Blogagem Coletiva – Térmitas Africanos: Relações edáficas e utilização por povos nativos

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Em primeiro lugar gostaria de dedicar o post que virá, referente à blogagem coletiva sobre a África, para os nossos leitores Moçambiquenhos e Angolanos, cuja presença aqui tem sido constante. À outros leitores Africanos, também vai a nossa singela homenagem.
Não há dúvidas quanto ao fato de os organismos atuarem significativamente na gênese dos solos. Alguns cientistas até consideram esse o principal diferencial entre os solos e fragmentos de rochas desintegrados. Obviamente, essa questão é mais profunda, levando o conceito de solo também à aspectos como a organzação, capacidade de sustentação de estruturas e vida, entre outros. A relação benéfica dos organismos em relação aos solos também acontece no sentido inverso. Ou seja, os solos também fornecem condições de vida mais adequadas para sobrevivência de determinadas espécies. Fatores como temperaturas mais adequadas, fornecimento de alimentos e áreas de refúgio, proporcionados por eles, podem ser determinantes no desenvolvimento delas. Em alguns casos, o homem também se aproveita dessa íntima relação, participando do processo de diversas formas. Citarei nesse texto o caso de populações africanas nativas que, por meio do uso (esse sim efetivamente sustentável) de recursos proporcionados por populações de térmitas (cupins), que são insetos da ordem Isoptera, têm garantida sua sobrevivência.
Os térmitas representam um dos grupos mais importantes de invertebrados do solo, apresentam uma impressionante organização social e grande flexibilidade de obtenção de recursos (comida, água, além de temperaturas adequadas) graças ao seu poder de escavação. Nesse sentido, apresenta grande vantagem competitiva e consequente capacidade de adaptação a diferentes ambientes, uma vez que não apresenta limitações de exploração às cavidades naturais do terreno ou, como é o caso das minhocas, movimentos laterais restritos. Tudo isso faz com que esses insetos apresentem-se em abundância mesmo em condições aparentemente hostis, relacionados a climas secos ou com grandes estações secas, desde que uma fonte de água (mesmo que em profundidades consideráveis) esteja presente. Para ter-se uma idéia da capacidade de adaptação desses insetos, os fósseis mais antigos deles datam do Eoceno e Mioceno e apresentam idade estimada em cerca de 50 milhões de anos.
A existência de grupos desses organismos está ligada, principalmente, às regiões tropicais do globo. No entanto, restrições ao desenvolvimento deles existem e estão ligadas a condições de extrema aridez e falta de vegetação, além de climas frios. Por isso, não é comum a existência de grandes populações em ambientes de clima temperado ou em regiões cujas altitudes sejam superiores a 3000 m, com seu consequente clima frio (altimontano).
Apesar de os cupins serem mais conhecidos por prejuízos causados (como devoradores de madeiras e de outros materiais celulósicos), eles apresentam grande importância na decomposição da matéria orgânica, estruturação do solo e ciclagem de nutrientes. Aparentemente as principais modificações por eles proporcionadas aos solos estão ligadas à qualidade da matéria orgânica e melhoria de aspectos físicos. No entanto, não são raros relatos de elevação de teores de C e de nutrientes essenciais como N e P em seus ninhos, também conhecidos como termiteiros ou murundus, quando comparados com os solos ao redor.
Os térmitas fazem parte da mesofauna do solo. Na ciclagem biogeoquímica da matéria orgânica atuam como detritívoros. São, portanto, determinantes da velocidade de decomposição de compostos orgânicos e consequentemente na liberação de nutrientes importantes. Isso porque a redução do tamanho das suas diversas formas de material orgânico (raízes, folhas, galhos, etc) é fator essencial para que uma elevação na taxa de decomposição da matéria orgânica ocorra, uma vez que aumenta a área especificamente “atacável” pelas comunidades microbinas. É frequente, em ambientes não propícios a esses organismos, a existência de matéria orgânica pouco alterada (fíbrica), enquanto que, em ambientes onde eles participam ou já participaram do processo, material orgânico mais alterado é encontrado (sáprico, por exemplo). Isso mostra, didaticamente, que em ambientes não propícios à existência dos térmitas, a ciclagem é prejudicada por não ter seu “cominuidor” inicial presente.
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Exemplo de termiteiro gigante africano (http://www.exchangedlife.com/Creation/african_macroterm.htm)
Em ambientes propícios ao crescimento de colônias e dos seus ninhos, o tamanho desses últimos pode chegar a relatados cerca de 30 m de diâmetro e 20 m de altura. Os maiores termiteiros são encontrados na África, especialmente em ambientes de savana, e apresentam uma arquitetura invejável, com efetivo sistema de aclimatação. Em noites frias, buracos existentes são preenchidos com o objetivo principal de reter calor, enquanto que em dias quentes eles são abertos. O sistema é bem estruturado, com um “cimento” a base de saliva de cupins e material edáfico (do solo) tão resistente que são utilizados até na construção de casas para os nativos. A estrutura de suas partículas formadoras garante uma boa drenagem e aeração dos ninhos, diferenciando-os, inclusive, de áreas mal drenadas ao redor. Em alguns casos, as taxas de infiltração registradas são o dobro daquelas dos solos regionais. Alguns pesquisadores até acreditam que a atuação dos térmitas durante alguns milhares de anos é um dos agentes de formação da estrutura granular, comumente encontrada nos Latossolos brasileiros.
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Termiteiro brasileiro – Foto: Sandro de Caires e Carlos Pacheco (Região de Paracatu – MG).

