Origem dos Murundus: uma questão em aberto!

Os Murundus são geoformas (formas do terreno ou unidades do relevo) encontradas em diversas áreas do território brasileiro, bem como na África (sabendo-se que os da África possuem dimensões muito maiores). Segundo o Dicionário Aurélio, murundu significa montículo, morrote, outeiro. Trata-se de pequenas elevações do terreno, cujo formato tem a semelhança de uma seção esférica ou meia laranja, com variada convexidade, cujas configurações podem variar de arredondadas a elípticas. Geralmente não passam de três metros de altura. A maioria possui menos de dois metros. Segundo alguns autores, sua base pode atingir até 15 metros de diâmetro. Ocorrem de forma abundante em determinadas áreas, formando campos de murundus.
Para quem nunca viu, ou notou, um ambiente desses, o aspecto da área é semelhante àquele que se tem quando se observa à distância uma área de aterros, comuns nas obras de engenharia civil, em que os caminhões depositam suas cargas em uma sequência de vários montículos de terra. A imagem é mais ou menos essa.
A gênese dos murundus é um objeto de discussão na Ciência do Solo, pois ainda não há um consenso a esse respeito. Simplificadamente, a questão é a seguinte:
Alguns autores defendem a origem predominantemente geomorfológica dos murundus, portanto seriam relevos residuais, ou seja, a dissecação (erosão) diferencial do terreno seria a sua principal causa. A erosão diferencial, em linhas gerais, é aquela que, em uma unidade de área, remove preferencialmente determinadas seções da superfície de forma mais acentuada, deixando outras para trás. Ou seja, rebaixa o nível do terreno de forma desigual, deixando alguns “núcleos” que formam os morros da paisagem que vemos.
Outros autores defendem a origem biológica, que seria promovida pela mesofauna, principalmente pelos térmitas (cupins), de forma geralmente cumulativa, um ninho sobre o outro, com alguma contribuição indireta da fauna de predadores desses organismos. Assim, os montículos seriam ninhos abandonados (fósseis) de térmitas, bem como grandes termiteiros ainda ativos que podem ser observados em alguns casos. Ambos oferecendo alguma resistência aos processos erosivos de superfície.
Os defensores da origem geomorfológica argumentam que, em algumas áreas, principalmente nas vertentes de vales, não existem evidências de ação da mesofauna, como canais ou restos da estrutura dos ninhos de térmitas. A morfologia interna dos montículos em tais áreas se assemelha àquela dos Latossolos. Além disso, os murundus tendem a ter uma concordância de topos, isto significa que suas partes mais elevadas têm alturas mais ou menos concordantes, sugerindo uma superfície regular que sofreu erosão diferencial.
Os defensores da origem biológica argumentam que, em muitos casos, principalmente em depressões fechadas, existem evidências da ação biológica da mesofauna, justamente canais e restos da estrutura de termiteiros. O interior desses murundus apresenta uma organização estrutural característica dos ninhos de térmitas. Além do fato de que podemos encontrar montículos com termiteiros ainda ativos. Tais autores apontam, entre outros argumentos contrários à origem geomorfológica, que sob uma dinâmica de erosão diferencial tais elevações deveriam ser, preferencialmente, mais alongadas no sentido da declividade do terreno e aqueles murundus das partes mais elevadas deveriam ser menores do que os das cotas mais baixas, o que não parece ser o caso, principalmente o fato de que a hipótese geomorfológica não explica a ocorrência de murundus em depressões fechadas.
Até prova em contrário, parece-me mais plausível a origem biológica. Pois, mesmo naqueles casos em que não há evidências da ação biológica, onde a estrutura interna dos murundus assemelha-se à dos Latossolos, acredito que não podemos descartar a ação dos térmitas. Neste caso, a ausência de evidência não implica necessariamente em evidência de ausência. O ambiente, favorável à gênese dos Latossolos, pode ter favorecido a latolização daquela unidade do relevo “apagando” as evidências da ação biológica. Neste sentido, seria interessante datar as diversas áreas, observar se há diferenças de idade geológica, diferenças paleoclimáticas, diferenças ou semelhanças na micromorfologia e outras razões que poderiam promover a evolução diferencial de pedogênese entre elas, ou seja, fazendo com que em alguns murundus, mais envelhecidos, não existam mais vestígios da ação biológica. É apenas uma especulação.
Aos interessados, isso dá uma boa tese de doutorado. Embora já existam alguns trabalhos tratando do assunto, a dúvida ainda persiste.

