Faltam terras para a agricultura?

Em notícia originalmente publicada na Folha de São Paulo e transcrita pelo Jornal da Ciência, o Ministro da Agricultura, sr. Reinhold Stephanes, defende mudanças no Código Florestal afirmando que “se as áreas prioritárias à conservação da biodiversidade fossem implementadas hoje, não existiriam hectares disponíveis para [novas] atividades agrícolas, tampouco para o desenvolvimento urbano e econômico (…) Faltaria área para o plantio de alimentos e para o crescimento da população”. Pergunto-me, antes de tudo, se no lugar de nos preocuparmos com mais espaço para o crescimento populacional, tendo em vista a situação atual do mundo, não deveríamos nos preocupar antes em deter o crescimento da população humana.
O ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Norman Borlaug, talvez o único agrônomo internacionalmente conhecido e considerado por alguns como o maior benfeitor vivo da humanidade, já defende que se utilizem práticas agrícolas avançadas para se aumentar a produtividade agrícola para que não haja a necessidade de se abrir novas áreas. Existe uma diferença entre produção e produtividade agrícola. A primeira é o total produzido e contabilizado, por exemplo, o Brasil produz x toneladas de soja. Produtividade é a capacidade de produção de determinada área, geralmente um hectare, que corresponde a dez mil metros quadrados. Um determinado agricultor, utilizando variáveis não adaptadas à região, sem repor os nutrientes retirados do solo pela cultura, com um ineficiente controle de pragas e doenças, produzia uma tonelada de milho por hectare, digamos. Ao adotar as práticas agrícolas recomendadas, sua produtividade aumentou para seis toneladas por hectare. A produção foi multiplicada por seis sem que se tenha acrescentado um metro quadrado sequer de plantio por que o acréscimo foi de produtividade. O aumento da produção agrícola de um país pode depender ou do aumento da área plantada ou da elevação da produtividade pela adoção de melhores tecnologias agrícolas. Assim, o aumento na produtividade não está diretamente associado ao aumento na área sob agricultura. Nem o aumento da área plantada siginifica que a produção agrícola total será aumentada. Aumento de produtividade é aumento de eficiência. A abertura de novas áreas agrícolas é simplesmente uma solução mais fácil de se aumentar a produção sem que obrigatoriamente se implemente ou se adote mais tecnologia.
Dizer que o aumento de áreas naturais protegidas comprometem a produção de alimentos de um país é um argumento falacioso, talvez tendencioso. Como em outros aspectos da moderna sociedade, estamos invertendo os valores. Frente à tragédia ambiental que se aproxima, será mesmo um prejuízo que mais áreas protegidas atrapalhem a expansão urbana e agrícola? Questionemos antes o crescimento populacional irresponsável e a dificuldade em se aplicar mais tecnologia, e mais eficientemente, na agricultura brasileira.

Discussão - 8 comentários

  1. glenn disse:

    pelos cortes em ciência e tecnologia, deveria ser, mas acho que não é prioridade do governo aumentar a produtividade.
    em reportagem da bandnews, fiquei sabendo de um absurdo assustador: nos estados do sul, 100% da produção de maçãs e 80% de uvas estão em áreas de proteção ambiental, depois procurei a informação pela net, mas não achei, mandei email pra eles mas não responderam.
    esses safados querem transformar grande parte das áreas de proteção ambiental em áreas agrícolas. e ainda legimitimando crimes ambientais dizendo que a legislação está defasada.
    questões econômicas em curto e médio prazo se colocam sobre questões sociais e ambientais, como sempre foi. não sei se há como mudar. provavelmente quando o brasil acordar já vai ser tarde.

  2. João Carlos disse:

    O Sinistro, digo, Ministro perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado.
    Antes de sair reduzindo as áreas de proteção, devia cuidar de melhorar as vias de escoamento para a produção agrícola (junto com o Ministério dos Transportes), o sistema de armazenagem e distribuição, e — last but not least — a produtividade das terras já existentes. Isso só para começo de conversa, porque há milhares de pequenos entraves burocráticos e fiscais que só fazem atrapalhar a produção (em nome de sabe-se lá o que...)
    P.S: comparando a miopia de nosso poder executivo com as linhas-mestras apresentadas pelo Obama, chega a dar medo...

  3. Paula disse:

    Tá querendo fazer favores para a bancada ruralista, isso sim... palhaço! Aí tem... não é só desconhecimento de causa não...

  4. Paula disse:

    Aparentemente meu comentário causou frisson... pra mim parece óbvio que o palhaço é o ministro e que é ele quem está querendo fazer favores pra bancada ruralista, e é ele que não está agindo só por desconhecimento de causa, mas acho que não ficou claro pra todo mundo...
    Enfim... espero que o mal entendido tenha sido resolvido.

  5. Ítalo M. R. Guedes disse:

    Caríssima Paula,
    De minha parte não houve nenhum mal-entendido. Compreendi perfeitamente que você se referia ao Ministro. Tanto que publiquei seu comentário sem nenhum adendo. Espero que o frisson não tenha sido indevidamente causado por nenhum colaborador do Geófagos.
    Grande abraço.

  6. teles maneira disse:

    gostei da capacidade desintese e clareza. good

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