Em defesa do CFBio contra o Criacionismo

projeto de lei 8099 - criacionismo

 

Recentemente o Conselho Federal de Biologia (CFBio) publicou uma nota repudiando a PL8099 do Pastor e Deputado (nessa ordem de importância) Marcos Feliciano que tornaria o ensino do Criacionismo obrigatório em escolas. O projeto de Lei em si é um absurdo pelo festival de equívocos e imprecisões. Nesse sentido, o CFBio se adicionou a uma multiplicidade de associações acadêmicas e de ensino no repúdio dos avanços dos projetos criacionistas no Brasil, dentre elas:

Porém o que me chamou mais atenção foi a publicação do Maurício Tuffani no seu blog na Folha. Segundo Tuffani (divulgador que eu respeito bastante), a afirmação do CFBio foi equivocada, principalmente por conta da última frase na seguinte citação:

Ao contrário do que está exposto no PL 8099/2014, a Teoria da Evolução não é uma crença e, portanto, não tem nenhum fundamento dizer que ensinar evolução nas escolas é violar a liberdade de crença. O evolucionismo se baseia em observações fundamentais e em pesquisas científicas que surgiram com experimentos devidamente comprovados. A Evolução das espécies através da seleção natural não é uma teoria, mas uma coleção de fatos amplamente comprovados.

Segundo Tuffani, o texto se contradiz ao dizer que a teoria evolutiva é primeiramente uma teoria e depois que ela não é uma teoria, mas uma coleção de fatos. Além disso:

 Ao negar, em vez de corrigir, a falaciosa afirmação de que “a evolução é só uma teoria”, até mesmo alguns cientistas acabam afirmando uma grande bobagem, a de que a teoria da evolução é cientificamente comprovada. É uma bobagem porque nenhuma teoria científica pode ser comprovada. E a exploração dessa bobagem tem feito sucesso.

Tuffani aqui se refere à tática criacionista de tentar igualar o termo “Teoria” no seu uso cientifico, que é um conjunto de modelos que busca explicar uma coleção de fenômenos, com o seu uso informal, que seria algo como um chute ou uma opinião não corroborada. Segundo os criacionistas, o fato de a Teoria Evolutiva ser chamada de “teoria”, demonstra que ela não é corroborada, logo pode ser descartada em favor de outra teoria qualquer, como o Criacionismo. O Tuffani faz um bom trabalho de evidenciar essa questão, então sugiro ler o post dele para essa questão.

Porém eu não pude deixar de demonstrar espanto com o posicionamento do Tuffani, visto que a visão exposta no site do CFBio é idêntica a o que muitos biólogos e defensores da evolução defendem: de que evolução, além de uma Teoria, é um Fato. Se olharmos por esse lado, o texto do CFBio não é contraditório, pois primeiramente fala sobre a Teoria evolutiva, e depois se refere ao fato (ou fatos) da evolução. Nada de espantoso.

Agora, eu sou completamente contrário a essa ideia: nada pode ser um fato e uma teoria ao mesmo tempo. Já escrevi alguns posts sobre o assunto e pretendo retomar essa discussão algum dia:

Mas o ponto é, essa ideia de que evolução é um fato é extremamente difundida, e não é nem de longe algo que é obviamente errado para a maioria de pesquisadores e leigos que aceitam a evolução.

Eu concordo com Tuffani de que tal visão é equivocada e que o CFBio errou em não abordar o equivoco central na tese criacionista. Porém também compreendo que o CFBio não é uma entidade acadêmica, e que está apenas expressando o que eles acreditam ser uma tese correta, tendo em vista a difusão dessa ideia dentre biólogos.

Em outras palavras: pisaram na bola, mas é compreensível.

Não façam de novo.

Feio.

Qual a constitucionalidade do “Dinheiro Laico”?

Para quem ainda não sabe, o Ministério Público Federal está movendo uma ação para a remoção do dizer “Deus seja louvado” das cédulas de real. O principal argumento da ação é sobre a laicidade do estado, e como o estado não pode dar preferências para nenhuma religião, mesmo que seja um conjunto de religiões. Segundo o trecho da ação:

Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: ”Alá seja louvado”, ”Buda seja louvado”, ”Salve Oxossi”, ”Salve Lord Ganesha”, ”Deus Não existe”. Com certeza haveria agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus.

Ou seja, a ideia é: faça com os outros o que gostaria que fizessem com vocês. Soa familiar, não?

De qualquer forma, tal ação foi rejeitada em primeira instancia pela juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Federal Cível de São Paulo. Na sentença, a juíza diz que a afirmação de que a frase seria uma afronta à liberdade religiosa e a laicidade do estado

não veio acompanhada de dados concretos, colhidos junto à sociedade, que denotassem um incômodo com a expressão “Deus” no papel-moeda.

Achei muito curiosa essa colocação, visto que sabia do abaixo-assinado proposto pela LiHS após a primeira rejeição da ação (falo um pouco sobre isso aqui). Não tardou e a LiHS resolveu reiterar a existência do abaixo assinado, para que possamos assim juntar massa crítica o suficiente para que sejamos ouvidos. Eles convocaram blogueiros, vlogueiros e grupos seculares para ajudar na divulgação (atualização: convocação ignorada, aparentemente, pela ATEA). Como apoio a ideia desde que foi inicialmente rejeitada, fica aqui registrado meu endosso. Para assinar a petição, clique na figura abaixo ou aqui.

