Bispo Luiz Gonzaga Bergonzini defende dogma em detrimento da ciência?

Aparentemente liberdade de expressão vai muito bem com Catolicismo. Pelo menos é o que parece defender Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo emérito da Diocese de Guarulhos. Em seu site, ele coloca que a PUC “Não pode ter em seu corpo docente professores contrariando os ensinamentos da Igreja Católica, dentro ou fora da sala de aula.” O motivo é simples: a PUC é da Igreja Católica e a dona da bola dita as regras.

Aparentemente o tal comentário foi estimulado pelas posições militantes do professor de jornalismo Leonardo Sakamoto, conhecido por sua defesa dos direitos humanos, liberdade de expressão e por ter um sorriso incrivelmente perturbador. De qualquer forma, d. Bergonzini não vê os esforços do dr. Sakamoto sob essa luz, dando a entender que ele é um dos “professores abortistas, defensores da eutanásia, da liberação da maconha, da ideologia homossexual ou comunistas”.

Leonardo Sakamoto – Adora fazer longas caminhadas na praia após um aborto.
Palavras duras para um Homem de Deus. Mas estaria ele correto na sua colocação? Bem, conceitualmente acredito que sim. Afinal, se os professores da PUC assinam um contrato afirmando que irão apresentar “reflexão incessante, à luz da fé católica”e “fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja”, e se as atitudes do Sakamoto distoam do que é considerado como a “mensagem tal como é apresentada pela Igreja”, então a PUC estaria mais que justificada em se desfazer de um professor que não está de acordo com as normas institucionais. 
Mas ser anti-aborto é uma posição dogmática da Igreja Católica? Certamente isso não está na Biblia. Até onde sei, grande parte do fervor anti-aborto religioso vem da noção de que a alma adentra o corpo durante o momento da concepção, idéia endossada por algumas passagens bíblicas, principalmente por Jeremias 1:5: 

Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações. 

, dando a entender que, segundo alguns, Deus nos conhece a antes do nascimento e até antes de nossa concepção. Existem vários furos para tal tipo de interpretação, obviamente, e para cada passagem anti-aborto é possível colocar uma que pode ser interpretada como pró-aborto. Definitivamente Deus não tem problemas com eviscerar mulheres gravidas. Talvez exista alguma tecnicalidade que eu desconheça nesse ponto. Mas de uma maneira ou outra, a posição anti-aborto está normalmente relacionado a segmentos cristãos da sociedade. Curiosamente, Dom Bergonzini foi um dos membros da igreja católica que se posicionou contra a eleição presidencial de Dilma e de todos os políticos favoráveis à legalização do aborto.


Dom Luiz Gonzaga Bergonzini: ele poderia ter sido abortado.

O ponto, ao meu ver, é que Dom Bergonzini está defendendo uma visão particular dos ensinamentos Biblicos que, por algum acaso é a endossada oficialmente pela Igreja Católica. Do Código de Direito Canônico:

Cân. 1398 — Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae

O que me pergunto é se o Bispo estaria disposto a aplicar a mesma lógica em todas as áreas do conhecimento? Afinal, apesar da igreja Católica se colocar como grande defensora da ciência, algumas pequenas idiossincrasias existem de forma tão ou mais explicitas quanto a condenação ao aborto. O Human Generis, documento no qual o papa Pio XII declara a posição da Igreja Católica em relação às teorias sobre a origem do homem, deixa bem claro que apesar dos fiéis poderem aceitar a evolução, nem todas as teorias podem ser assimiladas tão facilmente:

Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.

Ou seja, católicos que seguem o Human Generis podem aceitar que Adão e Eva surgiram através de evolução, mas não que eles eram membros de uma população maior de “proto-humanos” (ou que os nomes faziam referências a populações de pessoas, e não a pessoas). O problema disso é que sabemos que as populações humanas nunca tiveram um numero inferior a 10 mil indivíduos, e sabemos disso a partir de estudos de genética populacional humana. Seria o Bispo contrário ao ensino genética de populações na PUC, visto que as conclusões desses estudos ferem dogmas religiosos? Estaria ele disposto a sacrificar ótimos cursos de pós-graduação, como o de programa de Zoologia da PUC/RS, um dos únicos do Brasil com nota 6 da CAPES, apenas porque seus professores se valem de ferramentas que descreditam a existência de um Adão e uma Eva literal?

Ou talvez seja melhor reconhecer a possibilidade de que dogmas religiosos podem estar errados? 

Aborto dos “Justos”: Como o Cristianismo Conservador Promove Aquilo que Diz Odiar

Original: Away Point

Uma das grande ironias da sociedade americana é que a maioria dos abortos nos EUA são causados por cristãos conservadores. Leia as estatísticas: 49% das gestações nesse país não são intencionais, uma taxa que tem se mantido dolorosamente estável por aproximadamente 30 anos. Quase metade dessas gestações terminam em aborto. Ou, para avaliar no sentido oposto, mais de 90% dos abortos nos EUA são resultados de gravidez acidental. As taxas dos EUA de gravidez acidental e aborto excedem em muito a de outros países com similar desenvolvimento econômico. Assim como nossa taxa de religiosidade. O fato de estarmos fora do padrão para ambos não é coincidência.

