A importância do desequilíbrio nos sistemas naturais

Por Elton Luiz Valente
O equilíbrio nem sempre é benéfico aos sistemas naturais. Poderíamos afirmar que em todos os ecossistemas o desequilíbrio, em determinadas faixas de amplitude, é mais importante do que o equilíbrio. E são muitos os exemplos que a natureza nos oferece.
Quando um sistema natural encontra-se bem estabelecido, dizemos que ele está em equilíbrio dinâmico, como uma floresta, por exemplo. A expressão dinâmico implica dizer que o sistema está em constante ajuste de suas forças, entropia e entalpia, as forças desorganizadoras contrapondo-se às forças organizadoras, e vice-versa. Assim os sistemas naturais evoluem, porque não há neles um verdadeiro equilíbrio no sentido estrito, isso permite fluxos de massa e energia entre os seus diversos compartimentos.
Uma planta só consegue absorver oxigênio, água e nutrientes porque há um desequilíbrio de forças, uma diferença de potencial, entre os seus tecidos e o meio, seja entre o sistema radicular e o solo, permitindo a absorção de água e nutrientes, seja entre a parte aérea e a atmosfera, permitindo as trocas gasosas.
O desequilíbrio é quase uma regra neste Velho Planeta. O homem não deve agredi-lo com destruições, extinções de espécies e etc., por várias razões, incluindo-se aí sua sobrevivência, mas, principalmente, por questões morais e éticas. A natureza, em sua dinâmica própria, sempre sofreu catástrofes naturais e extinções em massa que redirecionaram o seu processo evolutivo, ora para um lado, ora para o outro. Nós, por exemplo, só estamos aqui porque houve uma grande extinção de espécies há 65 milhões de anos, quando os Dinossauros reinavam impávidos sobre este Planeta. Tal processo, ou “desequilíbrio”, abriu espaço, ou nicho ecológico, para que nossa espécie pudesse surgir a partir da evolução dos mamíferos.
Se não fossem os movimentos tectônicos, o vulcanismo, a deriva continental, a orogênese (formação das montanhas e cordilheiras), as forças erosivas já teriam aplainado a crosta terrestre e esta provavelmente seria uma planície coberta pelos oceanos. Mas imaginemos que sobrassem algumas partes emersas, formando grandes planícies, perfeitamente aplainadas pela erosão, perfeitamente equilibradas do ponto de vista topográfico, geomorfológico. A região central da Austrália pode ser considerada como uma “maquete” de um sistema assim. Encontra-se lá um grande deserto, uma vasta região plana e árida, com pouco fluxo de massa, com pouco fluxo de energia e, consequentemente, com pouco “fluxo de vida”. Ou seja, o desequilíbrio de forças, a diferença de potencial, é que permite os fluxos de massa e energia que mantêm os sistemas funcionando. Se o sistema fosse perfeitamente equilibrado na Terra, este seria um planeta estagnado e sem vida.
Portanto, é preciso ter cuidado com a defesa incondicional do equilíbrio. Arrisco-me a dizer, inclusive, e já mudando o rumo desta prosa, que a famosa busca filosófica pelo equilíbrio encerra um componente perigoso, uma espécie de ovo da serpente, pois o equilíbrio pode levar à estagnação. Neste caso, o importante é o processo e não o seu fim, em outras palavras, o que importa é buscar o equilíbrio, mas não encontrá-lo. O problema é que isso contraria o senso comum, contraria cânones e dogmas, contraria o enredo cultural de uma humanidade que é essencialmente ungida na espiritualidade e na emoção, em detrimento da razão. E assim caminhamos, muitas vezes cometendo erros e equívocos, crentes que estamos no caminho da virtude, sem perceber que o abismo, ou melhor, a planura seca e árida, está logo ali na frente.

