Extensão rural: o elo que falta entre ambientalistas e produtores rurais

Alguém me perguntou recentemente quais seriam os principais problemas atuais da agricultura brasileira. São muitos problemas para se adotar este ou aquele mais premente. Mas como já disse e insisto em dizer, gosto de pensar por mim mesmo, sem dar muita atenção ao que os formadores de opinião-manipuladores de mente desejariam que eu, juntamente com a massa, pensasse.

O problema principal da agricultura no Brasil é a escandalosa e escandalosamente ignorada inexistência de uma política e um órgão nacional de assistência técnica e extensão rural. O visionário “estadista” Fernando Collor de Mello, com todos os Ls que a elitóide aprecia, teve a genial idéia de extinguir, durante seu grotesco mandato, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, Embrater, transferindo para os Estados a responsabilidade pela manutenção das atividades de extensão.

Para se começar a ter uma idéia de a quantas anda o setor no país, tenho a informação de que os abnegados agrônomos da Emater em Minas Gerais, por exemplo, ganham mensalmente um salário em torno de R$ 1.200,00. Minas Gerais, que é dos estados mais ricos da federação. Seiscentos dólares mensais para um profissional de nível superior, para atender enormes áreas, uma gama ampla de culturas, para resolver problemas que vão do projeto de irrigação ao preparo de compotas. Muitas vezes sem o mínimo necessário, como o salário para abastecer o carro da empresa. Como exercício de imaginação, sugiro ao leitor tentar adivinhar quanto ganhará um extensionista no estado que Sua Excelência o ex-presidente Collor de Mello representa  no Senado da República. Nem sei se há um órgão de extensão rural em Alagoas.

E o que faz um extensionista? Idealmente, orienta os produtores quanto às técnicas e tecnologias mais apropriadas às práticas agropecuárias locais, tendo em vista a situação do produtor, a região etc. Deveria ser o intermediário entre o setor de pesquisa e os produtores rurais. Os ambientalistóides urbanos deveriam se preocupar mais com a ausência de assistência técnica eficiente no país, porque enquanto ela não existir, não há em minha opinião muita esperança de que a maioria dos agricultores adotem práticas produtivas menos nocivas ao ambiente e ao homem. Estas práticas devem ser ensinadas, mas onde estão os professores?

Imagine o leitor que alguem se lhe dirija agressivamente, um dia, reclamando que está fazendo tudo o que sempre fez de forma incorreta, mas se negue a lhe ensinar o certo. É exatamente isto o que se tem feito com o “malévolo” agricultor brasileiro. Há algum movimento ambientalista exigindo a recriação de uma empresa de assistência técnica rural de qualidade, com orçamento decente para que possa atrair técnicos qualificados para seu quadro? Creio que não.

O vazio da extensão rural é parcialmente ocupado por consultores privados, caros e limitados, e pelos técnicos de empresas de insumos agrícolas, compreensivelmente mais interessados em vender seus produtos e cumprir metas do que em educar os agricultores. Algumas ONGs, mas não todas, sofrendo da Síndrome do Colonizador Amargurado, estão mais interessadas, de forma politicamente correta, em valorizar os “saberes tradicionais”, uma forma moderna e eminentemente urbana de se reviver o mito romântico do bom selvagem, do que resolver o problema de se alimentar sete bilhões de ávidas bocas e mais ávidos corpos.

Uma velha parente minha, ao saber que eu estudava Agronomia, perguntou-me sarcasticamente se era necessário estudar por cinco anos para se saber plantar. Algum dos poucos que me leem poderá imaginar um profissional, no mundo de hoje, que possa prescindir de um preparo relativamente longo para exercer sua atividade de forma eficiente e correta? Os produtores rurais em geral serão preparados para exercer profissionalmente suas atividades? Serão educados para isto? Ao consciente ecologista de apartamento isto não parece importar. O que se deseja é que se produza comida barata e sem sem estragar o ambiente. Se o agricultor não faz isso, é porque é uma encarnação do mal. Educação, assistência técnica para este? Não, para o agricultor – cadeia e a antipatia eterna do ambientalista motorizado (em geral, com a barriga bem cheia, presumivelmente com comida, cara, produzida em comunidades tradicionais usando técnicas orgânicas, que não agride o ambiente nem chega à mesa dos pobres).