Discussão - 10 comentários

  1. manuel disse:

    Olá,Elton
    O que é prometido é devido,e aqui está a "Origem dos Murundus...". Muito obrigado pelo seu excelente trabalho.Como chegar a um esclarecimento "definitivo"? Talvez a sua sugestão das datas ajudasse. Notável é a marca laterítica,as concreções ferruginosas,em que as térmitas são hábeis,pelo que li há tempos. A alcalinidade daquele seu "mid gut" não deixa ferro,ou alumínio, ligados ao fósforo,pelo menos,de que elas precisam,gerando-se óxidos.
    Essa paisagem que descreve lembra outras paisagens de acção erosiva,por ali,por acolá.
    Enfim,um outro rico campo de especulação,como refere.Numa tese de doutorado,da USP,de 2002,que,por um acaso,encontrei,mas com a sua intervenção,pelo termo Murundus,que eu, de todo, desconhecia,há um relacionamento das concreções com o nível de oscilação do lençol freático.
    Mais uma vez,Elton,muito obrigado por mais esta sua contribuição para o alargar de conhecimento,que é um dos "encantos" da vida.
    Um abraço.

  2. Elton Valente disse:

    Prezado Manuel,
    É um prazer tratar destes assuntos que também me encantam.
    Como você observou bem, essas formações geralmente estão associadas a áreas sob influência de flutuações do lençol freático. Mas, para complicar, elas ocorrem também nas formações terciárias, ao longo do litoral brasileiro, denominadas "Grupo Barreiras" (quem deu o nome de Barreiras foi Pero Vaz de Caminha), bem como em outras áreas afins no interior do continente.
    É preciso estudá-las um pouco mais.
    Abraços fraternos!

  3. Caro Elton, tendo a acreditar numa conbinação das duas hipóteses - ação da erosão diferencial aliada a uma posterior ação dos térmitas... o que vc acha?
    abraço!

  4. Elton Valente disse:

    Flávia,
    Além de outros fatores, como a ocorrência de murundus em depressões fechadas, há um padrão de regularidade nestas formações, repetitivo em áreas distintas, que no meu entendimento seria muito difícil de se obter por processos de erosão diferencial.
    Além disso, acredito que a ação da mesofauna, principalmente dos cupins, foi e é fundamental na gênese da maioria dos solos tropicais, principalmente dos Latossolos e afins. Nosso conhecimento ainda não conseguiu mensurar isso de maneira satisfatória, mas creio que é só uma questão de tempo.
    Mas, sem dúvida, essa é uma boa discussão e uma boa linha de pesquisa.

  5. Sibele disse:

    Oi, Elton!
    Vc sabe, leiga sou nessas questões, mas descobri um artigo sobre Murundus que também cita formigas (!)

    DIEHL, E.; JUNQUEIRA, L. K.; BERTI-FILHO, E. Ant and termite mound coinhabitants in the wetlands of Santo Antonio da Patrulha, Rio Grande do Sul, Brazil. Braz. J. Biol. v.65, n.3, p. 431-437,2005.
    Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/bjb/v65n3/26570.pdf

    E tem um vídeo incrível no RNAm, chamado "Cidade das Formigas". Não tem nada a ver com Murundus, mas o que elas são capazes de fazer!
    Abraços!

