Cultivo em estufas: driblando o imprevisível

Em uma entrevista concedida à revista Bravo e publicada março último, o poeta maranhense Ferreira Gullar filosofa, “O que faz o homem sobre a Terra? Luta para neutralizar o acaso. Eis a principal necessidade humana: driblar o imprevisível…”. O poeta falava de outra coisa, mas as palavras bem serviriam para resumir a história da agricultura sobre este mundo.
O surgimento da agricultura constituiu, na história evolutiva da humanidade, um divisor de águas notável: para lá, ficaram a incerteza da coleta e da caça juntamente com a certeza da insatisfação plena do apetite; deste lado, a relativa abundância das colheitas regulares, o reconhecimento da saciedade e a possibilidade de se guardar para o futuro. O novo humano agricultor, ao poder planejar o porvir, apadrinhou o que se chama hoje de civilização. O temor ancestral da onipotente natureza levou o fraco homem a desejar de alguma forma controlá-la.
A observação sutil e continuada, ao longo de milênios, das plantas de rápido crescimento e abundantes frutos que o perseguiam em suas andanças, vicejando sempre nos monturos ao redor das moradas e nas áreas onde eventualmente se acendiam as fogueiras e se acumulavam as cinzas permitiu, após a última glaciação e sob concentrações mais altas de dióxido de carbono atmosférico, o desenvolvimento de atividades agrícolas.
A adoção das práticas de cultivo protegido são um passo à frente na tendência de controlar as variáveis ambientais e se proteger do acaso visando a otimização e maximização da produção agrícola. As origens remotas do cultivo protegido, aos politicamente corretos olhos modernos, revestem-se de uma equívoca impressão de autoritarismo, mas ao mesmo tempo de engenhosidade. Conta Plínio, o Velho, que o desejo do Imperador Tibério de comer diariamente certo tipo de pepino ao longo do ano levou os jardineiros romanos a cultivar a espécie em carrinhos recobertos com grandes placas de mica transparente, possivelmente muscovita, durante os períodos em que não era possível cultivá-la a campo.
O esforço dos jardineiros imperiais já prenunciava uma das principais finalidades do cultivo protegido moderno, o plantio das culturas, normalmente hortaliças, em períodos (ou locais) em que as condições climáticas não são adequadas ao cultivo não protegido. Nestes períodos, a oferta dos produtos no mercado é mais baixa e sua cotação mais elevada. Além das questões climáticas e mercadológicas, o plantio de hortaliças em ambientes protegidos pode evitar ataques de pragas e patógenos, reduzindo a aplicação de produtos químicos biocidas, embora no cultivo em solo a incidência de doenças possa ainda ser um problema se práticas culturais tais como a rotação de culturas não forem convenientemente adotadas.

Discussão - 5 comentários

  1. Paula disse:

    Tentei construir uma pseudo-estufa na minha varanda do sétimo andar... eu achava que o excesso de vento varria o solo e ainda por cima aumentava a perda de água das coitadas das plantas. Acho que adiantou... pelo menos, mais de 60% das sementes de tomates cereja vermelhos germinaram dessa vez. Vamos ver se eles tomateiam...

  2. manuel disse:

    Caro Ítalo
    Para já,fico-me pelo Poeta Gullar."O que faz o homem sobre a Terra?". Qual homem,o Eu ou o Tu,as realidades supremas?
    Um e Outro,driblando-se a si mesmos,ou mutuamente?
    Um abraço,de admiração,pelo seu tempo,que tão bem sabe dosear.

  3. Paula, ainda estou em dívida com você sobre uma sugestão para o seu problema. Não sei o que você fez, mas há um tipo de tela chamada clarite, esteticamente menos agressiva que o sombrite, e que pode minimizar seus problemas com o vento. Você está correta, o vento é um poderoso agente erosivo do solo e, ao remover a umidade de sobre as plantas, aumenta a evapotranspiração, podendo levar ao déficit hídrico.
    Manuel, Obrigado pela a admiração mas uma impressão que tenho recorrentemente é que sou péssimo em dividir meu tempo de forma satisfatória. As exigências profissionais, aliadas ao desejo de manter o blog com certa regularidade sem sacrificar obrigações para com o emprego, a família e para comigo mesmo me obriga a tentar ser mais racional nesta divisão.
    A ambos, obrigado pelos comentários.

  4. locatelli disse:

    Prezado Ítalo, excelente post, como sempre demonstranto embasamento técnico mais do que suficiente para filosofar sobre o tema, o que está muito raro hoje em dia, mesmo em blogs de divulgação científica.
    Li ainda só uma parte daquele livro no qual comentamos uma vez, "Armas, germes e aço" e já apareceu várias menções sobre a cabaça/purunga (para quem não está familiarizado com os nomes regionais, é uma Curcubitaceae cujo pericarpo do fruto é muito utilizado como cantil, por exemplo), algo como a trajetória histórica humana no prisma da purunga, que apesar de não ser comestível foi das primeiras plantas disseminadas e cultivadas pela mão do homem.
    Também no "História do mundo em 6 copos", na primeira parte do livro, discorrendo sobre a primeira bebida da civilização, a cerveja, coloca esta como uma consequência das primeiras técnicas de armazenagem de grãos selvagens coletados - as condições de armazenamento eram precárias, faltava controle de umidade, os grãos fermentavam e como havia uma carência muito grande de alimentos adocicados naquela época (o amido convertia-se a açucares como a maltose)a fermentação passou a ser estimulada, daí criar-se uma "sopa" de grãos fermentados foi um pulo, e para colocar esta "sopa" em vasos e beberem em um ritual social foi outro... a civilização nascendo em "botecos", e os botecos por causa da má armazenagem de grãos... então o hábito de frequentar barzinhos nada mais como uma expressão gênica (necessária para fortalecer laços) Homo sapiens sapiens de sociabilidade??????????

  5. Gabriel Neves disse:

    Realmente retiro minhas críticas sobre o conteúdo

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