A extensão rural, que poderia sanar esta falha educacional, ainda que parcialmente, não existe, não é recompensada, não é mesmo reconhecida como ausente. Seu papel na resolução de boa parte dos problemas técnicos e ambientais da produção agropecuária brasileira deveria ser óbvio. Esta situação não deveria perdurar.

Referências sobre Agricultura Urbana

Caros,
Sigo a sugestão da nossa leitora Sibele e publico algumas referências sobre Agricultura Urbana aqui. Abraços fraternos a todos!
Literatura sugerida
ALTIERI, A.A.; COMPANIONI, N.; CANIZARES, K.; MURPHY, C.; ROSSET, P.; BOURQUE, M.; NICHOLS, C.I. 1999. The greening of the “barrios”: urban agriculture for food security in Cuba. Agriculture and Human Values, 16: 131-141.
FAO, 1999. Issues in Urban Agriculture. Disponível em: http://www.fao.org/ag/magazine/9901sp2.htm
GOCKOWSKI, J.; MBAZO’O, J.; MBAH, G.; MOULENDE, T.F. 2003. African traditional leafy vegetables and the urban and peri-urban poor. Food Policy, 28: 221-235.
LADO, C. 1990. Informal Urban Agriculture in Nairobi, Kenya. Land Use Policy, 7: 257-266.
MAXWELL, D.G. 1995. Alternative food security strategy: a household analysis of urban agriculture in Kampala. World Development, 23: 1669-1681.
MAY, J.; ROGERSON, C.M. 1995. Poverty and sustainability cities in South Africa: the role of urban cultivation. Habitat International, 19: 165-181.
GOVERNO DE MINAS GERAIS. s.d. Programa Minas sem Fome. Disponível em: www.fomezero.gov.br/dowload/folder_alta.pdf
SEMAB. s.d. Políticas públicas e suas intervenções a nível municipal em agricultura urbana na cidade de Teresina – PI, Brasil. Disponível em: www.ipes.arcoinfo.org
CASTELO BRANCO, M.; ALCÂNTARA, F.A.; MELO, P.E. (eds.) Hortas Comunitárias vol. I – O Projeto Horta Urbana de Santo Antônio do Descoberto. Brasília: Embrapa Hortaliças. 160p. 2007.
CASTELO BRANCO, M.; ALCÂNTARA, F.A. (eds.) Hortas Comunitárias vol. II – Os Projetos Horta Urbana de Teresina e Hortas Peri-urbanas de Novo Gama e Abadia de Goiás. Brasília: Embrapa Hortaliças. 122p. 2008.