  6. manuel disse:

    Muito boa tarde a todos
    A propósito de térmitas,perece oportuno,e justo,lembrar
    aqui o magnífico post de Carlos Pacheco,de 18 de Dezembro de 2008 : Blogagem Coletiva - Termitas Africanos: Relações edáficas e utilização por povos nativos.
    Ele nos refere o importante papel das térmitas na formação de solos e os benefícios que se podem colher da sua acção.
    Também o Ítalo,em Carbon Sequestration by Soils,April 9,2009,alude,entre muitas outras coisas,às térmitas:"Organisms also play an important role in the formation of these soils,notably exuding organic acids and other substances. The activity oh mesofauna in the sols is impressive,and termites,earthworms and ants are very active in mixing soil material through the soil profile making Oxisols rather homogeneous vertically".
    Posto isto,apetece desejar que as térmitas,e outros insectos sociais,como as abelhinhas,inspirassem os humanos,escusado será dizer em quê.
    Muito boa saúde a todos.

  7. manuel disse:

    Muito boa noite a todos
    Ainda sobre as térmitas, esses serzinhos em sociedades organizadas. Um senão,apenas,parece elas terem.Quer dizer,"não há rosa sem senão". Pois os "espinhos" das térmitas,devem saber,é só para lembrar,são as muitas moléculas de metano que elas fabricam,tal como as vaquinhas,e demais ruminantes,mas não,claro,como eles.
    É o que adiante está escrito-
    Termites. Global emissions of termites are estimated to be about 20 Tg per year, and account for approximately 11% of the global methane emissions from natural sources. Methane is produced in termites as part of their normal digestive process, and the amount generated varies among different species. Ultimately, emissions from termites depend largely on the population of these insects, which can also vary significantly among different regions of the world.
    Vem isto em-http://www.epa.gov/methane/sources/html(Methane
    sources and emissions)
    É uma "maldade",é,mas quem as não faz,nem mesmo os mais pintados,ou pintadas. Desculpem,mas é para ir entretendo,se,
    acaso,têm tempo para se entreter,como eu,e,se,acaso,lhes der para passar por aqui.
    De qualquer modo,muito boa saúde,e muito bom trabalho,ia a desejar,sem terem tempo para se entretrerem,o que seria,de certo ponto de vista,não de todos,claro,muito bom sinal.

  8. Josiah disse:

    Pelo pouco que li sobre os murundus parece lógico que sua formação seja pela ação de térmitas.
    Seria interessante também saber porque ocorrem em certas áreas. Haveria algum fator biótico e/ou abiótico para o desenvolvolvimento dos campos de murundus? Também são designados por monchões, cupinzeiros.
    Talvez se entendêssemos melhor o fluxo de metano que emana do interior do planeta poderíamos compreender tanto melhor suas consequências na interface com a biosfera, hidrosfera, atmosfera e a superfície da Terra.

  9. Binômino da Costa Lima disse:

    Covais - murundus - montículos – tesos
    Meco

    São elevações que se formam em lugares úmidos, onde se junta grande quantidade de água no período chuvoso, pelos fatos de ali ser muito plano e o solo ser argiloso. Essa água alimenta o lençol freático da área.
    Na região do sudoeste goiano havia grande quantidade desses covais, alguns com área até de 1.000 hectares de extensão. Área que ficava alagada, com média de 50 cm de água em toda sua extensão, que filtrada era incorporada ao lençol freático.
    Considerando 1/10 dessa área ocupada com a água retida vamos ter um volume de 500.000 m3 de água, por várias vezes durante o período chuvoso. (Um hectare tem 10.000 m2 x 0,50cm = 5.000 m3 de água x 100 = 500.000 m3).
    Os covais devem ser considerados reservas permanentes. Pois são áreas importantes de recarga do cerrado.
    Além da grande utilidade dessa formação, ainda é uma curiosidade não estudada, ninguém sabe como isto foi formado. E já estamos destruindo tudo.
    A única explicação que existe sobre a formação dos covais ou murundus, embora, nunca a vi, mas vejo menções sobre ela, é que os covais são formados por cupins. Se considerarmos uma área de 1.000 hectares, toda úmida e pensar na possibilidade de bilhões de cupins construindo milhões cupins dentro d’água para depois sem nenhuma erosão em movimento conseguir criar aquele formato, não se pode de bom senso aceitar.

