.200 metros de altitude. Não há evidências de desnutrição na fitomassa. Ocorrem indivíduos com até 30 metros de altura estimada e mais de 200 cm de circunferência de tronco. Isso revela, de acordo com nossas conclusões, uma alta eficiência dessas espécies em utilizar os poucos recursos disponíveis e, com eles, sintetizar altas taxas de carbono. Em outras palavras, estas espécies sintetizam muito carbono, na forma de fitomassa, com pouquíssimos recursos minerais. Isso me fez refletir sobre algumas questões, entre elas, o futuro da agricultura e os possíveis caminhos que podem ser percorridos pelas ciências agrícolas. Ciência do Solo e Fitotecnia, por exemplo.

Os maiores avanços obtidos na agricultura, desde que o homem (ou a mulher) domesticou algumas espécies, tiveram como foco a produtividade. No último século, esses avanços foram espantosos. Ao aliar o melhoramento genético com a modificação, ou ajuste, de ambientes antes negligenciados, como o Cerrado no Brasil, produziu-se uma verdadeira revolução nos modelos e processos de produção agrícola. O Brasil é um excelente exemplo disso.

Muitos entusiastas desse novo modelo de produção agrícola chegaram a dizer que a Teoria Malthusiana (Thomas Robert Malthus, 1766-1834) estava equivocada. Será? Algumas questões nesse enredo não são novas, mas como estão se tornando cada vez mais pertinentes, vale repetir pelo menos uma delas: Os sistemas agrícolas vão suportar a pressão do agronegócio por longo prazo?

E aqui podem entrar outras questões: Qual será o futuro da agricultura? Qual será a demanda para o Engenheiro Agrônomo e para a Ciência do Solo? Será que com nossa visão eminentemente mecanicista do mundo nós estaremos preparados para elas?

Em resumo, o modelo de agricultura do agronegócio promoveu a produtividade, sem se preocupar com as necessidades de consumo das culturas. Essas espécies (ou cultivares) necessitam de um ambiente “ajustado” às suas necessidades. Necessitam de altas doses de nutrientes para manter suas altas taxas de produtividade e fechar os seus ciclos produtivos com a eficiência desejada. Estas culturas apresentam ainda aquilo que nós chamamos de “consumo de luxo”, em que o aumento na absorção do nutriente e sua concentração nos tecidos não são acompanhados por aumento no crescimento ou produção.

Por outro lado, as espécies nativas, em condições naturais, possuem alta eficiência na absorção de nutrientes (utilizam estratégias como associações simbióticas e exsudatos radiculares para “ajustar” a rizosfera); possuem alta eficiência na síntese de carboidratos sob condições adversas e apresentam menor demanda nutricional e, claro, menor produtividade quando comparadas às espécies “melhoradas”.

E aqui entram algumas questões que me ocorreram: Qual é a taxa mínima de disponibilidade de nutrientes que estas espécies nativas conseguem suportar? Qual será o comportamento delas mediante uma melhora na CTC do substrato, aumento do pH do meio e um aumento nas doses de nutrientes disponíveis? Elas responderão positiva- ou negativamente a essas mudanças? Qual a importância dessa alta eficiência na utilização dos poucos recursos disponíveis, mediante a uma agricultura que promoveu a produtividade sem se importar muito com os impactos de modificações do meio (o solo), nem com as exigências nutricionais das culturas?

Utilizando o comportamento das espécies nativas como balizador, será possível, num futuro próximo, conciliar estes dois extremos? Ou seja, será possível desenvolver adaptações, ou modificações genéticas, nas espécies cultivadas para que elas forneçam produtividades economicamente viáveis, exigindo baixos teores de nutrientes e poucas alterações no substrato (o solo)?

Quem sabe não está aí uma importante e promissora linha de pesquisa para a próxima década?

Discussão - 9 comentários

  1. Caríssimo Elton,
    Este post seu foi um dos melhores que já apareceram aqui por estes Geófagos, em termos de divulgação e discussão científica. Aliás, você e o Carlos Pacheco estão mantendo o blog funcionando com altíssima qualidade, não só nos temas abordados, mas na qualidade mesma dos textos.