Agricultura Urbana – Parte I

Hoje vou escrever sobre Agricultura Urbana para dar um rápido histórico, mas com a intenção de falar mais sobre o assunto em futuros textos aqui no Geófagos. Vocês já ouviram alguma coisa sobre este tipo de agricultura? Quem respondeu sim, por favor deixe comentários… Eu gostaria muito de saber o alcance que o assunto já tem (agradeço de antemão!).
Adianto que alguns podem confundi-la com a produção de hortaliças, frutas, ervas aromáticas e medicinais nos quintais das casas, como nossas avós faziam no passado (ainda fazem, principalmente no interior) e como alguns fazem hoje nas varandas de seus apartamentos. Inclusive, há hoje uma grande curiosidade por parte da população de grandes centros sobre como produzir alimentos em pequenos espaços dentro das casas ou apartamentos. No entanto, isto se refere a uma camada da população com maior escolaridade e boa qualidade de vida (leia-se: boas condições de saúde, educação etc.), enquanto a Agricultura Urbana carrega em si um caráter sócio-econômico muito forte e está associada à precariedade do atendimento de uma necessidade básica (leia-se: acesso ao alimento).
Muitos já a definiram usando critérios como o destino que se dá aos produtos ou o sistema de produção adotado. No entanto, de maneira bem simples, podemos defini-la como a produção agrícola dentro da cidades. Há, ainda, a agricultura peri-urbana, praticada no entorno das cidades, mas não vou fazer diferença entre as duas porque essa diferença (espacial) não quer dizer muito no que diz respeito às vantagens e desvantagens desse tipo de produção. Assim, considero aqui tanto a produção dentro das cidades quanto em sua periferia como urbanas.
Em vários países do chamado mundo em desenvolvimento, a Agricultura Urbana é hoje uma realidade. Pode-se dizer que esta atividade apareceu sempre em momentos de crise (causados por guerras civis ou problemas econômicos), quando a população carente ou pessoas que se viam desempregadas começaram a produzir alimentos não só em seus quintais, mas também em áreas abandonadas da cidade ou cedidas por particulares ou entidades públicas. Com ou sem regulamentação governamental, esta atividade cresceu em países africanos como Uganda, Nigéria e Zimbabwe nas últimas décadas do século passado e, apesar de problemas técnicos, econômicos e ambientais, tornou-se uma importante alternativa de acesso ao alimento para as famílias envolvidas. Também na Ásia e na América Latina, iniciativas foram surgindo de acordo com necessidades específicas. Cuba é um país onde a Agricultura Urbana ganhou contornos muito peculiares. Lá, por motivos econômicos, passou a ser mais viável produzir alimentos (hortaliças, principalmente) no perímetro urbano das cidades do que a longas distâncias. Daí surgiram projetos de agricultura urbana comunitária, com apoio governamental e resultados compartilhados pelos produtores (abro literalmente parênteses para dizer que o caso cubano é bastante complexo e muito rico em informações importantíssimas, mas é um caso ímpar por várias razões sócio-políticas e, por isso mesmo, é difícil compará-lo com outras realidades).
No Brasil, os primeiros relatos sobre Agricultura Urbana, como meio de acesso ao alimento, vêm da década de 1990. Uma das iniciativas mais conhecidas é a de Teresina (PI), mas outras em Fortaleza (CE), Rio de Janeiro (RJ) e Sete Lagoas (MG) também são desta época. Em Goiás e no Distrito Federal as iniciativas são um pouco mais recentes e acredito que elas existam também em outros estados. De toda forma, um aspecto comum a todas elas é seu caráter comunitário. Atualmente, existem várias ações incentivadas por políticas públicas e, em sua maioria, subsidiadas por recursos dos governos municipais, estaduais ou nacional. Áreas públicas ou privadas são cedidas para as famílias interessadas ou selecionadas, assim como insumos para a produção (sementes, adubos etc.). Em alguns casos há assistência técnica, em outros não. A grande maioria das famílias envolvidas possui rendimentos mensais que as colocam abaixo da linha da pobreza ou da linha da miséria. As hortaliças são preferidas para o cultivo porque apresentam ciclo rápido e demandam pouca área. Os produtos são utilizados como complemento da alimentação e o excedente é comercializado na própria cidade (a comercialização é feita das formas mais variadas). Muitas pessoas se integram à atividade porque não têm emprego formal e a abandonam quando encontram um – às vezes não um emprego formal, mas um “bico” que garanta uma fonte de renda temporária.
É uma atividade que deve ser avaliada com cautela e que (me parece óbvio) não deve ser encarada como uma solução com S maiúsculo para falta de acesso ao alimento e muito menos para a pobreza – falaremos disso na Parte II. Há muitas dificuldades para a implementação e para a manutenção dos projetos e, além disso, custos sociais e ambientais envolvidos. Em termos científicos (estudos sociológicos, econômicos e agronômicos/ambientais), a Agricultura Urbana é algo recente, pouco relatado e estudado.
Nota: Quem tiver interesse em saber mais sobre o histórico da Agricultura Urbana é só dizer e eu envio, com todo prazer, literatura específica.