    Pelo que tenho observado acho mais aceitável pensar que:
    Considerando os covais da bacia do Paraná, na Formação Cachoeirinha, deposição do Terciário, acima de 900 metros, elevando-se à mais de mil metros;
    Devido ser totalmente plana, grandes extensões e ser coberta só por graminhas e conter bastante argila, a grande quantidade de cabeceiras formaram-se grandes lagoas;
    a) as grandes nascentes que existiam dentro da área, depois de manter uma grande lagoa, logo acharam uma saída e se transformaram em rios;
    b) as médias nascentes formaram lagoas que permaneceram por algum tempo, tendo depois conseguido romper para o lado mais gasto e se transformaram em córregos;
    c) as pequenas, somente há seis mil anos atrás no “Período Ótimo” quando houve o limite máximo de chuvas, com a saturação das mesmas, também se romperam e pode se notar em todas as cabeceiras dos chapadões as meias luas de covais em torno das nascentes.
    d) as pequenas nascentes como não tinham volume de água suficiente para romperem em alguma direção permaneceram e estão aí até hoje (agora sendo sangradas para dar lugar a famigerada monocultura).
    Considerando o volume da mega fauna no pleistoceno, que se configurava com a fauna da África hoje ou mais:
    a) área “core” do cerrado, aquela área deveria estava coberta de gramíneas, o que fornecia alimento para todos os herbívoros, como: Haplomastondonte, Megaterium, Toxodon e muitos outros gigantes da época;
    b) período de calor, antecedendo a última glaciação, as lagoas eram procuradas todos os dias por aqueles animais para mitigarem a sede e se banharem;
    c) como todo animal terrestre anda em trilhas, (não retas) inclusive o animal homem, aqueles animais foram fazendo suas trilhas, que convergiam para as lagoas;
    d) ao se dirigirem à lagoa de todas as direções, marchavam até dar na lagoa;
    e) o solo argiloso do fundo do grande lago do Terciário, com alto grau de impermeabilização mantinha as trilhas cheias de água, aumentando a capacidade de se abater, com o grande peso dos extraordinários animais de até sete mil kg e fazendo com que os entre trilhos ficassem cada vez mais altos e enxutos.
    Considerando que milhares de anos estes animais percorreram aquelas trilhas a procura das lagoas:
    a) observando a altura dos montículos vamos constatar que os que estão longe da lagoa são pequenos, vão crescendo conforme vai se aproximando desta, até que bem próximo eles começam a diminuir e desaparecem (hoje já difícil de se encontrar os primeiros montículos);
    b) deduz-se que a área da borda dos covais sofria menor pisoteio e portanto os montículos são menores e cresciam para o centro devido o aumento do pisoteio, quando os animais começavam a entrar na lagoa seu peso ia diminuindo pela sustentação da água fazendo com que os montículos também diminuíssem, até acabar quando nadavam.
    c) talvez pelo aumento das chuvas no período de 6 mil anos atrás, a maioria das lagoas recebendo um número maior de água do que comportava sua bacia passou a escorrer numa direção, sofrendo com isso uma natural erosão até destruir os covais naquela direção;
    d) transformando numa pequena cabeceira de um córrego, conservando, entretanto, uma meia lua em volta os covais que não sofreram erosão intensa;
    e) mais recentemente, quando os covais das cabeceiras vão sendo rebaixados pelo pisoteio de gado começam a sofrer em seu topo o nascimento de plantas arbóreas, principalmente de melastomatáceas.

    Conselho aos pesquisadores:

    O fundo dessa lagoa deve guardar os polens da vegetação do Terciário dessa região.
    Porque não fazer uma pesquisa palinológica para verificar tal evidência.

  10. Binômino da Costa Lima disse:

    Todos covais existentes na região, que não viraram nascentes, tinham uma lagoa no centro. Todos os covais conservam uma altura relacionada com sua distância da lagoa. Quando se vai aproximando são mais altos, quanto mais longe mais baixos.
    Em Jataí Goiás, ainda existe uma pequena área com covais, muito bonitos. Que teimamos em conservar. Fotos:

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