Minerais de argila de solos tropicais intemperizados

Por estar em região tropical com raras ocorrências de fenômenos naturais catastróficos como terremotos, glaciações ou vulcanismo há um período longo de tempo, as condições ambientais brasileiras favoreceram o desenvolvimento, em grande parte do território nacional, de solos bem desenvolvidos em cuja fração argila predominam minerais secundários típicos de intensos processos de intemperismo, principalmente minerais de argila do tipo 1:1 (grupo da caulinita) e óxidos de ferro e alumínio, considerados como produtos finais do intemperismo químico e altamente resistentes à dissolução ulterior.
Os minerais de argila do tipo 1:1 (lê-se um para um) caracterizam-se por possuir uma unidade cristalográfica contendo uma camada de tetraedros de silício e oxigênio e uma camada de octaedros de alumínio (ou magnésio) e hidroxilas:
kaolinitestruct.gif
Estas unidades cristalográficas empilham-se em camadas não expansivas devido às ligações de hidrogênio formadas entre a camada de tetraedros de sílica de uma unidade e uma de octaedros de outra unidade cristalográfica. A pouca ou nula expansividade da caulinita é a causa da baixa superfície específica deste mineral de argila.
Como há pouca substituição do átomo central tanto nos tetraedros quanto nos octaedros (pequena substituição isomórfica), há pouco desbalanço de cargas, gerando poucas cargas negativas, ou em jargão técnico, pequena capacidade de troca catiônica (CTC), o que significa que os solos em que predominam os minerais de argila do grupo das caulinitas têm pouca capacidade de reter elementos nutrientes catiônicos – daí a baixa fertilidade de solos tropicais muito intemperizados, como os Latossolos do Cerrado e da Amazônia.
Os óxidos de ferro (hematita e goethita, principalmente) e alumínio (principalmente gibbsita), à semelhança dos argilominerais 1:1, têm baixa CTC e contribuem pouquíssimo na retenção de nutrientes no solo. As cores avermelhadas e amareladas de boa parte dos solos brasileiros são conferidas pela presença, em quantidades variáveis, dos óxidos de ferro hematita e goethita, respectivamente. A hematita é mais comum em ambientes menos húmidos e pobres em matéria orgânica. A goethita, por outro lado, forma-se preferencialmente em ambientes mais úmidos, de drenagem mais fraca, e mais ricos em matéria orgânica do solo.

Discussão - 10 comentários

  1. manuel disse:

    Caro Ítalo
    A minha admiração pelo Geófagos não ter ido para férias. Quanto ao texto,obrigado por me ter recordado matéria tão fundamental. Começou em grande o mês de Setembro.
    Finalmente,chegou a vez de três pedidos de esclarecimento sobre o que aí se passa.
    1.E o que acontece com a libertação de catiões não permutáveis?
    2.Será pobre também a presença de minerais primários?
    3.E a capacidade de troca aniónica,a pensar,sobretudo,nos nitratos?
    Muito boa saúde,e um abraço.

  2. Caro Manuel,
    Por serem colóides de carga variável com o pH, os minerais 1:1 e os óxidos de ferro e alumínio dos solos tropicais apresentam baixa CTC. O maior contributo em termos de retenção de cátions é geralmente por parte da matéria orgânica dos solos, que inclusive retem eficientemente alguns elementos fracamente retidos pela fração mineral, como cobre e zinco, por exemplo. Normalmente, os únicos minerais primários que resistem ao intemperismo nestas condições são o quartzo e a muscovita. Aliás, alguns solos amazônicos altamente intemperizados, os Podzóis ou Espodossolos, acabam perdendo até mesmo os argilominerais 1:1 e os óxidos metálicos, restando quase unicamente o quartzo. Por serem minerais coloidais de cargas variáveis com o pH, e como o pH da solução do solo nos trópicos é via de regra ácido, as cargas expostas por estes minerais costuma ser positiva. Assim, apesar de a capacidade de troca catiônica (cargas negativas) ser baixa, a capacidade de troca aniônica não é tão baixa. Realmente, há evidências experimentais sugerindo que a movimentação do ânion nitrato nestes solos seja mais baixa do que em solos de regiões temperadas. Nosso grande problema, em termos agrícolas pelo menos, é a fixação do ânion fosfato, principalmente pela goethita, indisponibilizando o fósforo para a nutrição vegetal. Neste caso, a adsorção, ao invés de ser por atração eletrostática, reversível, é por ligação covalente, de difícil reversibilidade.