Discussão - 7 comentários

  1. manuel disse:

    Olá,Elton
    Eu não sei o que vai sair daqui,mas o Elton já me conhece,e perdoará ,certamente, "os desiquilíbrios"que se irão suceder.
    Estive para reler o seu texto,mas suponho que da leitura que fiz,o essencial dele foi,de alguma maneira,entendido.
    A sua confiança quase ilimitada na Terra,na Terra-Mãe,na Terra-Deusa. A Terra que por si se fez,sabe o que quer,sabe para onde vai.Não lhe toquem,que Ela,com a entropia,com a entalpia(que eu,confesso,não sei o que é,são coisas lá da Termodinâmica,de que um simples agrónomo,como eu, não cuida,embora tenha,às vezes,de lidar com ela ,mais a sério,como me sucedeu a mim com a Free Energy de Gibbs,mas isso são coisas que não são para aqui chamadas).
    Estávamos nós,muito entretidos,com coisas dos solos,da Terra,coisas mais ou menos complicadas,mas coisas cá de baixo,e vem o Elton a querer que olhemos para cima,para o alto,onde pairam as ideias mestras,as ideias condutoras. Foi uma importante chamada de atenção,que,por minha parte,agradeço,mas que pouco me servirá,que estou condenado,pelas minhas grandes limitações,a andar cá por baixo,esperando que Terra não saia dos eixos,mas crente de que ela permanecerá apsar das muitas "maldades",naturais,ou,perdõe-me a palavra domingueira,antropogénicas.
    Saindo agora do tema do texto,ele,não sei porquê,fez-me lembrar algumas palavras bonitas,e não só,estas palavras de que nos servimos para nos entendermos,ou desentendermos. É o sonho que comanda a vida. Tudo está perdido quando se perde o amor às utopias.No meio é que está a virtude. Nem tanto ao mar,nem tanto à terra. A paz dos pântanos. A luta pela vida(do Darwin). Qem tem as melhores armas é que vence.
    Vou terminar,que já não é sem tempo,e também para que o desastre seja menor.
    Por desastre,somos mesmo uns desastrados.Mas de desatre,em desatre,talvez na busca de um equilíbrio,possível,ou consentido,lá se tem ido,lá tem a Terra ido,lá têm os milhões disto e daquilo ido,não sei eu como, porquê,para quê. Sabe o Elton?
    Desculpe,é mesmo tempo de acabar,que aqui,a tecla,éstá a dizer que não pode mais.
    Saúde,e um abraço.

  2. Luiz Bento disse:

    Gosto muito de refletir que só entramos em equilíbrio quando morremos. A luta contra o equilíbrio termodinâmico é uma constante dos seres vivos e é o que nos diferencia do mundo não vivo.

  3. Elton Valente disse:

    Prezado Manuel,
    Quando você se diz “condenado por suas limitações” não creia estar sozinho, se não houver outro, estou eu nesta mesma condição, portanto, somos pelo menos dois. E assim chego às Utopias, belas palavras, pelas quais lhe agradeço. Você me fez lembrar um saudoso escritor e novelista brasileiro chamado Dias Gomes. Ele disse certa vez, em uma entrevista na TV, “sem os sonhadores, a humanidade não anda.” Daí a necessidade de “olhar para cima”, mesmo “estando nós muito entretidos com as coisas do solo”, nosso objeto de interesse maior. Você, como sempre, disse muito bem “somos uns desastrados”. Se a humanidade desse conta de si mesma, o desastre seria muito menor, e a Terra daria conta do resto, sem muitos sobressaltos.
    Foi um prazer “dialogar” com você. Um forte abraço, saúde e sucesso. E mantenha-se firme, pois você tem muito a nos ensinar!

  4. manuel disse:

    Caro Elton
    Cá estou eu,novamente. É que o seu texto é cheio de virtualidades,é dos tais que mexem,geradores de muitas evocações. Leva,por exemplo,aos agentes de acção,uns predispostos à análise,outros à síntese,uns dirigidos ao pormenor,outros às ideias gerais,integradoras,como que para arrumar a casa.
    Com um bocadinho de boa vontade,talvez me deixássem figurar entre os da análise. O que eu analisei, Elton,solo e plantas,,na tentativa de me esclarecer,para esclarecer outros. Isso já se passou há muito,mas, do que me tenho apercebido,o esclarecimento,aqui,ali,por toda a parte,está muito longe de ao fim chegar. E está,porque tinha de estar,que os objectos dessa análise são complexos,em permanente variação.
    Para terminar,duas citações antigas,mas,suponho eu,ainda com muita actualidade.
    Nye(1963)- A não ser que um processo...capaz de universal aplicação seja adoptado,o futuro da análise do solo consistirá numa série interminável de ensaios de fertilização realizados com o fim de obter correlações com um número sempre crescente de soluções extractivas.
    Richard Bradfield(1961) - Parece-me que não podemos deixar de concluir que a razão de continuarmos a investigar e a reinvistigar certos aspectos da fertilidade do solo está em que ainda não sabemos predizer com confiança o que acontecerá em cada caso particular,pois há muitos parâmetros envolvidos que não somos ainda capazes de identificar,medir ou interpretar.
    E pronto. Veja lá,caro Elton, em que deu o seu texto,um texto cheio de evocações.
    Mais uma vez,muito boa saúde,muito bom trabalho,e um abraço.

