A probabilidade da ressurreição de Cristo (com formulaz!!1!)

A um certo tempo atrás eu assisti o debate entre Bart Ehrman e Willian Lane Craig sobre a historicidade da ressurreição de Cristo, com o primeiro argumentando contra e o segundo obviamente argumentando a favor. Esse é um assunto de grande importância para Craig, visto que a historicidade da ressurreição é o único dos argumentos utilizados por Craig que defende a existência de um Deus cristão. Todos os outros  são apenas argumentos genéricos sobre a existência de algo com características presumidamente divinas.

De qualquer forma, um dos focos do debate (que é longo, porém recomendo) é sobre a colocação de Ehrman que, visto que a ressurreição de Cristo é um milagre e que milagres são eventos altamente improváveis, um historiador nunca poderia afirmar sobre a historicidade de um evento de ressurreição, uma vez que a única coisa que historiadores podem fazer é apontar qual narrativa histórica é mais plausível. Para refutar essa colocação, Craig introduz um argumento baseado no Teorema de Bayes para o cálculo de probabilidades colocando que, apesar de uma hipótese ser altamente improvável (no caso, um milagre), sua probabilidade final leva em conta outros fatores. Esses outros fatores, quando equacionados corretamente, levariam a conclusão que a ressurreição de Cristo é uma hipótese provável.

Visto que gosto de probabilidade e que apologetas tem um péssimo histórico de distorção de teorias científicas e filosóficas, abaixo exponho uma breve explicação do argumento de Craig e minha objeção  este argumento. Adicionalmente, ele é o cristão que todo ateu adora odiar, e eu não tenho nenhuma pretensão de ser original. Abaixo reproduzo da forma mais generosa que consigo o argumento de Craig e a seguir explico os motivos dele estar errado. Aviso: Formulas! Prossiga com cuidado.

O argumento Bayesiano para a ressurreição de Cristo

Segundo o Teorema de Bayes, a probabilidade de uma hipótese precisa ser avaliada em relação ao oque é chamado “conhecimento de fundo”. Conhecimento de fundo é todo e qualquer conhecimento prévio que pode influenciar a estimativa da probabilidade de uma hipótese. Por exemplo, o recente registro de partículas mais velozes que a luz pode ser totalmente plausível se tomada por si só. Porém se levarmos em conta a teoria da relatividade de Einstein, que coloca que velocidades superiores seriam impossíveis, isso influencia a avaliação da probabilidade daquele registro. Assim, podemos considerar justificado o esforço dos pesquisadores em achar um eventual erro que levou aos registros, como de fato foi o caso. Dentro da teoria probabil’stica bayesiana, a probabilidade de acordo com o conhecimento de fundo de uma hipótese é

sendo R a hipótese da Ressurreição de Cristo e E as evidências disponíveis e Pr a probabilidade estimada levando em conta o conhecimento de fundo. Nesse caso Pr(R) é a probabilidade intrínseca da ressurreição (ou seja, a probabilidade de alguém ressuscitar), Pr(E) é a probabilidade intrínseca da existência das evidências (em outras palavras, a probabilidade de alguém afirmar positivamente que uma ressurreição ocorreu, seja a afirmação verdadeira ou falsa) e Pr(E:R) é a probabilidade de que alguém diria que uma ressurreição ocorreu, dado que essa ressurreição de fato é verdadeira. Craig usa a versão extendida da formula aplicável a casos onde existe uma dicotomia entre a hipótese e sua negação (no caso, ou Jesus ressuscitou ou ele não ressuscitou), onde Pr(E) é avaliado no contexto da hipótese da ressurreição de Cristo e na hipótese de que a ressurreição de Cristo não ocorreu:

O ponto de Craig é que Ehrman está errado em argumentar que a probabilidade da ressurreição é baixa (logo impossível de ser elegida como uma hipótese histórica válida), visto que ele está avaliando apenas a probabilidade intrínseca de alguém ressuscitar Pr(R), deixando de fora outros fatores, especificamente Pr(E:¬R). Segundo Craig, se tal probabilidade (que é a probabilidade de alguém afirmar positivamente que uma ressurreição ocorreu quando nenhuma ressurreição ocorreu) é demasiadamente baixa, a probabilidade da ressurreição será elevada. Para ilustrar isso Craig evidencia corretamente que a probabilidade Pr(R:E) pode assumir a seguinte forma:


com X=Pr(E:R)*Pr(R) e Y=Pr(E:¬R)*Pr(¬R). Se Y for pequeno o suficiente, a razão se aproximaria de X/X que é sempre 1, que significaria certeza total em R. Como Pr(E:¬R) compõem Y, então um Pr(E:¬R) baixo implicaria na aceitação da ressurreição de Cristo como uma hipótese histórica. Sendo assim, cabe ao cético demonstrar que existe uma hipótese naturalista que explique com sucesso as evidências de forma a tornar Y alto o suficiente para rejeitar R, e não apenas simplesmente apontar que a probabilidade (intrínseca) da ressurreição é baixa, como Ehrman fez.

Probabilidade pequena? E daí?

Então… onde exatamente Craig está errado? As possibilidades são diversas, mas a mais grave decorre de uma interpretação distorcida do que é uma probabilidade baixa. Para entender, vamos reiterar o argumento de Craig.

Para Craig, se o poder explicativo de uma hipótese naturalística é baixa (ou, se Pr(E:¬R) é baixa), isso implicaria que a probabilidade da hipótese de ressurreição, quando avaliada à luz das evidências (Pr(R:E)), é de quase 100% certa, não importando o quão baixa é a probabilidade da ressureição em si. Se isso parece estranho, é porque de fato é. Para ilustrar isso, basta desenhar a função Pr(R:E) para diversos valores de X (que inclui o poder explicativo da hipótese da ressurreição):

Fica, então, bastante evidente que o valor de X importa, e quanto menor for seu valor, menor terá que ser Y para que aceitemos a ressurreição de Cristo como uma hipótese provável. Em outras palavras, não basta apenas demonstrar que as hipóteses naturalísticas são ruins para explicar as “evidencias”, mas sim que a hipótese supernatural é muito superior em poder explicativo e em probabilidade intrínseca, tarefa que dificilmente pode ser atingida apontando que não existe consenso sobre uma hipótese natural para as evidências.

No fim, nada disso difere significativamente de dizer “você não consegue explicar, logo Deus fez”. Isso é Deus-das-lacunas, e igualmente falacioso. Nada além disso.

E acredito que esta seja uma avaliação bastante caridosa do argumento. Afinal, como naturalista, eu sequer acredito que a ressurreição é uma possibilidade lógica. Isso implica que, segundo o meu conhecimento de fundo, que é dado por biologia, física, medicina, etc, Pr(R)=0, o que implica que a probabilidade da ressurreição é sempre zero.

Craig de fato tenta abordar esta objeção, colocando que seus outros argumentos (Kalam, argumento Ontológico, etc) evidenciam a existência do supernatural e do divino e que, levando isto em conta como conhecimento de fundo, Pr(R) é diferente de zero, o que possibilita a ressurreição como uma hipótese válida. Entretanto, esses outros argumentos foram feitos de forma a serem consistentes com nosso conhecimento sobre a natureza. Inclusive, grande parte da fama de Craig vem do fato dele ter desenvolvido um argumento cosmológico que seria consistente com nosso conhecimento atual sobre cosmologia. Claro, esses argumentos são pura bobagem, mas mesmo se não fossem, eles não permitem a violação das leis naturais. Ou seja, Pr(R) ainda seria igual a zero. 
Um fato interessante desta argumentação é que, mesmo se fosse verdade, nós teríamos que primeiro aceitar a existência do supernatural e do divino, para depois considerar a ressurreição como plausível. Ou seja, o argumento apologético para a ressurreição de Cristo só funciona se você já aceita a existência de Deus. E é exatamente por esse motivo que argumentos apologéticos deste tipo não convencem um cético. 

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