Quanto às características químicas, é comum o registro de níveis relativamente mais elevados de nutrientes nos termiteiros do que nos solos ao redor. Apesar disso, diversos trabalhos têm apontado para modificações nutricionais não significativas. Já o carbono orgânico geralmente apresenta-se em níveis mais elevados. Outras características como a CTC (capacidade de troca catiônica) também podem sofrer elevação em seus valores. A união dessas caratcterísticas com aquelas físicas tornam termiteiros abandonados aptos à utilização agrícola. A grande estabilidade por eles apresentada, resistindo à erosão por um longo período de tempo após a extinção da colônia, também é um fator determinante para garantir seu uso . Esse fato, associado à riqueza química e qualidade física deles, é o que permite populações nativas da África utilizem as “terras de cupinzeiro” para tais finalidades. É uma agricultura de subsistência que pode ser determinante na estadia de tais povos em suas áreas de ocorrência, contrastando, muitas vezes, com a pobreza nutricional ou características físicas indesejáveis ao cultivo dos solos regionais. Servem como base de sobrevivência para povoados inteiros. Além disso, em regiões onde as colônias ainda estão presentes, os térmitas são utilizados como alimentos por constituirem uma excelente fonte de proteínas.
Enfim, essa pequena história tentou representar um pouco dos modos de sobrevivência de alguns povos nativos africanos e também como as relações entre solos e organismos neles residentes podem determinar o modo de vida e garantir uma relação sustentável entre eles e o meio onde vivem.
Carlos Pacheco

Discussão - 5 comentários

  1. manuel disse:

    Caro Carlos
    O que os termiteiros nos ensinam. Mais do que isso,onde eles nos podem levar. Veja-se o htttp://exchngedlife.com... Às Amazing Ceations,ao Criacionismo vs
    Evolucionismo.
    Que post o seu. Um achado. Vou ter aqui material para o resto da minha vida.
    Como sabe,o ano passado,creio eu,abriu em Pittsburgh,USA,um museu(?)creacionista. Lá se vê o homem convivendo com dinossáurios,parece que herbívoros. Porque não? Só que lá,o homem,e esses bichinhos,têm quando muito,uns 10000 anos,a não ser que sejam as suas almas.
    Porque carga de água,o homem não há de ter muito mais?
    Onde,Carlos,as térmitas nos estão levando. Uma maravilha este mundo,apsar de tudo. A bodiversidade em todos os planos. A riqueza deste mundo. E só estamos a falar de coisas daqui,e não desses espaços até para lá do infinito.
    Bem,é melhor parar por aqui,senão é mais um dilúvio,com tanta água que meteria(uma expressão daqui). E obrigado pelo post,cheio de virtualidades,e pelo que me ensinou,que de térmitas não percebo nada,nem as vi,ainda que estivesse em Angola,em 1959,em pleno mato,pisando capim durante quatro meses,meses cheios de coisas que eu não sabia,nem sonhava,quatro meses a fugir de pacaças,porque andava em terreno seu,a pé,na iminência de pisar uma gibóia,ou um crocodilo. Mas a uma conclusão cheguei eu-Se o homem tem medo do bicho,o bicho ainda tem mais medo do homem. Vi uma manada de javalis a fugir de uma queimada,e depois voltar para ela,quando deu de frente com homens. Preferiram imolar-se do que serem sacrificados à mão do homem.
    Desculpe,mais uma vez,mas quando tenho o dedo na tecla,ele não quer parar. Deve estar a presentir o fim,e teima,teima...
    Um abraço,muita saúde,muito trabalhar,muito estudar,muito pensar. Descartes tinha razão. Penso,logo existo.

