Combater a fome na África ensinando os africanos a plantar
No tempo em que o forró era um gênero musical realmente representativo da cultura popular e não uma coleção vulgar de obscenidades, era ainda possível ouvir pérolas de verdade da boca de um Luiz Gonzaga, bonitamente declamando que “uma esmola para um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.
Em um breve artigo publicado na edição de hoje da Nature, o agrônomo e cientista do solo Pedro Sanchez, pesquisador sênior do Earth Institute da Columbia University defende ser muito mais barato aos países desenvolvidos financiarem a assistência técnica e a adoção de tecnologias agrícolas mais avançadas por parte de agricultores pobres africanos do que enviar comida para os mesmos. Trocando em miúdos, é mais barato ensinar a pescar do que dar o peixe. Segundo Sanchez, enquanto se gasta US$812,00 para comprar, embarcar e distribuir uma tonelada de milho africano em África, doar aos fazendeiros africanos os fertilizantes, as sementes e prover a assistência técnica para que produzissem sua própria tonelada de milho custaria aos cofres americanos US$135,00, cerca de seis vezes menos! A adoção adequada de tecnologia agrícola moderna, acompanhada de assistência técnica, traria ainda aos agricultores e países africanos assolados pela fome a tão desejada auto-suficiência alimentar, livrando-as, pelo menos parcialmente, da incômoda dependência de outros países. Sanchez apresenta dados de locais onde se disponibilizou sementes melhoradas, fertilizandes e apoio técnico em que a produtividade do milho pulou de 1,7 tonelada por hectare para 4,1 toneladas por hectare, mais que o dobro – exatamente o que comentamos neste outro post. Mas os argumentos econômicos por si talvez não sejam suficientes para convencer os americanos de que a opção mais lógica e econômica seja a melhor: os já bastante subsidiados agricultores americanos perderiam um certamente lucrativo mercado.
Mas nem todos os americanos pensam igualmente. Fale-se o que se quiser de Bill Gates, não há como não o admirar. A Fundação Bill e Melinda Gates recentemente contactou a Embrapa buscando “alternativas para contribuir com o aumento da produtividade agrícola em até 11 países da África subsaariana“. A fundaçao deseja até o final do ano estar desenvolvendo atividades na África em parceria com a Embrapa. O objetivo maior é a transferência de tecnologia agrícola brasileira e capacitação de agricultores africanos. Nada mais lógico que o Brasil participe de uma tal ação: os solos da África tropical são em grande parte semelhantes aos solos brasileiros predominantes, os Latossolos, internacionalmente conhecidos como Oxisols. O conhecimento gerado no Brasil pela Embrapa e universidades públicas de aproveitamento agrícola dos solos do cerrado pode ser tranquilamente transplantado para regiões do continente africano onde seja cabível, o que representa uma grande parcela da África ao sul do Saara. É necessário ensinar a plantar.
Discussão - 9 comentários
Finalmente! Demorou para chegarem a esta conclusão...
Eu sempre pensei assim, educar em vez de sustentar, e pensava porque ninguém mais pensava nisso.
Minha conclusão é o famoso egoísmo altruísta, pessoas que ajudam outras só pela gratidão, por recompensas e reconhecimento social. Ou seja, fazem só para aparecer. Se a fome nos países pobres acabar, como eles vão pagar de filantropos?
Mesma coisa se aplica a quem dá apoio emocional, como instituições religiosas.
Caro Ítalo
Olhe,Ítalo,vamos fazer de conta que não sou eu que tenho andado para aqui a importuná-los,que caí,agora,aqui, de paraquedas. Sim?
Esqueçamos o que está para trás. E isto por uma razão muito simples. É que o que importa é o que se subentende das palavras de Luiz Gonzaga,de que eu não sei,para minha vergonha,quase nada.
Só por essas palavras, dava-lhe 20 valores,o máximo. Acertou em cheio o Luiz Gonzaga. A dignidade de um devia ser a dignidade de todos. E um que passe fome,um só,devia ser a vergonha de todos.
Estou consigo em relação aos Gates,digam o que disserem. Eu admiro este homem. Quem vê caras não vê corações,mas eu gosto da cara dele. Tem olhos de boa pessoa.
Depois,Ítalo,é isso.Ensinar a pescar.Nada de dar. Quem dá,em muitos casos,não sei quantos,dá o que não lhe faz falta. E o que recebe,de graça,Ítalo,não queira nunca estar nessa situação.
A fome em África,e não só,Ítalo. Os rios de dinheiro que se gastam em armamentos. O bem que se podia fazer com ele.
Ah,Ítalo,esta permanente desconfiança do vizinho da cave,ou do primeiro andar.
Se fose só a fome de pão ,mas saciada ela,surgem outras fomes,ou lá o que é.
Um sarilho,Ítalo,um sarilho.
Bem fiquemos por aqui. Não se esqueça,caí agora aqui.Começamos do princípio.
Um abraço.
Caríssimo Manuel,
Bonitas palavras as suas, bonitas mesmo. Olhe, o Luiz Gonzaga a quem me refiro foi um famoso cantor brasileiro, assim como eu vindo das plagas semi-áridas do nordeste do Brasil. Foi talvez o maior expoente de uma salada de ritmos nordestinos coletivamente conhecidos como forró (talvez vindo do inglês "for all", para todos). Como outras formas de expressão musical brasileiras, o forró depois de Luiz Gonzaga se abastardalhou tragicamente, tornou-se uma música descartável completamente comercial, cantada por grupos tão indistintos entre si que grande parte das canções é dedicada ao próprio nome das bandas, numa tentativa vã de se individualizarem. Na música em questão, ele agradecia o auxílio dos sulistas em um determinado período de seca e miséria, muito útil à manutenção da classe de politiquetes nordestinos, mas ao mesmo tempo reclamava que, ao homem que é são, a ajuda na forma de esmola ou envergonhava ou viciava. Palavras muito sábias e cuja filosofia parece orientar as ações filantrópicas de Bill Gates, a quem igualmente admiramos.
Perfeito, inquestionável! Mas quem vai sustentar as empresas de produção de alimento e transporte? Pq vc tem alguma dúvida que o principal motivo de mandarmos comida pronta pra África, nao é sustentar as empresas q fabricam esses alimentos e os transportam? Ah, é claro e manter a dependencia deles, sempre...
Exatamente a questão.
(...)enquanto se gasta US$812,00 para comprar, embarcar e distribuir uma tonelada de milho africano em África (...)
Infelizmente o "segredo" é esse... "Ajudar a África" é um mero pretexto.
Quem disse que no primeiro mundo as pessoas são menos gananciosas e corruptas que no terceiro?...
E os militares, ditadores, traficantes?
Como fica a "profissão" deles se o povo começar a ficar "inteligente", autônomo e independente. Unido.
Como então ficam o trabalho dos missionários se as pessoas pararem de cometer crimes por causa da fome e poder?
Um monte de "profissões" surgiram em torno deste "problema".
Esperamos que a embrapa nao somente internalize as tecnologias agropecuarias do agronegocio brasileiro, que impoe uma relação positiva entre unidade de produção e mercado, porem, negativa do ponto de vista dos agricultores tradicionais que controlam menor volume e meios de produção, como é o caso da maioria dos agricultores Africanos. Que a embrapa leve tambem as ricas experiencias em C&T da sua plataforma de pesquisa em Agroecologia e da Agricultura Organica.
Silas Garcia
Combater a fome na africa ensinando os africanos a plantar.. Tiptop 🙂