  2. Vindo de Vossa Excelência, é um elogio que muito me deixa lisonjeado. Muitíssimo obrigado!

  3. manuel disse:

    Caro Elton
    Antes de ir ao que aqui me traz(não sei bem o que desta minha velha cabeça vai sair),vou secundar o Ítalo(o responsável da minha presença aqui;aproveito para daqui cumprimentá-lo e voltar a desejar que se esteja a dar bem no seu primeiro emprego),elogiando o seu longo e rico artigo.
    O que ali vai Elton. Olhe,eu já me reformei há 20 anos,mas a música parece continuar a ser a mesma.Pareceu-me estar lá ainda a ler as clássicas revistas,em que se inclui a Ceres(de Viçosa). E lá estão as velhas notas,solos ácidos,pobres,alumínio de troca(sou do tempo em que se descobriu que a acidez dos solos vem,sobretudo,dos hidróxidos de Al(é assim ainda?),3o m de altura e 2oo cm de diâmetro(como na floresta Amazónica:o que fazem as micorrizas,com as suas hifas)os exudados,o "chelating power"de muitos compostos orgânicos,da decomposição da manta morta,incluindo a bixarada,a água,o sol,a clorofila.
    Uma paragem-gostei daquela do homem e da mulher. Não sei onde li,se calhar foi no sábio Eça,o homem era o da guerra,da caça,a mulher ficava lá em casa(durante muito tampo,a caverna por causa das coisas),a tratar da prole,da comidinha,e,um dia,não se sabe porquê,esfregou duas pedras,e pronto,estava inventado o fogo.Isto foi um aparte.Onde é que eu ia? Ah,já sei. No equivoco do Malthus e comparsas. Não senhor,dizem os outros,a Terra,os adubos,o melhoramento genético,conseguem produzir de modo a encher a barriga a toda a gente. Tem-se visto. Ninguém passa fome. Se passa,é por outras coisa.
    Taxa mínima(a velha lei do Liebeg?). Depois,até se referiu à exigência baixa de teores de nutrientes,a velha questão da eficácia nutritiva,produzir a mesma biomassa com menos nutrientes. Só os manipuladores genéticos,mas nunca esquecendo,como o Elton apontou, as éspécies indígenas,que escaparam no Dilúvio,essa reserva dos começos,espécies puras,não contaminadas. O que eu analisei,N,P,Ca,Mg,K(sobretudo,não sei porquê),Mn,B,C(a matéria orgânica,que sempre ampara,pelo que contém e por outras coisas mais).
    Olhe,Elton,mais uma vez os meus parabéns pelo seu compreensivo texto,que me despertou,que me fez recordar quase 40 anos de labuta,que me ensinou,que eu só sei que nada sei,como já diziam os sábios latinos,que me permitiu comprimentar o Ítalo,o responsável,repito,de todas estas chumbadas que vos tenho pregado. Seja isto tomado em consideração,quando todos nós tivermos de prestar contas do que fizemos ou deixámos de fazer. Mas estou convicto de que a sentença,se a houver,será um muito ligeiro puxão de orelhas. Se calhar nem isso. Ouvir-se-á apenas. Para a outra vez,porta-te melhor.
    Saúde,bom trabalho,e mais textos da qualidade deste e doutros seus,e,não desfazendo,dos textos de outros Geófagos e não só.

  4. Prezado Manuel,
    Permita-me repetir o que já disse ao Ítalo: Vindo de Vossa Excelência, é um elogio que devo repartir com nossa Comunidade Geofágica. Muito Obrigado!
    Muita saúde e muita paz!

  5. manuel disse:

    Caro Elton
    Primeiro,muito e muito obrigado,por Vossa Excelência. É que nunca ninguém se me dirigiu assim. É uso aí,esse tratamento excelentíssimo? Muito me admira,neste século XXI.
    Por mim,aceito,desde que todos,mas todos,sem exceção,tenham esse tratamento.
    Caso contrário,desapareço de cena.
    Nunca me passou pela cabeça de ir acima da chinela.
    Também lhe desejo muita saúde,muita paz,sobretudo esta,que,sem paz,a saúde fica por um fio,ou nem isso.

  6. Prezado Manuel,
    Este é um tratamento formal utilizado pelas figuras das 'altas cortes' da política, do executivo, do legislativo, do judiciário e etc.
    E nós, daqui do povo, eventualmente utilizamos para tratar nossos amigos mais próximos, como uma forma de brincadeira polida entre pessoas que se querem bem e se admiram.

