Por que não discutimos agricultura no Brasil?
Há duas semanas tive a oportunidade de visitar uma exposição internacional de produtos agrícolas, o SITEVI, em Montpellier, no sul da França. Na ocasião pude também visitar alguns centros de pesquisa mantidos por associações ou cooperativas de agricultores e auxiliar produtores e empresários brasileiros interessados em importar máquinas e equipamentos agrícolas para o Brasil a estabelecer contatos e parcerias com empresas francesas. Realizei também visitas muito interessantes a algumas propriedades onde se pratica a agriculture raisonnée, que conhecemos como produção integrada.
Tudo extremamente interessante, mas não foi o que mais me chamou a atenção. Durante o período que estive lá, a União Europeia decidiu prolongar por mais cinco anos a permissão para a comercialização de herbicidas à base de glifosato, decisão parcialmente seguida pela França. Dos canais de televisão oferecidos no hotel onde me hospedei, e não eram poucos, creio que não houve um onde não houvesse discussões longas e profundas sobre o acerto ou o equívoco dessa decisão. Programas de debate com políticos, intelectuais e agricultores de diversas correntes, discutindo os vários aspectos, pontos de vista e consequências de uma decisão como essa. Embora essa decisão tenha sido tomada na mesma semana em que a Coreia do Norte lançou mais um míssil em direção ao Japão, ouso dizer que tive a impressão que a liberação do glifosato recebeu mais atenção.
Por que, afinal, isso me surpreende tanto? Porque a França não é um país agrícola, é um país industrializado, gerador de tecnologia de ponta em vários setores da economia. O Brasil, por outro lado, tem se autodenominado uma superpotência agrícola, a agricultura tem tido nos últimos anos uma importância tremenda em nossa balança comercial, e nunca testemunhei algo que sequer se aproximasse do nível de discussão sobre o glifosato e outros assuntos ligados à agricultura como o que vi na França. A agricultura, por aqui, quando se “discute” é de forma em geral maniqueísta, de acordo com a preferência ideológica de quem discute. Ou a agricultura é vilã ou é a salvadora da pátria. Discussões de pequena profundidade e destinada aos horários de menor audiência dos meios de comunicação. Damos importância a outras coisas.
Há um temeroso divórcio entre a população urbana e a prática agrícola, como se uma não influenciasse a outra. Não discutimos a sério a questão do uso excessivo ou inadequado de agrotóxicos, por exemplo, e suas causas. Nunca questionamos a pressão exercida pelas exigências do mercado urbano sobre as decisões tomadas pelos agricultores. Alguém está se perguntando o quanto de agrotóxicos é necessário para se conseguir a fruta ou hortaliça esteticamente perfeita que procuramos nas prateleiras de supermercados? Questionamos, às vezes, se é economicamente sustentável depender economicamente da exportação de commodities agrícolas para a China, mas deixamos de nos perguntar a sustentabilidade de longo prazo de comprar fertilizantes do Marrocos, ou do Canadá, ou da Rússia e exportar, sem contabilizar adequadamente, esses nutrientes naquela mesma soja. Quando veremos esses nutrientes novamente?
Falamos muito da escassez de água no semi-árido nordestino, ao mesmo tempo que achamos bacana que o Vale do São Francisco exporte frutas para a Europa, sem nos questionarmos da razoabilidade de que a cada 1000 quilogramas de uva exportados, pelo menos 850 quilogramas são água. Faz sentido uma região semi-árida exportar água? O dinheiro recebido dessas importações está sendo utilizado para mitigar o problema da escassez? Por quanto tempo continuaremos a ser uma potência agrícola se não discutimos agricultura, se não conhecemos agricultura?
Discussão - 1 comentário
Excelente comentario Sr. Ītalo.
Parabéns pela iniciativa, voce escreveu o pensamento de muitos "BRASILEIROS" . Precisa-se de pessoas com esse olhar no legislativo brasileiro.