O que Steve Jobs teria a dizer sobre uma variedade de hortaliça?

Recentemente eu e um colega conversávamos sobre uma variedade de hortaliça muito promissora com que trabalhávamos mas que mostrara uma maior susceptibilidade à deficiência de cálcio que outras sendo desenvolvidas. O cálcio faz parte da composição de pectatos de cálcio os quais auxiliam na resistência estrutural da parede celular, a qual confere firmeza ao tecido vegetal. Esse problema era de tal monta que, sob determinadas condições, o fruto chegava a rachar antes de colhido, tornando-o imprestável para o mercado.

Discutindo possíveis estratégias para minimizar ou evitar o problema, meu colega fez a sensata sugestão de determinarmos a quantidade a mais de cálcio que essa variedade precisava para os frutos não racharem e recomendarmos aos produtores que suplementassem a adubação com aplicações extras do nutriente no início da frutificação. Sem dúvida, esta seria a solução mais simples…para nós, pesquisadores.

À medida que o país se urbaniza e a renda média da população aumenta, a mão de obra no campo escasseia de forma assustadora e torna-se mais cara, em muitos casos representando a maior fatia nos custos da produção agrícola. Duas ou três aplicações suplementares de adubo podem representar a diferença no custo de produção que levarão o produtor a escolher uma outra variedade talvez não tão produtiva mas que não exija este gasto extra de mão de obra por não apresentar esta menos eficiência no uso de cálcio.

Para mim, a melhor solução (e eu me inspiro escancaradamente na visão de Steve Jobs) seria ter mais trabalho no processo de melhoramento, tentando corrigir, por meio de cruzamentos direcionados e seleção, esta menor eficiência na aquisição ou no uso de cálcio e lançando um produto mais pronto e certamente mais competitivo por vir a realmente facilitar a vida do produtor.

Discussão - 5 comentários

  1. Anonimo disse:

    O que steve jobs tem a ver com isso?

    • Italo M. R. Guedes disse:

      Entre outras coisas, Steve Jobs era conhecido por seu perfeccionismo, por sua indisposição em aceitar produtos "bons o suficiente" e exigir de seus empregados que dessem o melhor de si para ter "o melhor produto da categoria" e ditar o padrão a ser seguido.
      O que eu quis dizer aqui foi exatamente que se contentar com uma variedade "boa o suficiente" sem levar em consideração outros fatores que influenciam a decisão de um cliente em adquirir um produto qualquer pode não ser suficiente para o sucesso do produto, mesmo que esse tenha qualidades. Ir além do meramente satisfatório, ditar o padrão a ser seguido, não é algo a ser feito apenas em relação a computadores, smartphones ou outros gadgets, mas pode também ser feito no mercado de variedades de espécies cultivadas por empresas que queiram ser realmente competitivas.

  2. Tenho um tio na cidade de Mata, RS. Ele é produtor de morangos. Esses dias comentou comigo "na agricultura não há perfeição, mas eu trabalho pra ficar o mais próximo".

    Penso que isso funciona para qualquer trabalho ou produto. Meu tio é um Steve Jobs da produção de morango, muito me inspira com o seu modo de trabalho. Desenvolver um produto para consumo ou uso é encarar o processo como algo com n-variáveis e todas com muita influência no resultado final.

    Parabéns pela busca pela excelência. Boa sorte com as prováveis soluções.

  3. Celso Moretti disse:

    Oi Ítalo,
    Interessante o debate que vc promoveu aqui no blog sobre a filosofia de qualidade usada por Steve Jobs e o que isso tem a ver com nosso dia a dia da pesquisa. Em relação às rachaduras nos frutos, vocês cogitaram de que a mesma pode ser devida a intermitência de períodos chuvosos com períodos secos? Isso não é tão incomum em tomates, principalmente nos destinados ao processamento industrial. Se a rachadura foi verificada na região distal do fruto, é bem possível que realmente seja deficiência de cálcio, uma desordem conhecida como fundo preto (stem end rot).
    Abraço!
    Celso

    • Italo M. R. Guedes disse:

      Caro Celso, sem dúvida, com exceção das ocasiões em que há escassez ou da ausência de cálcio na solução do solo ou na solução nutritiva, os sintomas de deficiência de cálcio estão muito ligados a variações no suprimento de água às plantas. O que temos observado, porém, é que sob as mesmas condições, linhagens diferentes de uma mesma espécie demonstram comportamentos diferentes, algumas apresentando os sintomas enquanto outras permanecem sem nenhum sintoma.

      Temos a impressão que em alguns materiais genéticos ocorre o mesmo que foi observado para o eucalipto em relação ao fósforo pelo Professor Hugo Ruiz da UFV em sua tese de doutorado: pequenos decréscimos no suprimento de água, insuficientes para causar qualquer tipo de estresse hídrico, já causavam sintomas de deficiência de P.

      Mas o caso do fósforo é compreensível, visto que o nutriente chega às plantas por difusão, o cálcio, no entanto, chega por fluxo de massa. Cremos que o que está acontecendo, e não apenas com as variedades da empresa onde trabalhamos, é uma seleção involuntária de linhagens pouco eficientes na aquisição e/ou absorção de nutrientes, como já discutimos rapidamente no post "Baixo uso de fertilizantes e o melhoramento de plantas".

      Além da questão do lançamento de variedades mais acabadas, visando realmente facilitar a vida do produtor, esse post se filia muito mais à discussão ao redor da necessidade de se selecionar materiais com maior eficiência na aquisição, na absorção e no uso de nutrientes como suporte a uma agricultura mais sustentável.

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