  5. Leonardus Vergütz disse:

    Caro Elton,
    Como bem lembrou o Manuel no primeiro comentário, a sua leitura da "importância dos desequilíbrios nos sistemas naturais" é uma aplicação prática das leis da termodinâmica, que são verdadeiras desde uma simples reação entre H e O2 formando H2O até à formação dos nosso sistema solar.
    Todas as reações, das mais simples às mais complexas, seguem uma via de mão única, ou seja, todas as reações espontâneas são guiadas no sentido da diminuição da energia livre de Gibbs (G = H - TS). Não existe exceção à essa regra! Se a formação de determinado produto causar o aumento da energia livre de Gibbs essa reação não ocorre de forma espontânea na natureza e para que esse produto seja formado é necessário que seja fornecida energia para o sistema.
    Desde que o "Big Bang" ocorreu a entalpia (H) do nosso universo tem diminuído, já que parte da energia tem sido "gasta" (convertida em trabalho) para a expansão do nosso universo. De modo contrário sua entropia (S) tem aumentado. Isso resulta em uma diminuição na energia livre de Gibbs. Esse processo continuará assim até que o equilíbrio seja atingido. Como você disse, esse ponto de equilíbrio será atingido uma vez que não exista mais nenhuma diferença de potencial, nenhuma transferência de energia, o sistema já estará assumindo número máximo de configurações, ou seja, não exitirá mais fator entálpico ou entrópico direcionando nada, tudo estará ESTÁTICO! Uma vez que isso ocorra estaremos em um estado de verdadeiro EQUILÍBRIO!

  6. manuel disse:

    Caro Leonardo
    Em primeiro lugar,quero agradecer o ter lembrado o Manuel,depois,agradecer a explcação,que,infelizmente,no meu caso,caiu em saco roto. Sabe,burro velho já não aprende línguas,e então,uma língua Termodinânica,uma língua que eu me atrevo a qualificar como quase transcendente.
    Quanto a eu ter lidado com a energia livre de Gibbs ,fi-lo por dever de ofício,quase como um ceguinho. Parece valer a pena transcrever alguma coisa desse passo,sobretudo em atenção ao potássio,que não me perdoaria o eu não ter revelado uma pequena parte da sua incursão no reino da Termodinâmica.
    "As forças que retêm o potássio nos colóides do solo têm sido pouco estudadas,mas não há nenhuma razão "a priori" por que diferentes solos devam reter o potássio com a mesma intensidade(Arnold,1962).
    O conceito de energia livre das reacções químicas foi aplicado por Woodruff(1955)às reações de troca no solo,como forma de avaliar a facilidade de substituição de potássio dos solos.
    O estudo foi realizado em solos em que o ião cálcio era o ião bivalente de maior representação e o potássio o ião monovalente dominante.
    A avaliação da energia de troca do cácio pelo potássio foi feita através da solução em equilíbrio com o solo. Se um solo está em equilibrio com uma solução,a variação da energia livre de qualquer reacção entre o solo e a solução é,por definição,igual a zero,e a diferença no estado de energia livre de dois iões é a mesma que no solo(Woodruff,1955;Arnold,1962)...."
    Isto foi escrito num relatório dando conta do que andara eu a fazer por terras de Sua Magestade a Rainha,nos idos de 1965,por uns escassos seis meses.
    Crente de que o potássio do solo tivesse ficado satisfeito com esta lembrança perdida no tempo,renovo os meus agradecimentos ao Leonardo,pela lembrança,pela explicação,e,claro,também por esta oportunidade de trazer à ribalta o potássio do solo.

  7. manuel disse:

    Caro Leonardus
    As minhas muitas desculpas pelo Leonardo.

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