Em resposta ao meu último post, algumas pessoas afirmaram que a aquisição de conhecimento básico não precisa ser justificado além da própria aquisição de conhecimento. Apesar de eu concordar que a justificativa deva se afastar do utilitarismo raso que normalmente é exemplificado na forma de acumulo de tecnologias ou financeiro, não acho que a questão se resolva tão facilmente assim.
Afinal, mesmo que as pessoas não sejam (salvo raras excessões) contra a aquisição de conhecimento, existem prioridades “estratégicas” que podem levar órgãos de fomento a excluir áreas que não tem sua utilidade pública claramente justificadas. E se acham a possibilidade muito abstrata, se pergunte: porque será que as Ciências Humanas foram excluídas do Ciências sem Fronteiras, um programa que “busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira”? Talvez não tenha ficado claro para o governo/sociedade qual é o valor das áreas humanas para o avanço científico, e porque isso conta. E garanto: qualquer lógica empregada para a exclusão de ciências humanas pode ser igualmente aplicada em diversas áreas da pesquisa básica, por mais hard que seja a ciência.
Então, como poderíamos justificar a pesquisa básica? Creio que a melhor resposta para isso foi dada no contexto da construção do primeiro acelerador de partículas do Fermilab. O Fermilab é um laboratório de investigação física experimental e na época o seu primeiro diretor, R. R. Wilson, foi convocado para uma audiência frente ao comitê de Energia Atômica para conseguir autorização governamental para o projeto:
SENADOR PASTORE. Existe qualquer coisa conectada a este acelerador que envolva a segurança nacional desse país?
DR. WILSON. Não, senhor. Não creio que exista.
SENADOR PASTORE. Nada mesmo?
DR. WILSON. Não, nada.
SENADOR PASTORE. Ele não tem nenhum valor nesse aspecto?
DR. WILSON. Ele apenas diz respeito a o que consideramos uns pelos outros, pela dignidade dos homens, nosso amor pela cultura. Tem a ver com essas coisas.
Não tem nada a ver com o exercito. Sinto muito.
SENADOR PASTORE. Não sinta.
DR. WILSON. Eu não sinto, mas eu não posso honestamente dizer que ele tem esse tipo de aplicação.
SENADOR PASTORE. Tem algo nesse projeto que nos projeta em uma posição de competitividade com Russos, no que diz respeito a essa corrida?
DR. WILSON. Apenas da perspectiva de longo prazo, de um desenvolvimento tecnológico. Fora isso, tem a ver com: Somos bons pintores, bons escultores, grandes poetas? Eu quero dizer todas as coisas que nós realmente veneramos e honramos em nosso país (…).
Nesse sentido, esse novo conhecimento tem tudo a ver com honra e nação mas não está diretamente ligado à defesa de nosso país, exceto pelo fato de o fazer digno de ser defendido.
E eu creio que seja por ai. Tais pesquisas se justificam no contexto de nossos valores como sociedade. Se você acredita que somos nós que conferimos significado para nossa existência, então deve ser evidente que a busca pelo conhecimento, seja em ciência ou literatura, nos oferece uma fonte de significado e sentido muito maior do que qualquer outra coisa que podemos encontrar por ai. Uma sociedade que valoriza a busca pelo conhecimento como forma de se reconstruir, é uma sociedade que valoriza a ciência. Tecnologia e desenvolvimento econômico deveriam ser casos particulares dessa busca, e não o objetivo da busca em si.
Eu ainda adicionaria que uma base ética secular e humanista implica, necessariamente, na valorização da busca pelo conhecimento, mas isso é uma outra história.
Excelente defesa, também penso que seja este o caminho. Quanto ao caso do investimento em áreas estratégicas, há muitos contra-sensos. A FAPESP financia projetos de pesquisa na UNIFESP que envolvem imposição de mãos como alternativa de terapia para tumores e recusa outros projetos de desenvolvimento de novos fármacos. É algo para se pensar!