Alimentos que brotam das gôndolas dos supermercados

Às vezes fico pensando que algumas pessoas não se lembram de onde vêm os alimentos. Uma dessas vezes aconteceu ontem quando li o texto comentado pelo Ítalo no post abaixo. Concordo em gênero, número e grau com o Ítalo e talvez nem precisasse escrever este post, pois ele já disse boa parte das coisas que eu diria. Mas faço questão.
São dois pontos. Primeiro, sobre a produção dos alimentos que consumimos e que nos mantêm vivos. A impressão que tenho é que algumas pessoas que viveram a vida inteira (ou quase) em grandes centros e que não têm nenhum contato (mesmo que indireto) com o campo, acreditam que os alimentos brotam nas gôndolas dos supermercados. É muito legal chegar no seu apartamento no fim de um dia cansativo de trabalho, abrir a geladeira e encontrar lá dentro as coisinhas que você trouxe do super ou do hipermercado, de preferência já picadinhas e embaladinhas numa bandejinha de isopor. É, porque alguns alimentos, para essas pessoas, também já brotam das gôndolas nessa forma tão prática: embalados! Você chega em casa e está tudo lá a seu dispor e você pode testar aquela maravilhosa receita que aprendeu no programa de culinária da TV a cabo.
Sem ironia, realmente acredito que algumas pessoas não se lembram (ou simplesmente não pensam a respeito) que os alimentos são produzidos na terra. Sim, na terra sujinha, na poeira! Produzidos por produtores e trabalhadores que aram a terra, semeiam, cuidam, irrigam, colhem e… em alguns casos, embalam. Na minha opinião não precisamos de mais área para cultivo de alimento ou de biocombustíveis. Precisamos sim recuperar áreas já degradadas pelo cultivo intensivo e ou prolongado e manejar de forma sustentável as áreas já incorporadas ao cultivo agrícola. Isto é sustentabilidade.
O trabalho da pesquisa agrícola é voltado para a produtividade (e não para a expansão de área agrícola) e para a sustentabilidade da produção, ou seja, para que se possa produzir hoje e no futuro – para que as pessoas possam continuar tendo alimento em suas geladeiras. Isto me remete ao segundo ponto, sobre o trabalho da Embrapa. Mas sobre este o Ítalo já discorreu com primazia. Aqui só quero dizer que a equação alimentos na mesa x conservação ambiental no nosso país é resolvida com a colaboração dos pesquisadores que dia a dia trabalham na Embrapa.

