Bebês são amorais (e porque publicar seus resultados)

Em 2007, Hamlin e colegas elaboraram um experimento para avaliar a moralidade inata de infantes. Especificamente, esses pesquisadores queriam investigar a capacidade de avaliação social, ou seja, a capacidade de discernir entre indivíduos considerados bons dos indivíduos considerados ruins, algo essencial para a construção de nossas normas morais e de nosso convívio em sociedade.

Este estudo foi desenhado de forma relativamente simples. Os bebês eram expostos a uma cena onde um personagem (a bola rosa com olhos) tentava escalar uma colina. Em um dos casos, o escalador era auxiliado por um ajudante (triângulo amarelo) a subir a colina e no outro caso o escalador era impedido de atingir o topo por um terceiro agente (um cubo cinza).

Caso onde o escalador era auxiliado na sua escalada

Caso onde o escalador era impedido de atingir o topo.

Após as cenas, era dada aos bebês a possibilidade de fazer uma escolha entre dois personagens. Em um dos casos, os bebês podiam escolher entre o ajudante e um personagem neutro, e em outro caso eles podiam escolher entre o personagem neutro e o impedidor. No primeiro caso, os bebês escolhiam preferivelmente o ajudante ao personagem neutro, e no segundo caso, eles preferiam o personagem neutro ao que atrapalha. Isso é impressionante porque mostra que o bebê não apenas prefere “ajudantes”, como também repudia “impedidores”. E tem mais: isso mostra que os bebês conseguiam reconhecer a narrativa apresentada, atribuindo personalidades aos personagens, identificando intenção e objetivo (como isso não é o ponto do artigo, suponho que isso já fosse conhecido, mas achei digno de nota). E tudo isso em bebês de 6 e 10 meses! Bastante impressionante de fato!

Porém Scarf e colaboradores, ao investigarem os vídeos do procedimento experimental de Hamlin e colegas, notaram uma coisa estranha: no caso em que o escalador é auxiliado, ao terminar o seu percurso, ele chacoalha (presumidamente para passar a ideia de satisfação), porém isso não acontece quando ele é impedido de subir. Esses pesquisadores suspeitaram que o que estava acontecendo ali não era uma avaliação social, mas sim uma simples associação: coisas que chacoalham são mais atraentes para bebês e chamam a atenção. Sendo assim, a escolha pelo ajudante seria uma função do chacoalhar do escalador ao fim do percurso, uma hipótese que me parece intuitivamente válida. Afinal, bebês não são criaturas particularmente brilhantes, e todo pai sabe que eles são atraídos por cores fortes, por sons e por movimentos.

Para testar tal hipótese, a equipe de Scarf replicou o experimento, porém agora adicionando o “chacoalhar” seja quando o escalador conseguia chegar ao topo, seja quando ele era impedido de chegar ao topo e retornava ao cume. Cada bebê observava mais de um evento, delimitando 3 tipos de tratamento:

  1. No primeiro grupo os bebês viam o evento “ajudado” com chacoalhar e o evento “impedido” sem chacoalhar (grupo “Top” da figura);
  2. No segundo, os bebês viam ambos os eventos com o chacoalhar, tanto quando o escalador era impedido de chegar ao topo, quanto quando ele atingia o topo (grupo “Both)”;
  3. No último grupo os bebês viam apenas o episódio “impedido” com um chacoalhar, e enquanto o não o “ajudado” não apresentava a chacoalhada (grupo “Bottom”).
A previsão dos pesquisadores é simples: se o chacoalhar é o que determina a escolha do bebê, então veríamos que no primeiro grupo, mais bebês escolheriam o ajudante e que no ultimo grupo, mais bebês escolheriam o impedidor, enquanto no segundo grupo, onde existe chacoalhada em ambos os casos, os bebês selecionariam os personagens aleatoriamente. E os resultados são perfeitamente consistentes com tais previsões:
Porcentagem de bebês que escolhem os personagens nos 3 grupos experimentais : Primeiro grupo (“Top”), Segundo grupo (“Both”) e Terceiro grupo (“Bottom”). O tamanho das barras indica a porcentagem de bebês que escolheu um dado personagem, e a cor da barra indica o personagem escolhido: Amarelo- Ajudante; Azul- Impedidor.
Curioso que a proporção de bebês que seleciona o personagem quando há o chacoalho é similar no primeiro e último grupos (da minha parte eu ficaria feliz com umas barras de erro nisso aí). De qualquer forma, a hipótese de associação simples (ou seja “coisas coloridas, que chacoalham e fazem barulho são mais legais”) explica muito melhor os dados do que a de que bebês conseguem atuar em cima de alguma forma primitiva de julgamento moral. Sendo assim, tal capacidade (como vista em seres humanos adultos) seria adquirida em um momento posterior no desenvolvimento, presumidamente por aprendizado social.

Esse tipo de debate é interessante por vários motivos óbvios, mas pelo menos por um não-obvio e bastante importante: divulgação de dados científicos. Tal discussão jamais teria ocorrido se os autores do primeiro trabalho não tivessem divulgado vídeos demonstrando seus procedimentos experimentais, possibilitando o segundo grupo de pesquisadores replicar e testar os seus achados. Por mais que fique a sensação que o primeiro grupo pisou na bola (e pisou), foi sua honestidade que possibilitou a descoberta do erro e do avanço do conhecimento.

Parafraseando Robert Price: Todos os resultados de investigação honesta contém em si as sementes da sua própria destruição. Acho que essa é um ótimo ideal a ser seguido.

Isso, e nunca confiar em bebês, pois eles são um bando amorais. Sempre desconfiei.

Referências

  Hamlin, J., Wynn, K., & Bloom, P. (2007). Social evaluation by preverbal infants Nature, 450 (7169), 557-559 DOI: 10.1038/nature06288

  Scarf, D., Imuta, K., Colombo, M., & Hayne, H. (2012). Social Evaluation or Simple Association? Simple Associations May Explain Moral Reasoning in Infants PLoS ONE, 7 (8) DOI: 10.1371/journal.pone.0042698

4 respostas para “Bebês são amorais (e porque publicar seus resultados)”

    1. haha, parece fake mesmo, mas é o original sim. Segue o link que o artigo é da Plos e da uma olhada (o estudo fala de outros problemas, mas esse é o mais obvio)E de fato, eles podem ser burros demais para entender a historia, e talvez seja isso que os impeça de emitir julgamentos morais. Alias, acho isso uma hipotese falseavel bastante interessante.

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