Mas tem uma coisa que me tem incomodado bastante nessa história, e ela se refere a relação entre a laicidade do estado e o dizer na nota. Apenas para deixar claro, vamos ver o que seria exatamente a laicidade do estado. Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 19

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

II – recusar fé aos documentos públicos;

III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Até onde sei, é esse artigo que é usado para estabelecer o estado brasileiro como sendo laico.

A pergunta é: como o dizer na nota fere o primeiro item do artigo 19 da constituição? Na minha opinião não parece ferir, ou se fere, fere muito pouco. Notem que a linguagem do artigo não parece focar em discurso ideológico, mas em práticas. Então fica a minha pergunta para os que acreditam que o dizer fere o principio constitucional: como? Acho que é uma pergunta justa e que merece resposta. Não nego que o “Deus” da nota é o Deus judaico-cristão, e que isso denota uma preferencia em detrimento de não-religiosos, por exemplo. Mas como isso estabelece um culto, ou subvenciona eles ou estabelece uma relação de dependência ou aliança? Que evidencias nós temos de que isso acontece através dessa frase?

Isso não quer dizer que um estado laico pode (ou deve) expressar preferencia por um segmento religioso da sociedade, não é isso que estou dizendo. Apenas estou colocando que essa defesa em particular do estado laico não parece ter respaldo constitucional.

Então, porque defender a remoção? Bem, primeiro porque a constituição não foi divinamente inspirada (sic). Ela pode ser imperfeita, incompleta e mesmo estar errada. O principio da laicidade, em um sentido mais amplo, pode não estar completamente incluido na constituição, mas isso não significa que o princípio não tem valor.

O outro ponto é mais pragmático: a questão pode ser um termometro para a aceitação social de argumentos laicos no cenário publico. Se um caso aparentemente tão irrelevante for indeferido, então talvez ainda estejamos em um ambiente bastante inóspito para o secularismo. Por outro lado, se obtivermos uma vitória, isso pode abrir precedentes (e talvez, jurisprudencia?) para casos mais relevantes no futuro.

Então… assine a petição e dê uma forcinha para o estado laico.

Estado Laico? Não nesse país!

Faz um certo tempo que não tenho tempo de bloggar, e por isso peço desculpas para os eventuais leitores. O fato é que comecei minhas viagens de coletas de dados, o que tem sugado a maior parte das horas dos meus dias e dos dias da minha semana, isso sem contar que fico sem acesso a um computador a maior parte do tempo durante os fins de semana. No presente momento estou visitando o Museo Argentino de Ciencias Naturales, em Buenos Aires e devo permanecer mais algum tempo por aqui. Apesar de trabalhar todos os dias em Buenos Aires, estou em uma pequena cidade chamada San Miguel e pego o trem todos os dias para o museu. É bastante cansativo, o que limita ainda mais meu tempo e animo.

Entretanto, não pude deixar de notar a-não-tão recente controvérsia a respeito da remoção da frase “Deus seja Louvado” das cédulas de Real. Digo que não é uma controvérsia recente pois, se bem me recordo, tal questão começou quando o procurador do Ministério Público Pedro de Oliveira requisitou que o Banco Central removesse a frase das cédulas de Real. Em resposta a isso, o Banco Central argumentou que o pedido sofria de “vício de origem”, o que é o jeito jurisdiquez de dizer que a você apresentou o papel no guichê errado. Logo em seguida, a LiHS lançou um abaixo assinado que pedia ao orgão correto (o Conselho Monetário Nacional) que a remoção fosse feita. Paralelamente, o Ministério Publico afirmou que iria pressionar o assunto. O quanto tais eventos estão interconectados, eu não sei dizer.

Eu não acredito que tenha muito a contribuir com a discussão. Minha posição é simples: se almejamos um estado laico e igualitário de fato, a remoção é um passo simples. Não engulo argumentos sobre como a frase é um reflexo de nossa história cristã pelo simples fato de que a a frase nem 30 anos tem. Se é reflexo de alguma coisa, é reflexo da nossa democracia engatinhante da década de 80, e tão passível de revisão quanto qualquer lei e decreto feita dentro desse próprio contexto.

Mas o que gostaria de compartilhar é algo que encontrei nas minhas andança por aqui. A foto abaixo é de uma pequena capela que está no meio de uma pista de esportes muito movimentada aqui da vizinhança. A imagem no começo do post é de um Santo que está em seu interior (presumidamente San Miguel).

Capela

Até ai, nada de muito impressionante, exceto pelo que encontrei do outro lado da construção:

“Capela construida e mantida pelo município de San Miguel”
E, caso vocês estejam se perguntando, não há uma sequer menção a Deus nos Pesos Argentinos.
Não sei ao certo o ponto disso tudo, mas achei irônico que um país que tenha passado por um processo de laicização, como a Argentina, o dinheiro público ainda seja usado para construções religiosas. Irônico, mas não inesperado.
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