Três aspectos do cristianismo conservador promovem o aborto: pró-natalismo, a obsessão com pecado sexual, e a ênfase no sentimento de certeza e retidão em detrimento da compaixão.
  1. Cristianismo biblico não é pró-vida. Não é nem mesmo pró vida humana. As estimativas recentes de Steven Pinker são que apenas no Velho Testamento são descritas 1.2 milhões de mortes nas mãos de Yahweh ou seus serventes. Ele é, no entanto, pró-nascimento. Sejam férteis e multipliquem-se (Genesis 1:28) A mulher será salva dando à luz filhos (1 Timóteo 2:15). Martin Lutero, lider da reforma protestante, colocou em suas próprias palavras: “Se uma mulher eventualmente se esgota e morre, não importa. Que morram dando à luz, pois para isto existem”. A reprodução competitiva cristã, uma estratégia para aumentar os adeptos, está no coração da postura anti-contracepção Católica e o movimento Quiverfull protestante.
  2. Filhinho da mamãe, talvez do papai. Todos nós sabemos o que isso significa. Na época que as religiões Abrahamicas emergiram, o desejo masculino de investir apenas em sua própria prole tomou a forma da objetificação da mulher e da sua posse pelos homens. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo (Êxodo 20:17). Mulheres flagradas em adultério (ou sem seus himens intactos) eram mortas pelos antigos hebreus, assim como elas são por muçulmanos conservadores hoje em dia. A obsessão cristã com pecado sexual ou até com a pureza feminina produziu o mito da virgindade americana. Em contraste com sociedades seculares mais abertas, adolescentes americanas tipicamente não procuram contraceptivos por até um ano depois de se tornarem sexualmente ativas. Contracepção as fariam culpadas do pecado de sexo premeditado.
  3. 38.000. Esse é o número de denominações cristãs. Já se perguntou porque? O cristianismo tradicional diz respeito à crença correta, à ortodoxia, e não à viver corretamente. Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo Atos 16:31. Contraste isso com a virtude central do budismo, ahimsa, de não-violência. Católico (significando universal) e ortodoxo (significando crença correta) são resquícios de uma das primeiras divizões do cristianismo depois que ele derrotou o paganismo. Mas o cisma e a fragmentação são apenas uma das consequências do enaltecimento da crença. Muitos crentes preferem estar corretos a estar em comunidade. Eles preferem estar certos a demonstrar compaixão. Eles preferem estar certos à resolver problemas. Eles preferem se opor ao aborto do que preveni-lo.
Os resultados são claros. A forma mais eficiente de reduzir o aborto é de-estigmatizar a educação sexual, des-mitologizar a virgindade, e investir em amplo acesso aos contraceptivos mais eficientes disponíveis. Em uma Holanda altamente secular, esta formula nocauteou o aborto para 7 em cada 1000 mulheres anualmente, um terço da taxa dos EUA. Então, porque a Direita Religiosa mantêm o foco em leis restritivas, ao invés de acesso à contraceptivos? Porque eles conferem direitos de pessoas a zigotos, em contradição com a essência da “pessoalidade”? Porque eles se opõem à educação sexual medicamente precisa? Porque eles prometem desfinanciar programas de planejamento familiar?

Porque aborto não é o que realmente interessa a eles. Eles querem pureza, eles querem retidão. Alguns querem reprodutoras designadas. Até aqueles que conscientemente promovem mais nascimentos são sujeitos às estratégias competitivas que estão nos ingredientes das religiões do deserto desde o começo.

O mundo está no cume de uma revolução dos contraceptivos. Comparado com o melhor controle de natalidade disponível para os seus pais (a Pílula), as ultimas gerações de contraceptivos de longa duração reversíveis, também conhecidos como LARCs, diminuem o risco de gravidez acidental em 10 a 50 vezes. Cada ano uma em cada doze mulheres que toma a Pílula engravida. Isso significa duas ou três gestações extra por mulher durante sua idade reprodutiva – crianças não desejadas ou abortos. Com DIUs hormonais ou implantes, essas taxas caem para uma em 500, porque os LARCs agem desligando a fertilidade da mulher. Como se isso não fosse o suficiente, alguns LARCs também se livram da impureza mensal (Levítico 15:19-24) causada pela maldição da Eva.

Se alguem quisesse prevenir abortos, ele iria advogar pela demonstração de LARCs em toda sala de aula no país. Eles iriam se certificar que os contraceptivos mais eficientes estão disponíveis para todos. Eles iriam focar em gravidez consciente e não em virgindade. Aqueles que dizem querer acabar com o aborto não o fazem, porque eles não o querem.

Nota: Publicado originalmente em 22 de Janeiro de 2012, na semana da Confiança na Mulher, para honrar a sabedoria moral e espiritual que as mulheres investem ao tomar decisões sobre seus direitos reprodutivos.

Sobre a Autora: Valerie Tarico é uma psicologa e escritora de Seattle, Washington. Ela é autora de Trusting Doubt: A Former Evangelical Looks at Old Beliefs in a New Light e Deas and Other Imaginings, e é fundadora da www.WisdomCommons.org. Seus artigos podem ser vistos em Awaypoint.Wordpress.com.