Agricultores maus, ambientalistas bonzinhos e cientistas loucos

Acredito que qualquer pessoa preocupada com a utilização prática do conhecimento científico e tecnológico saberá que a geração do conhecimento, em si, a produção de dados, nada tem de bom ou ruim. O conhecimento gerado a partir do estudo da estrutura dos átomos pode levar tanto à bomba atômica quanto à raditerapia para tratamento de câncer. Posso estar errado, mas creio que o mal uso do conhecimento científico se deve mais à ação de políticos do que à vontade de cientistas, o que não quer dizer que não haja cientistas ideologica e politicamente engajados.
O assunto em voga hoje nos meios preocupados com a questão ambiental brasileira é uma audiência pública convocada pela presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Katia Abreu (DEM-TO). A audiência faz parte de uma discussão acalorada entre ruralistas e ambientalistas sobre a ocupação de terras pela agricultura em detrimento de áreas de preservação ou conservação natural de variada natureza. O encontro contará com a participação do pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite, Evaristo Eduardo de Miranda, que apresentará resultados de um estudo concluindo que, após descontadas as áreas de conservação e reservas indígenas, sobrariam 29% da área agricultável não utilizada no Brasil. Nas entrelinhas está a mensagem de que os ruralistas utilizariam esta informação para tentar abrandar a legislação ambiental brasileira visando mais terras para a agricultura.
Ora, como afirma um outro pesquisador da Embrapa, estes 29% correspondem a 240 milhões de hectares, o que é muita terra. Como já discutimos aqui no Geófagos, dizer que o aumento de áreas naturais protegidas comprometem a produção de alimentos de um país é um argumento falacioso. Existe uma diferença entre produção e produtividade agrícola. A primeira é o total produzido e contabilizado, por exemplo, o Brasil produz x toneladas de soja. Produtividade é a capacidade de produção de determinada área, geralmente um hectare, que corresponde a dez mil metros quadrados. O aumento da produção agrícola de um país pode depender ou do aumento da área plantada ou da elevação da produtividade pela adoção de melhores tecnologias agrícolas. Assim, o aumento na produtividade não está diretamente associado ao aumento na área sob agricultura. Nem o aumento da área plantada siginifica que a produção agrícola total será aumentada. Aumento de produtividade é aumento de eficiência. A abertura de novas áreas agrícolas é simplesmente uma solução mais fácil de se aumentar a produção sem que obrigatoriamente se implemente ou se adote mais tecnologia.
A Embrapa, conceitualmente, existe para gerar conhecimento científico e tecnológico para aumentar a produtividade no campo. Obviamente, haverá grandes produtores que utilizarão tecnologia gerada pela empresa. Mas vejo agora que existe uma tendência de demonização da empresa pelos meios eco-idiotas e eco-fundamentalistas. Um exemplo didático é esse texto, constrangedor de tão tendencioso, do novo blog Laboratório, da Folha de São Paulo. De forma insidiosa, em minha opinião, o autor do texto transfere a suposta maldade dos ruralistas para a Embrapa, que fica parecendo ser o braço letrado dos fazendeiros maus. Não houve competência sequer para checar fatos, como quando afirma que a Embrapa não se propõe a recuperar áreas degradadas, ignorando trabalhos importantes na área feitos em unidades como a Embrapa Agrobiologia, Embrapa Meio Ambiente, Embrapa Cerrados, entre outras (afinal de contas, a ausência da checagem de informações e de imparcialidade não é uma crítica dos jornalistas de ciência aos blogueiros de ciência? Ah, não é uma crítica, é o que alguns deles fazem quando escrevem blogs). Mas é óbvio que é mais interessante atacar a Embrapa, que junta em si as nefastas figuras do cientista e do agricultor, do que cumprir a desagradável tarefa de pesquisar e de ouvir o lado oposto. Não é coisa que a imprensa brasileira anda fazendo muito.
Ao mesmo tempo, ao equacionar a Embrapa e o interesse dos agronegociantes, o jornalista arquetípico convenientemente ignora o trabalho feito, por exemplo, na própria Embrapa Hortaliças (aos ambientalistas do asfalto informo que a esmagadora maioria dos horticultores brasileiros é composta de pequenos agricultores), na Embrapa Semi-Árido e muitas outras. Mas isso não importa aos jovens ambientalistas urbanos hipócritas e aos mocinhos manipuladores de informação do Greenpeace. O que importa é combater o mal.

