Os Jesuitas eram os Novos-Ateus do Cristianismo?

A Primeira Missa no Brasil, por Victor Meirelles
A Primeira Missa no Brasil, por Victor Meirelles

Ontem comecei a ler o livro The Christian Delusion: Why Faith Fails (“O Delírio Cristão: porque a fé falha”, tradução minha) um livro que, segundo um dos autores, foi inspirado pelas críticas feitas ao livro análogo do Richard Dawkins, Deus, um delírio. Visto que Dawkins foi amplamente criticado por sua superficialidade teológica, filosófica e antropológica, os organizadores desse volume resolveram reunir experts nessas áreas para atacar o cristianismo desses pontos de vista. Agora, eu não gostei do livro do Dawkins, e acho que muitas das críticas sobre sua superficialidade são válidas, mas visto que esse livro reúne diversos autores que admiro, achei que valia a pena dar uma verificada.

O tema central do primeiro capítulo é antropologia social, por David Eller, e parece ter como foco central uma avaliação antropológica dos cristianismos: o autor defende que não existe “um” cristianismo, mas vários cristianismos locais, adaptados à culturas regionais. Ele ainda explica que religião, como qualquer aspecto cultural, não é algo que pode ser rejeitado através de debate ou argumento racional: culturas (e visões de mundo) são normalmente herdadas e assumidas como verdades absolutas.

Esses fatos, aparentemente, estavam muito claro para os missionários cristãos, que tinham como objetivo difundir o cristianismo e o evangelho. A estratégia de tentar convencer estrangeiros da veracidade de sua religião só pode ser eficiente se você entende como uma pessoa pode adotar um novo aspecto cultural e aparentemente argumentos lógicos e racionais não são o caminho para faze-lo.

Como exemplo de um grupo que compreendia a dinâmica da assimilação cultural da crença, Eller cita um artigo por Michael Welton (link para o pdf) sobre a estratégia pedagógica dos jesuítas nas Américas:

A pedagogia de ataque dos Jesuitas tinha como principal objetivo fragilizar as fundações do modo de vida dos Indios. Essas fundações são as bases para significado e ações sociais, e várias praticas espirituais-religiosas presentes no dia-a-dia dos nativos[…]. Os Jesuítas buscaram deslocar [o shaman] de seu lugar na supremacia no mundo através do ridiculo, zombaria e competição […] e se inserir no lugar dele. Essa era uma estratégia pedagogica brilhante e inescrupulosa […]. Eles usaram seu conhecimento científico dos eclipses solares e lunares, marés, e o poder mágico da imprensa para deslegitimar o shaman. Eles marcharam suas próprias fundações de mundo (agora cada vez mais enriquecidas com formas científicas de conhecimento) para minar os fundamentos culturais dos ameríndios, e criar espaço para a coroa e Deus no Império do Demônio (povos nativos, no caso).

Usar zombaria e ridículo, recheado de conhecimentos científicos para deslegitimar autoridades religiosas… soa familiar? Pois até onde consigo avaliar, essas são exatamente as mesmas estratégias normalmente atribuídas aos chamados “neo-ateus”. E visto que a diferença entre um “ateu convencional” (seja lá o que isso for) e um “neo-ateu” normalmente se resume à forma que eles expressam suas crenças, e não o que eles acreditam, poderíamos dizer que os jesuítas eram os “neo-ateus” do cristianismo.

Brincadeiras aparte, eu não sei dizer se isso é bom ou ruim. Por um lado, esses ateus estão usando as mesmas estratégias imorais que os jesuítas usaram contra os Ameríndios, o que pode ser um indicativo de que esse não é o caminho correto a ser seguido. Por outro lado, o que os jesuítas fizeram parece ter funcionado, então… qual o caminho mais apropriado? Me parece ser uma questão de objetivos finais e estratégia: queremos apagar uma cultura e outorgar outra, ou permitir que as culturas se adaptem a um novo paradigma?