  3. manuel disse:

    Caro Ítalo
    Obrigado pelo rápida resposta.Tudo isto me fez lembrar o que se passa aqui neste âmbito.
    1.Para além das cargas negativas permanentes,resultantes das chamadas substituições isomórficas,há as dependentes do pH,fundamentalmente,dos colóides orgânicos,ou seja da protólise de grupos carboxílicos e fenólicos.
    2.Há ainda as das ligações quebradas,dos rebordos dos cristais.
    3.As permanentes e as das ligações quebradas podem estar bloqueadas,em grau maior,ou menor,por adsorção,fundamentalmente,de polímeros catiónicos de grupos Al-OH. Com a subida do pH,há um progressivo desbloqueamento dessas cargas,em paralelo com a redução das cargas positivas dos catiões bloqueadores.
    4.Pode dizer-se,assim,que,para cada pH,há um valor da capacidade de troca catiónica.
    5. E assim,para além doutras vantagens,a calagem, fazendo subir o pH,acresce ainda a capacidade de troca catiónica.
    Mais uma vez,obrigado pelos esclarecimentos.

  4. manuel disse:

    Caro Ítalo
    A propósito da movimentação do anião nitrato no solo,tomo a liberdade de indicar o seguinte,extraído de Australia Journal of Soil Research,Feb.2009 -
    Soils containing positively charged surfaces will delay nitrate leaching, and current leaching models based on an assumption that WA soils only contain negative charge could result in unreliable nitrogen recommendations. This is likely to have an adverse impact on the grower's fertiliser use and profits. Both positive and negative charge occur in variable amounts on iron and aluminium oxide and kaolinite surfaces, depending on ambient soil solution pH and electrolyte concentration, and the amount of specifically bound anions such as phosphate held on their surfaces (Bolland et al. 1976; Bowden et al. 1977; Qafoku et al. 2004; Donn and Menzies 2005a, 2005b). These minerals are said to have variable charged surfaces, with positive charge density measured as anion exchange capacity (AEC) increasing at lower pH values and at higher electrolyte concentration. Positive charge retains the opposite nitrate charge electrostatically. This is referred to as nitrate retention or nitrate adsorption. Nitrate adsorption delays nitrate leaching. For example, field measurement on an acidic sandy kaolinitic soil with a small amount of goethite showed that nitrate leaching was delayed beyond that expected for a given amount of water. Nitrate leaching required 2.5 pore volumes (1 pore volume was in this case the drainable volume of water held by the soil at field capacity) of water for displacement (Wong et al. 1987). AEC increased from 0.2 to 0.8 [mmol.sub.c]/kg down this soil profile and only small AEC resulted in large delays (Wong et al. 1990a).
    In http://findarticles.com/p/articles/mi_hb3364/is_1_47/ai_n31776266/
    Saúde,e um abraço.

  5. manuel disse:

    Caro Ítalo
    Voltei a ler o Manifesto.E ocorreu-me isso que a seguir vai.
    Por outro lado,um lado fundamental,talvez o mais fundamental,seria de interesse saber-se até que ponto os carentes de hoje achariam que já não o eram,quer dizer,já se encontravam satisfeitos. É isso fundamental,pois que é nos exageros de uns que mora uma das razões das faltas noutros.
    É pouco,mas com cara de fundamental.
    Um abraço,Ítalo.

  6. manuel disse:

    Caro Ítalo
    O seu texto provoca,no bom sentido,claro. É o caso das cargas positivas,a pH baixo,via OH textural,combinando-se com iões H.É o caso das cargas positivas,a pH baixo,via NH2 de diversos compostos orgânicos,combinando-se com iões H.
    Mas,como se sabe,a capacidade de troca catiónica é,por regra,muito maior do que a aniónica.
    A pH alto,como é sabido também,H de OH textural pode combinar-se com OH da água
    (H2O),gerando-se,ao contrário,carga negativa,aumentando-se,
    assim,a capacidade de troca catiónica.
    E pronto,Ítalo. Saúde.

  7. manuel disse:

    Caro Ítalo
    São 77 os trabalhos que na Revista Brasileira de Ciência do Solo acodem ao "subject" latossolos. Deles,indico aqui um que me parece relacionado com o seu texto.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0100-06832008000500008&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
    Um abraço,Ítalo.

  8. Raoni G. disse:

    Galera geófaga, sou novo por aqui e gostaria de saber à respeito do geófagos do WordPress, se é o mesmo blog que esse ou nao, e se ele está desativado. Aproveitando a oportunidade quero parabenizar pelos posts do blog, que de forma didática passam às pessoas, como eu, que estão na graduação um pouco sobre o solo e suas maravilhas...
    Se possível me deixar um email alertando sobre a resposta a essa pergunta.
    obrigado.

  9. Diego Aniceto disse:

    Gostei muito do blog. Sou um apreciador das ciências do solo e o blog contribui bastante na disseminação do conhecimento básico que auxilia no entendimento do sistema solo. Voltarei a blogar aqui. Abç.

  10. Kuenda Manuel de Sampaio disse:

    Boa noite.
    Não tenho comentários. Agradecia o favor de me enviar dados que se relaciona com um tema como este: Caracterização de Solos Tropicais Intensamente Intemperizados.
    Sou angolano. Residente em Luanda. Engº Bacharel em Agronomia.

Envie seu comentário

Seu e-mail não será divulgado. (*) Campos obrigatórios.

Categorias