“Consumidores de luxo” de potássio

Por Flávia Alcântara
O último texto do Juscimar me lembrou uma questão que tenho vivido na prática, desde que comecei a trabalhar como pesquisadora e passei a me envolver efetivamente com fertilidade do solo. Digo “efetivamente” porque uma coisa é a academia e outra é a realidade do campo e da pesquisa. Acho muito bom que tenhamos uma nova reserva de potássio em nosso território e concordo plenamente com o fato de que só há vantagens em acabar a cartelização do KCl (ou de qualquer coisa!). Obviamente tenho minhas preocupações ambientais e sociais no que diz respeito à extração nessas reservas, mas isto é outro ponto.
O assunto sobre o qual quero tratar aqui perpassa o fato de termos uma nova reserva e, ao mesmo tempo, pode ser modificado por esse fato – se para pior vai depender de quem trabalha na área. Essa assunto é a utilização excessiva de potássio que, me parece, ocorre hoje na agricultura brasileira. Grande parte do potássio extraído das reservas mundiais é utilizada para a obtenção dos formulados comerciais (fertilizantes com proporções definidas de nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K) – os famosos NPK). Outra parte é utilizada como fertilizante simples, o próprio KCl, principalmente nas adubações de cobertura (adubações realizadas durante o ciclo das plantas para complementar a adubação de plantio, em que se fornece N, K e, em alguns casos, micronutrientes). Bom, a utilização excessiva de K sobre a qual falo é causada pela utilização excessiva de formulados. Explico. Os formulados mais utilizados comercialmente são o NPK 4-14-8 e o NPK 4-30-16. Estas fórmulas significam o seguinte, tomando como exemplo a primeira: em 100 quilos do produto estão presente 4 quilos de N, 14 quilos de P-P2O5 e 8 quilos de K-K2O. Portanto, fornecem os três nutrientes, ao mesmo tempo, em proporções diferentes.
O que acontece nos solos brasileiros é que a necessidade de adubação fosfatada é muito maior do que a necessidade de adubação potássica, mesmo que esses dois elementos estejam presentes em teores proporcionalmente baixos no solo. Isto ocorre devido à alta capacidade de fixação do P dos nossos solos altamente intemperizados, nos quais, a grosso modo, as plantas só absorvem o P após ter sido praticamente saturada toda a capacidade de fixação desse elemento no solo – é como se elas ficassem com a raspa do taxo. Assim, são necessárias, em geral, altas doses de P (aplicado na forma de P2O5) para que se obtenha teores adequados ao crescimento e desenvolvimento das culturas (para sobrar uma raspa generosa!). Caso a dose recomendada de P-P2O5 seja alta, é extremamente difícil, com a utilização de um desses formulados, que se consiga suprir essa necessidade sem ultrapassar as doses recomendadas de N e K, mesmo que estas sejam também altas – numericamente nunca serão tão altas quanto a de fósforo, basta olhar os boletins de recomendação. Na prática o que ocorre é a utilização de formulados (ex.: 3 ou 4 ton./ha) sem levar em consideração a análise química do solo, que muitas vezes nem é realizada.
A utilização dessas doses de formulados é uma decisão tomada por produtores e ou engenheiros agrônomos com base em vários critérios que não discutirei aqui, mas que vão desde a facilidade de aplicação (para se utilizar fertilizantes simples, ou seja, um que forneça N, outro que forneça P e outro que forneça K, é preciso fazer mistura, o que requer mais tempo e mão-de-obra) até a sugestão do vendedor ou do vizinho ou agrônomo da fazenda ao lado. A facilidade de aplicação é compreensível, mas a displicência não. O que comecei a notar no meu trabalho como responsável por um laboratório de fertilidade do solo e pelas minhas andanças por aí é que, apesar de os teores de P no solo continuarem baixos ou médios, os teores de K estão quase sempre altos ou muito altos. É a utilização dos formulados. Quero deixar claro que não sou contra os formulados, mas saliento que, na maioria dos casos, eles devem ser utilizados juntamente com fertilizantes simples. Podemos suprir todo ou quase todo o N e o K numa adubação de plantio com um formulado e complementar a dose de P requerida com um fertilizante simples fosfatado. Isto é pura matemática. É bom senso.
E qual é o problema do excesso de K nos solos? Como disse o Juscimar não se conhece sintomatologia de excesso de K, mas como cátion que é, o K em excesso poderá causar desequilíbrios em relação ao Ca e ao Mg (também cátions) por ser absorvido preferencialmente pelas plantas. Já vi casos de deficiência de Ca no meio do ciclo (em tomateiro) por causa do excesso de K e ouvi vários relatos similares. Nesses casos, ocorre o “consumo de luxo” de K – a planta o absorve mas não o utiliza. Além, disso, e aí entram as reservas de potássio do Brasil (e do mundo), estamos desperdiçando potássio! Mesmo com uma nova reserva no Brasil, mesmo com dezenas de novas reservas que apareçam pelo mundo, estamos desperdiçando potássio! Esta não é uma era de desperdício e é preciso que todos entendam isso. Esta é uma era de sustentabilidade. Portanto, que comecemos a pensar sobre a necessidade de consumo interno de potássio. Qual é o real “tamanho” dessa necessidade? E que façamos bom uso da nossa nova reserva, com reserva.

Esse Brasilão Imenso: nota de rodapé (4)

Por Elton Luiz Valente
Neste momento estou em Jataí-GO. Durante a viajem fiquei tecendo umas conjecturas sobre o Brasil e resolvi postar esta “nota” aqui no Geófagos.
Quem quiser ver, in loco, uma amostra da grandeza do Brasil é só viajar pelo Estado de Goiás (entre outros). O gigantismo do desenvolvimento agropecuário no nosso Planalto Central tem pouco paralelo no mundo. O custo disso não pode ser negligenciado, é uma questão importantíssima. Aliás, já sinalizei minha opinião a esse respeito no texto anterior. Para abrir espaço ao desenvolvimento foi preciso, entre outras coisas, atacar o Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro. Mas não é disso que quero falar.
Quero dizer apenas que quem quiser vislumbrar a grandeza de que falo é só viajar, por exemplo, de Goiânia a Jataí (BR-060). Aí se entende porque o Brasil não quebra (financeiramente) apesar dos políticos e da massa acéfala de eleitores que temos!