  7. manuel disse:

    Caro Elton
    Vê,vê,o que são os expressares diferentes? O trabalhão para levar as pessoas desta Terra, tão pequena e tão variada,a um entendimento! O trabalho de um Gigante. Bem,mas fiquemos por aqui,que o motor(eléctrico,de fabrico chinês)já estava a arrancar.
    Renovo os meus desejos de muita saúde e de muita paz,de que todos muito precisamos.

  8. manuel disse:

    Caro Elton
    No seu texto vem "Os solos são todos ácidos,extremamente pobres quimicamente e ricos em alumínio trocável".
    Pareceu-me,dada a toxicidade do alumínio,que não ficaria aqui nada mal o sumário de uma pesquisa brasileira sobre este assunto,que adiante se inscreve.
    SILVA, Ivo Ribeiro da et al. Efeito protetor de cátions divalentes contra a toxidez de alumínio em soja. Rev. Bras. Ciênc. Solo [online]. 2008, vol.32, n.5, pp. 2061-2071. ISSN 0100-0683. doi: 10.1590/S0100-06832008000500027.
    Uma grande parte da soja no Brazil é cultivada atualmente na região do Cerrado, e é nessa região que ocorre a maior expansão da cultura. Nessa região, a maioria dos solos é ácida e, geralmente, apresenta níveis elevados de alumínio (Al) tóxico. Portanto, é importante compreender como determinados cátions reduzem a rizotoxidez de Al em plantas de soja. Neste estudo foram avaliados, em solução nutritiva, o efeito protetor de nove cátions divalentes (Ca, Mg, Mn, Sr, Sn, Cu, Zn, Co and Ba) contra a rizotoxidez de Al e o efeito positivo do Ca e Mg no crescimento das plantas de soja num solo com elevada saturação por Al. A relação entre Ca e Mg trocáveis foi variada por meio de adição de diferentes quantidades de CaCl2 ou MgCl2 (com as proporções variando entre 100:0 até 0:100), sem que ocorresse alteração no pH do solo. Tratamentos testemunhas consistiram de solo sem aplicação ou com aplicação de calcário (CaCO3). Foi observado que, na ausência do Al, os cátions Cu, Zn, Co e Sn foram tóxicos mesmo em baixas concentrações (25 µmol L-1), enquanto Mn, Ba, Sr e Mg em concentrações até 100 µmol L-1 apresentaram nenhum efeito ou efeito positivo no elongamento radicular da soja. Com 10 µmol L-1 de Al, apenas no tratamento com Mg as raízes apresentaram recuperação no elongamento para o mesmo patamar que o tratamento controle sem Al. O Sn em doses elevadas proporcionou uma pequena melhora na rizotoxidez de Al, enquanto outros cátions divalentes tiveram nenhum efeito ou reduziram o crescimento radicular. Isso é uma indicação de que o efeito do Mg é específico e não está apenas associado a uma proteção por meio de efeito eletrostático, porque todos os outros cátions usados eram divalentes e foram fornecidos em baixas concentrações. No experimento com solo ácido, observou-se que a redução da relação Ca:Mg trocáveis praticamente dobrou o acúmulo de matéria seca da parte aérea e das raízes, embora os tratamentos não tenham modificados o pH do solo e o Al3+ trocável, suportando o maior efeito protetor do Mg contra o Al3+ em relação ao Ca. A resposta positiva ao Mg não foi devida ao suprimento do nutriente que se encontrava deficiente, pois a aplicação de CaCO3 melhorou o crescimento radicular por meio do incremento do pH (e precipitação do Al3+) sem induzir deficiência de Mg. Tanto em condições hidropônicas quanto no solo ácido, a redução na toxidez do Al3+ foi acompanhada por menor acúmulo de Al no tecido vegetal, sugerindo a ocorrência de inibição competitiva na absorção, e, ou , exclusão do Al na rizosfera em resposta a um mecanismo fisiológico promovido pelo Mg.
    Com um abraço,os desejos de uma boa saúde e que tudo lhe esteja a correr bem.

  9. Caro Manuel,
    Muito apropriada sua contribuição. Por coincidência, eu já conhecia este trabalho. O Dr. Ivo Ribeiro da Silva é professor da Universidade Federal de Viçosa e foi meu professor na disciplina de Fertilidade do Solo que cursei no início do doutorado. É um profissional de grande competência e tem desenvolvido trabalhos relacionados mecanismos de tolerância ou resistência ao alumínio por culturas agrícolas.

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