  2. Lembro de uma reportagem na National Geographic (http://viajeaqui.abril.com.br/ng/materias/ng_materia_296762.shtml?page=4) a exposição de uma tecnologia africana de se estimular a colonização de cupins em áreas de agricultura, justamente pelos nativos compreenderem que naquele contexto de aridez, solos compactados, com teor de mat. orgânica do solo muito baixa...
    Segue um trecho: "Por algum tempo, Ouédraogo trabalhou com um agricultor chamado Yacouba Sawadogo. Inovador e com idéias próprias, Sawadogo não tinha a menor intenção de deixar a região em que vivia com suas três esposas e 31 filhos. Sawadogo foi um dos lavradores que colocaram cordons pierreux em seus campos. No entanto, durante a estação seca, ele também abriu em seus campos milhares de buracos, com 20 centímetros de profundidade cada um – zaï, como são chamados –, uma técnica que aprendera com seus pais. Em cada um desses buracos, Sawadogo pôs um pouco de estrume. Este atraiu os cupins, que digeriram a matéria orgânica, tornando seus nutrientes mais assimiláveis pelas plantas. Igualmente importante, insetos abriram canais no subsolo. Quando vieram as chuvas, a água concentrou-se nos orifícios e escorreu pelos canais, penetrando mais fundo na terra. Em cada um desses buracos, Sawadogo plantou árvores. "Sem árvore, não há fertilidade no solo", resume ele. E elas desenvolveram-se no terreno mais solto e úmido dos zaï. Pedra por pedra, buraco por buraco, Sawadogo transformou 20 hectares de terra estéril na maior mata particular em uma região de centenas de quilômetros."
    Por isso vivo dizendo que agronomia levada a sério nada mais é que um certo domínio de ecologia (no sentido científico) e sua embasada aplicação (na forma de tecnologias).

  3. manuel disse:

    Caro Carlos
    Só agora é que dei conta do PLANEJANDO O FUTURO. Deve ser da minha tendência para olhar à esquerda.É seu o texto?
    De qualquer modo,tem a minha concordância. Está ali a chave do futuro. Em vez de uma corrida à riqueza,uma corrida à pobreza(miséria é outra coisa). Mas quem está para uma corrida destas?
    Pegando no Cristo,que lá vem no texto,vemo-lo nascer numas palhinhas,junto do humilde burrinho,num estábulo,vêmo-lo ir de burrinho,na fuga para o Egipto,vêmo-lo entrar ,num burrinho,em Jerusalém,lêmos que não tinha onde reclinar a cabeça...
    Quem está para o imitar? Só os santos. Onde estão eles,neste tempo,que o tempo passado já lá vai. É no amanhã que estamos. Quem dá um passo em frente? Estamos todos,quase todos,vamos lá,a olhar uns para os outros,a ver quem se atreve.
    Bem,não devia ter olhado para a direita,mas agora já está. Olhei,e saiu isto. Devo estar doente,o que se compreende,não é preciso explicar.
    Um abraço,e mais uma vez muita saúde e muito bom trabalho.

  4. geofagos disse:

    Caro Manuel,
    O Planejando o Futuro é de autoria do Elton. Quero lhe agradecer imensamente pelos comentários do post. Vindos de você são sempre uma honra.
    Boas festas pra você e toda sua família também.
    Abraços

  5. Eduardo Mendes da Silva disse:

    Carlos, no dia 4 de maio, aqui no Instituto de Biologia da Ufba, um aluno do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Biomonitoramento vai defender a sua tese "Origem dos murundus no semiárido brasileiro", seu nome é Henrique de J. Sousa. Vamos abrir para uma teleconferência na internet, caso V. tenha interesse é só me avisar.

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