Coisas acontecem

Acho que as coisas estão avançando. Ontem mesmo comecei a instalar meu primeiro ensaio de porte como pesquisador da Embrapa. Até agora tinha apenas sido observado por meus pares veteranos, cumprido algumas tarefas burocráticas do período probatório, escrito um projeto. Inicialmente vou trabalhar com nutrição do morangueiro (Fragaria x ananassa) cultivado sobre solo em casa de vegetação. O assunto é relevante porque a área cultivada está crescendo no Brasil e há poucos dados experimentais para as condições brasileiras. É muito bom sentir-se útil e poder aplicar com segurança o que foi aprendido em árduos anos de estudo. Havia uma dúvida inicial sobre se eu deveria trabalhar com pimentões ou morangos: há muita demanda de pesquisa para ambas as culturas, principalmente nas condições do Distrito Federal. Não nego que minha preferência estava com os morangos. Aliás, as plantas na minha foto da barra lateral esquerda são morangueiros, cultivados em casa de vegetação e fertirrigados. A casa de vegetação em questão pertence a um produtor da região de Braslândia-DF. Enfim, aproveitei o fim de semana para fazer um pequeno relato pessoal, não fugi de todo ao foco do blog e, por ser fim de semana, a audiência é um tanto baixa. Mais adiante pretendo abordar mais tecnicamente problemas de nutrição de plantas em cultivo protegido.

A velha questão das Áreas de Preservação Permanente de novo – O caso da nova legislação Catarinense

Por Carlos Pacheco
Ontem, em matéria apresentada pelo Jornal Nacional, a velha discussão sobre as Áreas de Preservação Permentes (APP´s) voltou à tona. Dessa vez, o objeto de discórdia é o novo código ambiental catarinense. A matéria completa pode ser vista aqui. Eu não poderia deixar de dar os meus “pitacos” no assunto, é claro.
Em primeiro lugar esse fato leva-me a uma preocupante constatação. O despreparo dos administradores brasileiros vai além do que eu poderia imaginar. É princípio básico da legislação vingente no país que aquelas municipais não podem ser menos restritivas que as estaduais e que, por sua vez, não podem ser menos restritivas que as federais. Portanto, gastar-se dois anos para criar um código ambiental que fere nitidamente os princípios da legislação ambiental federal é um erro gravíssimo. Pior que isso, é um desperdício de dinheiro público. Mas, enfim, o objetivo desse blog não é discutir política e sim aspectos técno-científicos, então vamos a eles.
Não é segredo para os que acompanham o Geófagos há algum tempo que sou defensor da reforma da legislação referente às áreas de preservação permanente. Meu principal argumento sempre foi o fato de que sem um equilíbrio sócio-ambiental não se consegue um efetivo resultado na preservação e/ou conservação ambiental. Um exemplo claro disso é a retirada das “zonas” produtivas (muitas vezes, em regiões muito acidentadas, são justamente parte das APP´s de matas ciliares) de pequenos agricultores obrigando-os a migrar para centros urbanos como forma de sobrevivência, mesmo que abaixo da linha de pobreza.
Esse fato, ao invés de resolver problemas relacionados à erosão e assoreamento de corpos d’água, muitas vezes cria diversos outros de maior grau impactante graças ao problema social criado. O bom senso deveria aqui reinar, deveria-se pensar também na dignidade do ser humano. Mas isso, não deve, em hipótese alguma, ser feito de forma aleatória. É preciso a existência de critérios para definição da área protegida. Critérios esses ambientais, claro, mas também sociais. Ambientalistas e produtores devem ceder um pouco para que se atinja o bem comum. Além disso, cada caso é um caso. Cada um exige diferentes ponderações e consequentemente diferentes resultados e conclusões. Não é simplesmente reduzir a área protegida. É isso, que ao meu ver, tem sido feito em Santa Catarina. Definitivamente não é por aí. Onde estão os laudos que mostram a melhor relação “custo-benefício” do modelo proposto? Gostaria de estar errado, mas provavelmente eles não existem. Nesse caso, sem tais estudos prévios, o ambiente corre sim um sério risco.
Gostaria de, finalizando esse post, enfatizar a necessidade de compatibilização de ações ambientais com ações sociais. Exemplos não faltam. As técnicas agroecológicas estão aí mostrando ao mundo que é possível melhorar a vida de pequenos produtores rurais mantendo uma boa qualidade ambiental. Fica também a mensagem de que assuntos ambientais são primordialmente técnicos e não políticos. Decisões a respeito dos mesmos devem ser baseados em estudos prévios e não em imposições legais, muitas vezes feitas por pessoas sem experiência no assunto. Flexibilizar a legislação é necessário, mas criteriosamente. Fica então o desafio aos “ambientólogos” de plantão, como compatibilizar o social com o ambiental?

Nova reserva de potássio pode deixar o Brasil auto-suficiente

O Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, anunciou na última semana que o Brasil possui atualmente a terceira maior reserva de potássio do mundo, ficando atrás apenas da Rússia e do Canadá. Esta nova reserva está localizada no norte do país, estendendo-se até o Pará, ao longo do Rio Amazonas. Há ainda indícios da existência de outras duas próximas a uma área já explorada pela Vale do Rio Doce para obtenção do insumo. A expectativa do governo é que a exploração destas últimas eleve a produção dos 9% para 25% da necessidade de consumo interno. Em 2008, os produtores importaram 91% do cloreto de potássio consumido, gastando US$ 5 bilhões. (matéria publicada na Gazeta Mercantil, versão on-line).
Em primeira instância essa notícia figura-se como ótimo presente de Páscoa, haja vista a preocupação dos produtores e fornecedores quanto à manutenção do suprimento desse insumo. Embora o potássio esteja entre os dez elementos mais abundantes na crosta terrestre, suas reservas no mundo são pontuais e acredita-se que as jazidas existentes não sejam suficientes para atender a sua demanda mundial. Obviamente, existem outras fontes alternativas para extração desse fertilizante, porém essas fontes apresentam limitações que inviabilizam sua comercialização, tais como concentração mínima e solubilidade. Abrindo um parêntese, a legislação brasileira prevê que para comercialização de um produto como fonte de potássio, ele deve ter em torno de 60 % de K2O solúvel em água. Em geral as fontes alternativas possuem menos de 20 % (teores totais) de K2O “seqüestrados” em estruturas minerais bem mais estáveis, como os feldspatos. Assim, o primeiro desafio seria deixar esse potássio mais solúvel e depois concentrá-lo.
Apenas para recordar, o potássio é um nutriente essencial para as plantas, o que significa que na sua ausência ou fornecimento inadequado a produção é comprometida. Sua função nas plantas é de regulador osmótico necessário à atividade enzimática e à síntese protéica, sendo um nutriente móvel. Não se conhece sintomatologia para o seu excesso. A carência de potássio provoca um crescimento vegetal muito reduzido, clorose matizada da folha, manchas necróticas, folhas recurvadas e enroladas sobre a face superior e encurtamento de entrenós. Inicialmente, os sintomas acentuam-se nas zonas mais velhas das plantas.
Encarando essa notícia com certo ceticismo, a minha dúvida é qual será o real impacto dessa descoberta para os nossos produtores. Ela implicará somente na queda da importação do KCl, o que já seria muito bom porque estaríamos livres da cartelização desse produto ou os agricultores poderão sonhar com redução ou até mesmo congelamento do preço desse insumo? Particularmente, eu não apostaria na ultima opção, veja, por exemplo, os preços que pagamos por nossos combustíveis (e.g. gasolina). Somos praticamente auto-suficientes, mas o preço que pagamos é um dos mais elevados do mercado mundial.
De qualquer maneira, é bom saber que em breve poderemos nos tornar auto-suficientes também na produção desse fertilizante, o mais importado, percentualmente, pelos produtores brasileiros. Com isso ficaremos livres da cartelização do KCl que deixa o Brasil bastante vulnerável às flutuações de preço, acarretando em custos muito altos de produção.

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